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Sobre calçadas e mentes deterioradas

Degraus e obstáculos inacessíveis, pedras no caminho, sacos de lixo e entulhos nas calçadas, obras mal sinalizadas estão por toda parte. Quando uma pessoa com deficiência visual sai de casa, trabalha, estuda, vai a uma festa, enfim, vive a vida, o primeiro desafio é locomover-se pelas calçadas de Porto Alegre.

As calçadas são a base para o deslocamento de qualquer pessoa. É por elas que nos locomovemos, teoricamente em segurança – o que infelizmente não acontece devido ao seu precário estado de conservação.

Quando digo que as calçadas não vão bem, quero dizer que a base da sociedade não vai nada bem. Não falo apenas nas calçadas propriamente ditas. Falo em barreiras atitudinais. Algo que vai além de obstáculos físicos: a consciência, o respeito e o bom senso.

Se há um carro estacionado no espaço dos pedestres é porque alguém o colocou ali. Parece óbvio dizer isso, mas os objetos e bens materiais não têm vontade e autonomia própria. Se um prédio não tem rampa de acesso é porque seus arquitetos e engenheiros o conceberam assim. Afinal, para que rampas se eles não iriam utilizá-las?

Por trás das calçadas deterioradas, dos prédios, dos elevadores, dos ônibus, dos espaços públicos inacessíveis existem pessoas que os projetaram.

Mais difícil do que lidar com as barreiras arquitetônicas, é lidar com os indivíduos que as conceberam. Mais difícil do que cair um tombo, esfolar o joelho, ralar a mão e torcer o pé, é lidar com as pessoas que estavam lá o tempo todo e não consertaram aquele buraco, deixando com que você caísse e se machucasse.

É triste dizer isso, mas as barreiras físicas são as menos graves com as quais nos deparamos diariamente. Muito mais difícil é lidar com o despreparo e o desconhecimento das pessoas para lidar com qualquer diversidade.

Muitas vezes somos subestimados em nossas capacidades pessoais, profissionais e intelectuais simplesmente por termos uma deficiência física. Não me considero mais ou menos capaz que outros colegas jornalistas somente pelo fato de ter baixa visão. A capacidade, o profissionalismo, o caráter e o desempenho de uma pessoa estão aquém do fato dela ter ou não qualquer deficiência.

Infelizmente isso ainda é algo distante da compreensão das empresas, dos órgãos públicos e da sociedade em geral. O que eu e tantas outras pessoas com deficiência defendemos é simplesmente oportunidades iguais, com as devidas condições de trabalho que necessitamos. Precisamos de oportunidades e espaço para mostrar aquilo que somos capazes de fazer.

Citando frase da publicitária Juliana Carvalho, precisamos “construir rampas na cabeça das pessoas”. Cair e levantar de tombos em calçadas em péssimas condições, espalhadas por toda parte? Nada é tão difícil quanto conviver com o preconceito, a subestimação e os estereótipos alimentados por esses mesmos indivíduos que não consertam suas calçadas, tão pouco reciclam sua mentalidade deteriorada.

São esses os indivíduos – que não arrumam suas calçadas – que no dia a dia não irão enxergar minhas capacidades e potencialidades além da deficiência. É nesse momento que me pergunto: quem tem baixa visão nessa história?

Mais do que consertar calçadas, é preciso reciclar as ideias e a mentalidade humana.

Obstáculos urbanos

A quantidade de obstáculos e espaços inacessíveis que dificultam a locomoção pelas ruas é imensa. Essa semana resolvi sair de casa com a máquina fotográfica para registrar alguns exemplos.
Em uma caminhada de cerca de 15 minutos próximo à minha casa em Porto Alegre já foi possível encontrar inúmeras situações. São obstáculos e barreiras que dificultam ou impedem a livre circulação de pessoas cegas, com baixa visão, com mobilidade reduzida ou cadeirantes.

Na primeira foto, a imagem horizontal de uma calçada com uma das lajes levantada. Duas pedras estão faltando, formando um buraco no piso. À esquerda, a rua asfaltada. À direita uma grade de ferro branca.

A segunda foto, tirada na vertical, mostra um poste de madeira localizado no canto de uma calçada. A uma distância de cerca de três metros dele, um fio de aço na vertical, em paralelo ao poste.

Fios de aço como esse se constituem de uma verdadeira armadilha para deficientes visuais. Já que são muito finos, geralmente a bengala não consegue os identificar. Esse está na vertical, mas em muitos casos esses fios de aço são colocados na diagonal em relação à calçada, representando um perigo maior ainda. A pessoa que não enxerga pode bater as pernas, a barriga ou até a cabeça. No meu caso, que tenho baixa visão, consegui ver o poste de madeira (que é bem grosso), mas o fio de aço é praticamente impossível, pois ele é muito sutil e desaparece na paisagem urbana, já tão poluída por diversos elementos.

Na terceira foto, a imagem horizontal de uma calçada com galhos de árvore e um monte de terra obstruindo parte da passagem. À esquerda, a rua asfaltada. À direita, um muro de pedra, onde os galhos e a terra estão em parte encostados.

A quarta foto, tirada na vertical, mostra um orelhão do lado direito de uma calçada. À esquerda da calçada, uma casa e à direita, a rua.

Os orelhões representam um risco para deficientes visuais por constituírem-se de um obstáculo aéreo, o que impede sua identificação através da bengala. Seria necessário que todos os orelhões tivessem algum tipo de marcação no solo para que a pessoa com deficiência visual pudesse desviar deles sem o risco bater a cabeça.

A quinta imagem, na horizontal, mostra uma calçada com galhos de uma palmeira caídos à direita e o poste que sustenta uma placa à esquerda. Ao fundo está a rua asfaltada e prédios.

PARTICIPE VOCÊ TAMBÉM!!!
Esses foram apenas alguns exemplos de barreiras encontradas corriqueiramente nas ruas da cidade. Se você também transita por espaços inacessíveis, tire uma foto e encaminhe para o TRÊS GOTINHAS com o seu depoimento. Será um prazer publicar a sua foto! Mande também seu nome completo, cidade onde foi tirada a foto e a descrição da imagem. Aguardo sua participação!
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