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Relato de experiência: 6ª Primavera dos Museus em Salvador/BA

Nos dias 25 e 26 de setembro estive participando da 6ª Primavera dos Museus, em Salvador/BA, cujo tema central foi “A Função Social dos Museus”. O evento, promovido pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) e pelo Ministério da Cultura, ocorreu em diversas cidades brasileiras. Fui convidada para apresentar o documentário “Olhares”, dirigido por mim e por Felipe Mianes. O filme trata do aesso à cultura por pessoas com deficiência visual, tanto pessoas cegas quanto com baixa visão.

A apresentação, seguida por um debate com a plateia, ocorreu no Solar Ferrão, centro cultural localizado no Pelourinho. A diversidade da plateia foi o que mais me chamou atenção: desde profissionais já inseridos na questão da acessibilidade – museólogos, arquitetos, professores, historiadores – até alunos de escolas públicas da região e a comunidade em geral. Eis uma apresentação emocionante e, ao mesmo tempo, desafiante, pois tivemos a oportunidade de dialogar sobre acessibilidade cultural com uma plateia bastante heterogênea.

Além de apresentarmos o filme e realizar um debate com a plateia, participamos de outras atividades dentro da vasta programação do evento, como o Fórum de Acessibilidade em Museus. Lá, pude prestigiar o primeiro congestionamento da minha vida entre cadeirantes, pessoas com mobilidade reduzida, deficientes visuais e as demais pessoas para entrar e sair do auditório. Algo incrível e ainda raro em eventos, mesmo com essa temática.

Nessa atividade foram apresentadas soluções práticas para tornar os museus acessíveis a pessoas com diferentes deficiências. Um grupo de jovens com deficiência intelectual da APAE de Salvador falou sobre como é possível, sim, eles frequentarem museus, adquirindo conhecimento através da experiência.

Monitores treinados, que falem devagar, repitam informações relevantes quando necessário e façam associações com o dia a dia dos visitantes podem auxiliar muito na compreensão desse público. Os jovens da APAE sugeriram ainda que os cartazes e legendas explicativos sobre uma obra ou artista tenham frases curtas, textos objetivos e com fonte grande, pois tudo isso facilita sua leitura e compreensão.

Outra coisa que esses jovens com deficiência intelectual ressaltaram bastante é que muitas pessoas têm receio de conversar com eles, de se aproximar, de conversar. Alguns se dirigem a eles de forma infantilizada. Como qualquer ser humano, eles pedem tratamento com respeito, com educação e de forma adulta.

Visitando museus em Salvador

Salvador é uma cidade com uma história cultural riquíssim. São mais de trinta museus na capital baiana. Tive a oportunidade de conhecer o Museu de Arte Moderna da Bahia, que está com a exposição sobre a vida e obra de Jorge Amado. Uma exposição muito rica e que, na primeira quinzena de outubro, contará com visitas guiadas com audiodescrição – recurso que permite o acesso a todo o conteúdo visual do espaço a pessoas com deficiência visual.

A audiodescrição no MAM é realizada pelo grupo Tramad, coordenado pela professora Eliana Franco, com quem pude conversar bastante, da Universidade Federal da Bahia. Uma pessoa incrível, grande profissional da audiodescrição no país.

Outro espaço que me chamou bastante atenção foi o Museu Udo Knoff, localizado no pelourinho. Udo Knoff foi um ceramista alemão, que veio ao brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Lá diversos azulejos, peças em cerâmica e esculturas do artista encontram-se expostos. O local conta com piso tátil, cartazes em braille e fonte ampliada, além de oportunizar que pessoas com deficiência visual toquem as obras.

O próprio Udo Knoff desenvolveu no Brasil diversas oficinas de arte para pessoas com deficiência visual. Esses dois museus são exemplos interessantíssimos de como é possível tornar esses espaços acessíveis a todos os públicos.

Deficientes não consomem McDonalds?

No último final de semana eu e minha irmã viajamos para Buenos Aires. Compramos uma promoção num desses sites de compras coletivas e “simbora!!!”. Ficamos hospedadas no Hostel Colonial, onde fomos muito bem recebidas (recomendo!). O hostel fica bem no centro da cidade, próximo da Avenida Florida, da Galeria Pacifico e do Porto Madero. Nada mal!

Fui tratada muito bem em todos os lugares que visitamos, inclusive nos bares, cafés e restaurantes. A exceção ocorreu no último dia de viagem, quando resolvemos passear pela região dos outlets (para fazer umas comprinhas básicas e aproveitar as promoções, ehehehe). Depois de muito andar e olhar lojas, resolvemos parar no McDonalds para almoçar (quase três da tarde, com muita fome).

Até ai, tudo bem. Nunca fui a maior fã do McDonalds, mas, considerando que não queríamos gastar muito dinheiro nem parar por muito tempo (pois tínhamos que pegar o voo de volta para Porto Alegre depois), era a melhor opção.

