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Literatura infantil acessível

Recebi a obra Sonhos do Dia, de Claudia Verneck, de presente da minha amiga Marcia Caspary. Apesar da demora para lê-lo, agora que o fiz estou radiante. A obra conta a história de uma menina que tem muitos sonhos durante a noite enquanto dorme, mas não consegue trazê-los para a realidade do dia, quando está acordada. É um convite à imaginação, à criatividade e à liberdade de sonhar, própria das crianças.

Minhas mãos percorrem as páginas lisas, de papel couchê e boa gramatura do livro. Um volume bem apresentado, extremamente colorido, com ilustrações que ocupam a totalidade das páginas e texto sobreposto aos desenhos. São muitas imagens e detalhes essenciais para a compreensão da história.

Se não fosse o CD ou o DVD com a audiodescrição, seria uma obra totalmente inacessível para crianças cegas e com baixa visão. Escutei a audiodescrição, na interpretação de Marcia Caspary e estou encantada. O roteiro é dela, da Leticia Schwartz e Mimi Aragon.

Por alguns instantes retornei à minha infância. Assim como a personagem do livro, eu também tinha muitos sonhos durante a noite e queria que fossem verdade durante o dia. Os dias às vezes eram bastante difíceis.

Eu gostava muito de ler, mas nem todos os livros não eram acessíveis para mim. As letras eram pequenas e apagadas. A poluição das cores misturadas e desenhos sobrepostos atrapalhavam ou impediam minha leitura.

Na história, a menina descobre que os sonhos da noite são possíveis também durante o dia.

A audiodescrição desse livro (e de tantos outros) é, para mim, um sonho da noite – agora possível durante o dia ou a qualquer momento da vida. É fantástico ver que a literatura infantil também está se tornando acessível, trazendo mais cores e emoções a tantas crianças que enxergam o mundo através de seus outros sentidos.

Parabéns a todos que estão ajudando a transformar a literatura infantil e a cultura de modo geral em uma realidade possível, viável e, acima de tudo, emocionante dentro da realidade de tanta gente que vibra, ri, chora e se diverte com a audiodescrição!

Audiodescrição torna exposição de fotos acessível a pessoas com deficiência visual no Centro de Porto Alegre

Ação será no dia 11 de janeiro, às 18h, no Largo Glênio Peres

 

 A exposição de fotografias da artista Carmem Gamba, no Centro da Capital, estará acessível a pessoas cegas e com baixa visão. Um grupo de audiodescritores ligado à Mil Palavras Acessibilidade Cultural realizará sessão de audiodescrição (AD) ao vivo dos painéis de fotos instalados no gradil do Chalé da Praça XV, no Largo Glênio Peres. A ação ocorre no próximo dia 11 de janeiro (quarta-feira), às 18h.

 

Pessoas com deficiência visual poderão entrar em contato com as imagens e compreender a exposição – que faz parte da mostra Artemosfera. A AD consiste em um recurso que torna acessível, através da narração, qualquer evento, vídeo ou produto cultural em que as imagens sejam relevantes para o entendimento e a interação com o conteúdo.

 

Serão oferecidas vendas para que o público sem deficiência visual conheça a exposição sem enxergar. Letícia Schwartz, integrante do grupo e sócia da Mil Palavras, explica que o objetivo é justamente apresentar a audiodescrição ao público amplo que circula pelo Mercado Público e Centro da Capital.

 

A expectativa, afirma ela, é chamar atenção para o fato de que as pessoas com deficiência são consumidores de arte, cultura e entretenimento. A ação revela a importância da busca de soluções de acessibilidade em toda e qualquer atividade cultural, ressalta.

 

“Para as pessoas com deficiência visual, a ação possibilita o acesso a uma atividade cultural de imensa relevância. Para pessoas sem deficiência, é uma maneira diferente de entrar em contato com a arte”, comenta Letícia.

 

Dados preliminares do Censo 2010 revelam que mais de 45 milhões de brasileiros têm alguma deficiência sensorial, motora ou intelectual, quase um quarto da população do país. Desses, 35,8 milhões declaram-se com algum grau de deficiência visual. Mimi Aragón, idealizadora da ação, observa: “Essas pessoas pagam impostos como todo cidadão e precisam ter assegurada sua  inclusão cultural. A AD não é um favor, mas um direito”.

