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O consumidor com deficiência

Hoje é o Dia Mundial do Consumidor. E eu gostaria de lembrar que, embora muitos lojistas e empresários não tenham se dado conta, as pessoas com deficiência também são consumidoras. E, aliás, são um percentual elevado de consumidores. Apenas do RS são 2,5 milhões de pessoas com deficiência. Em todo o Brasil, o número chega a 45 milhões. Isso representa quase 24% da população do país.

Mas para que esse público possa consumir e ser atendido com qualidade é preciso que a acessibilidade seja observada dentro dos estabelecimentos comerciais. Leis não faltam no que diz respeito à acessibilidade em quaisquer espaços, sejam públicos ou privados – como bares, restaurantes, lojas, bancos, hotéis, shoppings etc. O Brasil é signatário na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência desde 2006. A Convenção tem status de emenda constitucional e garante o direito à acessibilidade plena em todos os espaços.

Entretanto, o que ainda falta é o cumprimento dessa legislação. Quando se pensa em acessibilidade em uma loja vale lembrar que o ambiente deve ser pensado desde o lado de fora. É preciso que as pessoas possam entrar e sair do local com segurança e autonomia. Por isso é fundamental que existem rampa, elevador, piso tátil e sinalização adequada.

Do lado de dentro dos estabelecimentos é importante que existam sanitários adaptados, balcão de atendimento na altura de cadeira de rodas ou para pessoas de baixa estatura, espaço livre para circulação sem obstáculos, provadores com acessibilidade nas lojas e funcionários treinados para prestar um bom atendimento a todos os públicos.

No caso de bares e restaurantes, a legislação já obriga a necessidade de cardápios em braile em todos os locais. O que ainda não está na lei é a obrigatoriedade de cardápios em fonte ampliada para baixa visão. Mas alguns lugares aqui em Porto Alegre já dão o exemplo e disponibilizam cardápios acessíveis.

Eu mesma já solicitei cardápio em fontes ampliadas aqui na capital gaúcha e pelo menos três establecimentos já atenderam minha demanda e de outras pessoas com baixa visão. São eles: cafeteria Gramado Gourmet (na Av. Getúlio Vargas), La Cafeteria (na Av. Oswaldo Aranha) e padaria Clarita (na Vasco da Gama). O mais interessante é que, segundo os próprios dosnos desses estabelecimentos, muitos clientes idosos e com problema de visão começaram a preferir o cardápio ampliado em detrimento do convencional. Ou seja, uma adaptação que agradou muitos frequentadores desses locais.

Eu entrei em contato com o Procon de Porto Alegre e com a Secretaria Municipal de Acessibilidade para saber como anda a questão da acessibilidade em pontos comerciais da cidade. Ambos informaram que consumidores que tenham dificuldade de acesso a algum estabelecimento comercial podem efetuar uma denúncia. O fone do Procon de Porto Alegre é o (51) 3289 1710./ e o fone da Prefeitura para denúncias dessa ordem é o 156.

A Secretaria Municipal de Acessibilidade informou que não possui levantamento sobre o numero de estabelcimentos comerciais com acessibilidade em Porto Alegre, nem o número de locais autuados por esse tipo de infração. Fica aqui um alerta para a população: será que as autoridades estão preocupadas com essa questão, senodo que sequer possuem dados sobre isso?

É imprescindível que as próprias pessoas com deficiência revindiquem seus direitos e pressionem para que a Convenção da ONU seja aplicada na prática. E os próprios estabelecimentos comerciais precisam perceber que, mais do que cumprir a lei, estarão ampliando suas receitas e faturamento quando considerarem o público com deficiência enquanto consumidor. Trata-se de um público ávido por consumir e por ser atendido com qualidade, podendo inclusive impulsionar a economia em todos os setores.