Entrando lá, uma funcionária interpelou minha irmã e nossa amiga Cristina (uma pessoa bem querida que conhecemos no hostel) perguntando se elas queriam participar de uma pesquisa. Eles estavam pedindo a opinião dos clientes sobre dois novos sanduíches que seriam lançados. Seria preciso provar dois sanduíches, avaliá-los e escolher o melhor. Os participantes ganhariam o sanduíche escolhido de graça, junto com as batatas fritas e um refrigerante.

Elas disseram que estavam comigo (que aguardava na mesa, cuidando das sacolas pesadas com as nossas comprinhas!) e perguntaram se eu poderia participar também (para que fossemos todas juntas). A funcionária disse que sim, que não havia problema.

Então elas me chamaram e explicaram a proposta da pesquisa. Na hora aceitei participar. E ficamos rindo da situação. Afinal, éramos turistas muito econômicas – que viajam com cupom promocional da Internet, comem no McDonalds para economizar e, ainda por cima, iríamos ganhar o lanche de graça” hehehehe.

Até ai tudo bem. É… Se não fosse o que aconteceu em seguida. Esperamos uns 15 minutos numa fila para participar da tal pesquisa, pois so entravam quatro pessoas de cada vez na salinha para “provar” os dois sanduíches. Esperamos todo esse tempo na fila e, quando finalmente entramos na sala e eu já estava inclusive sentada na mesinha para provar os sanduíches, recebi a “brilhante” informação de que eu não poderia participar porque tinha deficiência visual.
Alegaram que era preciso avaliar os aspectos visuais do sanduíche e da embalagem. Dá para acreditar que não pude participar?

Tiraram então nós três da sala (eu, minha irmã e a Cris). Elas duas porque eram estrangeiras. Eu porque tinha baixa visão e era estrangeira. Que elas eram estrangeiras a funcionária já deveria ter notado quando falou com elas antes. Achei muito estranha essa desculpa. De qualquer forma, fiquei ofendida com o fato de que a deficiência visual era um impeditivo para participar daquela pesquisa de opinião sobre dois sanduíches.

Dá pra acreditar? Eu mesma ainda não acredito!

Eu não poderia participar de uma pesquisa de opinião como consumidora de sanduíches do McDonalds porque tinha deficiência visual? Teria que provar dois sanduíches e escolher o melhor. A minha deficiência não é gustativa, é visual apenas.

Entendo que eles estejam preocupados com a “estética” e aparência do produto, a caixinha, as cores etc. Mas as pessoas não entendem que, mesmo as pessoas cegas e com baixa visão, reparam na aparência das coisas e julgam os produtos que consomem sob sua própria ótica. Ou agora só porque o produto será vendido para um cego deve ser feio e mal apresentado?.

Alias, para avaliar o gosto, o cheiro e a apresentação de um sanduíche e de sua caixinha, acho que eu poderia avaliar tão bem quanto (se não até melhor) uma pessoa que enxergue normalmente.

Lembrei de todas as vezes que já comprei McDonalds desde a minha infância (quando comia aquele McLanche Feliz, que vinha com um brinquedo) até hoje. Quanto dinheiro já gastei com isso? Muito!!! E o que ganho em troca? NADA. Na hora de ser ouvida e considerada como cliente e consumidora sou ignorada.

Tudo bem que o enfoque na pesquisa não sejam as pessoas com deficiência visual, mas esse público faz parte dos consumidores que comem sanduíches e gastam dinheiro com isso (Ou agora vão me dizer que os cegos não comem? Não se alimentam com porcarias do McDonalds como qualquer pessoa?).

Como uma parcela importante da população as pessoas com deficiência precisam ser ouvidas – e se fazer escutar – como consumidoras. Lamentável esse acontecimento. Mas nunca esperei muita coisa do McDonalds em termos de qualidade.

Gostaria que os marketeiros desse estabelecimento reavaliassem suas estratégias preconceituosas de pesquisa de mercado e de propaganda. Tenho certeza que se todos os deficientes (mais de 20% da população) resolvessem fazer um boicote aos seus produtos eles iriam sentir o baque.

Estou falando de uma parcela bem representativa da população. Se não sou considerada como cliente, porque frequentar esse estabelecimento? Vou procurar outros locais em que a minha opinião seja valorizada.

Esse foi um percalço lastimável no final de minha viagem, mas o passeio em si em Buenos Aires foi fantástico. E é isso que importa. Se eu não comer mais MdDonalds durante toda minha vida minha saúde agradece. E estarei preparada para fazer mais e mais viagens, tendo uma saúde melhor e sempre uma bela disposição.

Que venham as próximas viagens! Qual será o próximo destino? Só espero não me deparar com novas pesquisas que eu não possa participar…

Cotas: o atestado do fracasso

Ao dizer que alunos de escolas publicas precisam de cotas para entrar na universidade, o Estado está atestando o fracasso dessas escolas e, consequentemente, de seus alunos.

Mediante a constatação da precariedade das escolas públicas no Brasil e os baixos índices de aprovação no vestibular, o que os governos fazem? Ao invés de aperfeiçoá-las – investir em sua qualidade, no aprimoramento dos professores e de suas condições de trabalho, na boa estrutura dos estabelecimentos -, criam cotas como forma de encobrir e remediar o problema lá adiante – no Ensino Superior -, sem combater sua causa, que é a calamidade no ensino desde a Educação Infantil.