Nesse sentido, salienta Mimi, é importante que os próprios deficientes visuais conheçam o recurso para cobrar de produtores e do poder público sua inserção em todo bem cultural ou evento de qualquer natureza. “E as pessoas em geral precisam conhecê-lo para que, num futuro próximo, ele esteja amplamente incorporado ao cotidiano de todos”, afirma.

 

A artista Carmem Gamba comenta que o Largo Glênio Peres é frequentado por uma diversidade de tribos. “E nada melhor do que dar um espaço para o rosto dessas pessoas no ambiente que elas ocupam. A exposição Esse Lugar é a Minha Cara nasce dessa ideia de ligar a pessoa ao espaço possuído, onde um é espelho do outro”, explica.

 

Ela define  a iniciativa de audiodescrição de seus painéis como “maravilhosa” e “de uma sensibilidade incrível”. Sem esconder a satisfação em ter suas fotos acessíveis a um público mais amplo, Carmem afirma: “A exposição irá atingir pessoas até então não pensadas pelos fotógrafos. Minhas fotos estavam expostas somente para quem enxerga. E agora estão disponíveis também a quem não enxerga ou enxerga pouco”.

 

A fotógrafa pretende disponibilizar a AD em seus próximos trabalhos. “Quero no futuro criar também uma exposição que explore os relevos, as formas, as texturas e as sensações”, comenta.

 

 

O depoimento dos usuários da audiodescrição

 

O estudante de doutorado em Educação da UFRGS Felipe Leão Mianes, que tem baixa visão, define a audiodescrição como uma verdadeira “revolução no acesso à cultura”. Segundo ele, o recurso representa uma imensa possibilidade de inserção cultural. “É um importante instrumento na adquisição de conhecimento e na compreensão de determinadas coisas que antes eram muito difíceis”, afirma.

 

Ele observa ainda que a realização de uma sessão de AD no Centro de Porto Alegre, onde circula uma grande quantidade de pessoas, permitirá que indivíduos que provavelmente não teriam acesso a uma exposição possam entendê-la e participar da vida cultural da cidade.

 

A professora Marilena Assis, que é cega e atua em diferentes espaços, diz que o recurso significa, para ela, oportunidade de acesso aos meios culturais – o que até hoje foi limitado em sua vida.  “A audiodescrição me entusiasma, pois agora posso compreender e discutir filmes, teatro, arquitetura e exposições com mais apropriação e segurança”, relata.

 

Conforme ela, o acesso aos bens culturais com AD é um direito que está, aos poucos, se tornando realidade. “Voltei a ter prazer em ouvir filmes na companhia de pessoas que enxergam, já que agora não perturbo os outros com minhas perguntas”, garante.

 

 

O grupo de audiodescritores

 

O grupo que assume a tarefa de descrever as imagens captadas pela fotógrafa Carmem Gamba é constituído por audiodescritores e consultores – estes com deficiência visual – arregimentados por Letícia Schwartz a partir da primeira turma de especialistas formada pela audiodescritora paulistana Lívia Motta, em Porto Alegre, no ano passado.

 

Integram o coletivo profissionais provenientes de diversas áreas – atores, escritores, funcionários públicos, jornalistas, locutores, pesquisadores acadêmicos, publicitários e técnicos de áudio – que estudam a teoria, prática e produção da audiodescrição. Juntos, já produziram a primeira AD de um videoclipe brasileiro (“O Caminho Certo”, da cantora e compositora Luiza Caspary) e a audiodescrição da mostra acessível a cegos e pessoas com baixa visão do Dia Internacional da Animação 2011, entre outros trabalhos.

 

 

SERVIÇO

O QUÊ: Audiodescrição da exposição Esse Lugar é a Minha Cara, da fotógrafa Carmem Gamba.

ONDE: Gradil do Chalé da Praça XV, no Largo Glênio Peres, em Porto Alegre.

QUANDO: 11 de janeiro (quarta-feira), às 18h.

COMO: Entrada franca, com distribuição limitada de vendas para o público sem deficiência.

Planetário, acessível a deficientes visuais?

Quando se fala em Planetário, alguém pensa em um local acessível para deficientes visuais? O jornalista Marcelo Cavalcanti da Silveira, meu colega no curso de Acessibilidade no Ensino Superior da UFRGS, está contribuindo para a quebra desse paradigma. Ele trabalha no Planetário da UFRGS e, com criatividade, vontade e determinação tenta tornar o local acessível e atraente a cegos e pessoas com baixa visão.