Homenagem às mulheres

Nesse Dia da Mulher eu gostaria de fazer uma homenagem a todas as mulheres leitoras do Três Gotinhas, em especial aquelas com alguma deficiência. Eu vou apresentar aqui a história de uma mulher batalhadora e que merece meus parabéns, mas estendo esse cumprimento a todas as leitoras

Fernanda Schacker Machado tem 24 anos e tem Síndrome de Down. Ela faz Faculdade Design Gráfico e deve se formar até o final desse ano. Mora em Porto Alegre e estuda em Canoas. Gosta de ler, escrever e desenhar. Um de seus sonhos é ser escritora. Optou pelo curso de Desgin Gráfico porque além de escrever as próprias histórias quer desenhar a capa, pensar a apresentação visual e fazer a montagem de todo dos próprios livros. Seus gêneros favoritos são a aventura e o mistério.

Conta que foi muito bem recebida na faculdade, tanto por colegas quanto por professores e funcionários. Alguns professores tiveram um pouco de resistência por ter uma aluna com Síndrome de Down, mas ela afirma que ao longo de cada semestre conseguiu cativar mesmo os mais “durões” e tudo foi ocorrendo com naturalidade.

E possível notar bastante empenho e dedicação da acadêmica. No início do curso tinha receio de não conseguir acompanhar bem as disciplinas. Então pediu autorização para gravar todas as aulas. Assim, poderia escutá-las em casa quantas vezes quisesse. Quando havia muito conteúdo e imagens no quadro usava também uma câmera fotográfica. Assim poderia rever o material com mais calma depois.

Atualmente está quase no final do curso e já está bem ambientada. Com satisfação, explica que consegue acompanhar o ritmo da turma e já não utiliza mais o gravador. A jovem afirma que provas com menos número de questões e maior objetividade facilitam a compreensão das pessoas com Síndrome de Down.

Ao longo do Ensino Fundamental, Médio e também na faculdade Fernanda teve bastante contato com outras pessoas com diferentes deficiências. Para ela, essa troca foi muito rica e ela aprende muito com a experiência de outros colegas. Participa de eventos e seminários sobre acessibilidade, já tendo sido palestrante em atividades sobre Síndrome de Down inclusive fora do RS.

Fernanda ainda não fez estágios durante a Faculdade, mas pretende buscar uma oportunidade esse ano. Admite tem algum receio sobre esse novo desafio e como será recebida no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo se diz entusiasmada e ansiosa para começar essa nova etapa em sua vida.

Além de escritora e designer gráfica, Fernanda quer ser atriz de cinema. Sonha em ter sua casa própria e ter filhos. Parabéns Fernanda pelo Dia da Mulher! Que todos os teus sonhos sejam realizados! Parabéns a todas as mulheres que acompnham o blog. Obrigada pela parceria de sempre!

Minhas experiências na escola

Durante minha vida escolar passei por inúmeras dificuldades. Na Educação Infantil e no Ensino Fundamental o fato de eu ter deficiência visual (baixa visão) era muitas vezes confundido com ser uma pessoa tímida, com poucos amigos e problemas de relacionamento. Lembro de passar muitos recreios brincando na pracinha sozinha ou passeando pelos corredores da escola porque não encontrava onde estavam meus colegas. O pátio era muito grande, cheio de crianças, e isso me atrapalhava para identificar quem eram os meus colegas. Eu me sentia sempre sozinha e excluída. Essa é uma das principais lembranças (muito ruim, aliás) que tenho desse período escolar,

Quando fiquei mais velha, já no fim do Ensino Fundamental e início do Ensino Médio, percebi que eu não tinha problemas de relacionamento. Comecei a ter mais amigos, a me dar bem com as pessoas. Todos passaram a me chamar para eu identificar que eles estavam ali perto de mim. Não tinha mais o problema de “brincar” no pátio, mas ainda assim no intervalo eu tinha que saber onde as pessoas estavam para poder conversar com a turma.

Acho que no jardim de infância e séries iniciais faltou um pouco de sensibilidade dos professores para trabalhar essa questão da baixa visão com a turma e não deixar que eu estivesse sempre sozinha, me sentindo excluída. Acho que até eles acabavam acreditando e aceitando que eu tivesse problemas de relacionamento – sem entender realmente o que é baixa visão, as dimensões e as consequências disso.

Pintando a mesa
Lembro que em uma atividade de pintura (ainda no jardim) uma vez eu acabei pintando a mesa, pois me deram uma folha branca, pincel e tinta para desenhar em cima de uma mesa branca. Essa falta de contraste é terrível para mim ou para qualquer pessoa com baixa visão. Eu não sabia onde acabava a folha a começava a mesa.

Quando a professora viu o que aconteceu simplesmente limpou a mesa o mais rápido possível (como se tentasse esconder dos outros colegas o que havia acontecido e como se aquilo fosse um ato vergonhoso). Falou para eu ficar calma, que não tinha problema.

Mas para mim a situação foi muito constrangedora – e tinha problema sim. Me senti muito mal com a situação. A professora simplesmente limpou a mesa e disse para eu continuar pintando e fazendo o meu desenho “normalmente”, mas que eu deveria “cuidar” com a mesa. Algo simples para resolver a questão seria colocar um papel ou toalha de outra cor sobre a mesa branca… Creio que não é algo tão difícil de ser pensado ou imaginado, certo?

Lembro que, na ocasião, as outras crianças da turma ficaram fazendo piadas com a situação e dizendo que eu ia levar a mesa para casa… Foi horrível. Uma péssima lembrança que tenho desse período.

Hoje penso que eu poderia ter feito um belo trabalho artístico naquela mesa se não tivesse sido interrompida. Acho que inclusive tenho vontade de ter uma mesa para eu pintar todinha. Acho que ela ficaria bem bonita! Ehehehehe.

Educação Física
Outras situações difíceis aconteciam na aula de Educação Física. Tive que fazer atividades de bola até a 6ª série. Eu levava boladas no rosto porque não conseguia pegar a bola. Não tinha reflexos de velocidade e campo visual para saber de que lado vem a bola.

No vôlei, por exemplo, eu conseguia dar o saque e arremessar a bola por cima da rede, mas quando ela voltava eu não conseguia rebater (porque vinha muito rápido e eu não tinha esse reflexo).

Na verdade eu entrava na quadra, ficava toda retraída num canto, fugia da bola, fugia dos colegas. Fugia, pois não queria que ninguém me passasse a bola, sabia que não ia conseguir rebater. A Educação Física acabava reforçando a minha imagem como pessoa retraída, sem amigos e até anti-social.

O que era para os outros a aula mais esperada da semana para mim era a disciplina mais temida e detestada, As aulas de educação física eram intermináveis. Os minutos não passavam. Eu olhava no relógio a cada minuto e a aula não acabava nunca.

O dia da Educação Física era o dia que eu sempre queria ficar em casa. Aquela situação era horrível, Muitas vezes eu chorava antes de ir para aula porque sabia o que iria enfrentar. Quando era no primeiro período queria chegar atrasada de propósito…

A partir da 7ª serie então meus pais levaram um atestado medico dizendo que eu não poderia fazer atividades com bola. Daí a partir disso comecei a caminhar em volta da quadra enquanto os alunos jogavam. Hoje sei que não foi a melhor solução porque, ainda assim, não interagia com os demais e ficava isolada. De qualquer forma, na época foi muito bom, eu parei de ter pânico da Educação Física e de não querer mais ir para escola nesses dias. Nunca gostei da disciplina, mas pelo menos parou de ser um problema tão sério para mim.

Contudo, como eu “só” caminhava em torno da quadra esportiva e não fazia as coisas com bola (como era desejável), os professores sempre tinham a “brilhante ideia” de me pedir um trabalho escrito no final de cada bimestre. Eram trabalhos escrito para “compensar” o fato de não jogar bola.

Além disso, ironicamente esses trabalhos eram sempre sobre as regras de algum esporte com bola – vôlei, handball, do basquete etc. Todos esportes que eu não poderia jogar, o que acabava reforçando ainda mais um sentimento de exclusão naquela disciplina. Eu não jogava vôlei, mas tinha que fazer um trabalho escrito sobre suas regras. Qual o objetivo disso? De verdade me pergunto até hoje e não há uma resposta. Falta de sensibilidade e respeito, no mínimo!

Outras disciplinas
Nas demais disciplinas as matérias eram sempre ensinadas no quadro negro. Eu não conseguia copiar, mesmo sentando na 1ª fila. Como eu era muito esforçada e estudiosa, acho que os professores pensavam que não precisavam se preocupar comigo, pois eu “daria um jeito” de acompanhar a matéria ensinada.