Minha experiência, quando criança, em uma visita com a escola ao Planetário da UFRGS, foi traumática. Todos os alunos sentam numa sala redonda escura para assistir à sessão. Eu não sabia sequer para onde deveria olhar, o que deveria fazer, se havia uma “televisão” em algum ponto ou se as imagens seriam passadas por toda a parte, se eu devia olhar para cima, para baixo, para os lados…

Apenas escutava o áudio da sessão, incomodada e desconfortável, esperando que aquilo terminasse o quanto antes. Não havia ninguém para me explicar e me situar sobre o que estava acontecendo.

Fiquei com a ideia de que esse negócio de céu, planetas, estrelas, constelação “não era para mim”. Mas será mesmo? Hoje, após cerca de 15 anos, vejo que esse ambiente pode vir a ter improtância significativa na minha vida.

Em visita essa semana ao Planetário da UFRGS fiquei impressionada positivamente com a receptividade e, como diria o Felipe Mianes, com o “acolhimento” que senti. Posso dizer que, agora, de fato, entendi e percebi melhor o Planetário.

Entrei, com péssimas lembranças na memória, na mesma sala de projeções que havia estado com a escola. Dessa vez, porém, o Marcelo me explicou que as projeções do céu correm por toda a sala, pelo teto e pelas paredes. Tentei vê-las, mas como é uma sala muito escura e os pontinhos de estrelas, muito pequenos, não foi possível.

Ele foi quem, pela primeira vez, me situou naquele ambiente até então misterioso e estranho. Mostrou-me o aparelho que fica no meio da sala, girando, fazendo barulho e emitindo luzes coloridas. Levou-me até a mesa onde o controlador da sessão dá os comandos. Indicou-me os pontos cardeais dentro da sala redonda e escura, batendo palmas no norte, sul, leste e oeste. Atitudes talvez pequenas para ele, mas imensa para mim.

Talvez você esteja se perguntando, afinal, o que eu de fato vi na sessão do Planetário? Escutei ao áudio de 37 minutos da sessão “O Caminho das Estrelas”, cuja audiodescrição está em fase de finalização pelo Marcelo e a equipe do Planetário.

Está sendo produzido ainda o desenho em relevo das constelações citadas na projetação. Assim, imagens que podem ser visualizadas por muitas pessoas em “O Caminho das Estrelas”, podem ser também tocadas e vistas de outra forma por quem não enxerga o mundo da forma convencional. Um verdadeiro exemplo de respeito e compreensão das diferenças.

Além disso, no hall de entrada do prédio, havia duas exposições. Uma com maquetes táteis das fases da lua. Outra com peças de cerâmica, produzidas pelos alunos do curso do Instituto de Artes da UFRGS. Nem todas as peças podiam ser tocadas, pois algumas estavam dentro de um vidro. Havia legendas em braille, mas nem todas tinham fontes ampliadas para baixa visão.

Essa visita ao Planetário, ainda que eu aponte pontos que precisam ser aprimorados, foi uma experiência emblemática. Na comparação do que percebi há 15 anos, me senti em um local diferente. Não que a instituição atualmente disponha de muitos recursos financeiros e tecnológicos ou que a estrutura física do prédio tenha mudado.

O que temos de diferente hoje é um maior empenho, comprometimento e sensibilidade do homem com seus semelhantes. Uma prova concreta de que é possível fazer muito, mesmo com poucos recursos financeiros e sem as condições ideais que seriam desejáveis.

A comparação entre minha visita de agora e a de 15 anos atrás me mostrou como é possível, com poucos recursos (mas muita vontade e disposição), tornar o local – e todo o Planeta Terra quem sabe – acessível.  Uma mudança de consciência e postura das pessoas ocorre devagar. Mas é bom perceber que, de alguma forma, isso está acontecendo.

Aos poucos a audiodescrição está sendo disseminada. E cabe lembrar aqui que não basta ter a audiodescrição, é preciso, antes de tudo, pessoas dispostas a receber bem o visitante, a acolhê-lo e situá-lo naquele contexto antes de simplesmente colocá-lo para assistir a uma sessão.