E, de fato, era o que eu fazia. Me virava como podia e “dava um jeito”. Pedia caderno dos colegas emprestado para copiar. Levava o caderno para casa, às vezes tirava copia.

Lembro que cheguei na 1ª série já sabendo ler. Então muitas coisas ficaram mais fáceis. Quando a professora colocava no quadro coisas do tipo “ba- be – bi – bo – bu” eu já sabia escrever. Então ouvia o que ela dizia e escrevia. Sempre fui muito atenta em aula, desde criança. Acho que era uma forma de “compensar” o que eu não conseguia ler no quadro.

Quando as séries foram passando, algumas coisas ficaram mais complicado, pois as matérias como matemática, física, química usam muitos gráficos, números, formas geométricas e eram sempre ensinadas no quadro.

Meu pai sempre me deu aulas particulares de matemática em casa, além de química e física. Essas eram as disciplinas mais difíceis para mim. Sempre tive facilidade e gosto especial pelas humanas, como português, história, literatura e redação.

Ao longo de todo o período escolar nenhum professor me trazia impresso em letras grandes o que iria passar no quadro (como seria o ideal). As provas também não eram feitas em fontes ampliadas. Eu tinha uma lupinha de aumento que me ajudava, mas às vezes ainda tinha vergonha de usá-la. Quando criança era muito difícil assumir o fato de que eu realmente tinha uma deficiência visual. Não havia sala de recursos nem qualquer tipo de atendimento especializado para mim. E eu mesma não queria assumir essa condição ou essa posição de alguém que precisa de auxílio ou um atendimento especial.

Por sorte meu pai me “salvou” em todas as matérias da área das exatas. Sempre tinha aula particular com ele. E acho que era com ele que eu aprendia a maior parte das coisas que não conseguia acompanhar no quadro negro. Sua ajuda foi sempre essencial para que eu fosse aprovada nessas disciplinas. Mas não seria papel da escola providenciar esse apoio que eu precisava?

Apesar das dificuldades, nunca rodei e, aliás, tirava notas excelentes sempre. Só peguei recuperação uma vez. Acho que acima de tudo gostava de estudar. Talvez eu soubesse inconscientemente que teria que me esforçar bem mais em casa que os meus colegas.

Eu tinha a mesma capacidade para aprender que os outros, mas na medida em que não acompanhava o que era passado no quadro tinha que redobrar o esforço em casa. Ou seja, acabava tendo que me dedicar mais, despendendo mais tempo e mais esforço, principalmente com as exatas.

Disciplinas da área das humanas
Nas disciplinas humanas sempre ia muito bem. Uma vez ganhei um concurso de redação na escola. Escrevia poesia, contos, crônicas desde criança. Literatura sempre foi minha paixão.

Lá pelos dez anos criei um clube de cartas, em que muitas crianças e adolescentes do Brasil todo se correspondiam. O clube tinha um jornalzinho feito por mim, que era enviado para todos os “sócios”. Nesse jornal, eu colocava curiosidades sobre natureza, animais, ciência, informações sobre as cidades em que havia “sócios” do clube morando, entre outras coisas.

Em minhas correspondências eu trocava papel de carta, figurinhas, cartões postais e cartas propriamente ditas com gente de todo o Brasil O clube chegou a ter mais de 100 participantes, todos se correspondendo entre si. Até hoje guardo com carinho as cartas dos amigos que criei nessa época. Inclusive cheguei a conhecer alguns deles depois pessoalmente.

Encerro esse relato contando sobre o clube de cartas, que foi uma experiência muito positiva que tive durante minha infância e adolescência. Desenvolvi o hábito da escrita, da leitura, a curiosidade por conhecer outros lugares, os costumes e peculiaridades de outros pontos do país. Enfim, foi bem produtivo e emocionante. Cada carta era emocionante.

Enfim, não foram apenas coisas ruins que ocorreram durante meu período na escola. Meu objetivo em dividir essas experiências não é apenas contar as inúmeras dificuldades, mas mostrar como elas poderiamm ser evitadas. Com um mínimo de sensibilidade e bom senso novos alunos não precisariam passar pelos mesmos problemas.