Em bom português, as cotas servem para “tapar o sol com a peneira”: colocam na marra os estudantes na universidade independentemente da qualidade do ensino que receberam durante toda sua formação desde crianças.

Ao dizer que o aluno de escola pública, negro, índio ou com deficiência precisa de cotas para concorrer a vagas públicas – abertas por vestibular as quais, portanto, qualquer cidadão pode candidatar-se -, estamos admitindo que essas “minorias” são incapazes de concorrer com os demais.

As provas que os candidatos enquadrados em cotas realizam são as mesmas, mas se a concorrência é menor. Para entrar em um curso de Medicina, por exemplo, se ao invés de concorrer com 50 candidatos o aluno concorrer com apenas três convenhamos que se trata de uma diferença gritante.

Assumir que esses segmentos precisam de um “empurrãozinho” para entrar na universidade é entregar-lhes um atestado de incompetência e fracasso.  Tal distinção me parece mais preconceituosa e discriminatória do que benéfica aos próprios estudantes supostamente beneficiados – e que se tornam vitimas do descaso do governo com sua educação.

 

Sobre as cotas para deficientes

Pensando especificamente nas cotas para deficientes – seja em universidades, no mercado de trabalho ou em concursos públicos -, me intriga ver que ainda há pessoas que defendem esse sistema.

Em meu ver tais cotas reforçam uma imagem negativa e pejorativa da pessoa com deficiência como alguém inferiorizado ou diminuído na sociedade.

Trago o exemplo de um cadeirante, que não tem mobilidade nas pernas para ilustrar a situação. Esse individuo apresenta condições intelectuais perfeitas, bem como de raciocínio e de aprendizagem. Em uma prova ou concurso, ele pode se sair melhor ou pior em determinadas matérias – como qualquer estudante.

Fazê-lo disputar uma prova em regime de cotas nada mais é do que uma concessão, uma brecha da lei que facilita sua aprovação no concurso. Mas será que o deficiente deseja uma concessão? Será que ele quer uma “brechinha”, uma “ajudinha”, uma facilidade mediante cotas para estar inserido socialmente?

A pessoa com deficiência, em geral, já é estigmatizada e sofre preconceitos de toda ordem. Entrar em alguma instituição através de cotas contribui para reforçar o preconceito e a exclusão. O que ela precisa é ser percebida em sua plenitude de condições e capacidades.

Se ao invés do cadeirante, houvesse outra pessoa mais capacitada para a vaga, será justo que o deficiente – devido ao seu problema especificamente motor – passe na frente?

Quando começamos a inverter a lógica do mérito, do esforço e do desempenho pessoal e colocar as cotas em primeiro plano, estamos corrompendo o sentido de justiça e igualdade em qualquer concurso ou seleção pública – que seria, justamente, a de dar direitos iguais a todos e selecionar, por ordem de classificação, os mais preparados.

Não ter movimento nas pernas, até onde eu sei, não é sinônimo de mais ou menos Inteligência. O problema é que o preconceito e desconhecimento das pessoas são tão absurdos que, infelizmente, muitas ainda pensam que pelo fato de alguém não caminhar, não enxergar ou não escutar significa que essa pessoa seja menos capaz que os demais. Alguém já parou para perceber todas as inúmeras potencialidades e capacidades das pessoas com deficiência?

Assim como os ditos “normais” (sem deficiência) têm seus pontos fortes e fracos, características pessoais, dificuldades seja de relacionamento ou de aproveitamento de alguma disciplina, as pessoas com deficiência são, antes de tudo, humanas, e passam pelas mesmas situações em suas vidas.

O problema é que, além da dificuldade física (que em si geralmente é o fato menos grave em sua vida, pois ela já sabe como conviver com isso), a pessoa precisa deparar-se com situações de ignorância e preconceitos da sociedade (esses sim, lastimáveis e os mais difíceis de serem contornados).

Um cadeirante, um cego ou um surdo não precisa ser menos exigido e sofrer menos concorrência que os demais alunos. Colocá-lo em tal situação é um desfavor, uma humilhação. É reduzir seus talentos, impedir-lhe de ser uma pessoa autônoma e capaz como as outras, é rotulá-la como inferior.

Aliás, nenhum deficiente quer que a sociedade sinta pena ou compaixão. Todos querem apenas ter seu valor reconhecido. Ao enquadrarmos alguém em cotas estamos, em outras palavras, lhe dizendo: “não acredito em você”, “você não tem potencial, mas vou admitir sua presença aqui, vou lhe dar uma forcinha”.

Se um cego tiver ao longo de toda sua vida escolar as condições que precisa para aprender, não há necessidade alguma de concorrer no vestibular com cotas, pois sua deficiência é visual e não intelectual. O mesmo vale para surdos, pessoas com baixa visão, cadeirantes etc. Defendo o acesso e as condições adequadas de estudo, acesso ao conhecimento, à cultura e ao material didático por todos – em todos os níveis de escolarização, não apenas no Ensino Superior.

A verdadeira inclusão passa por condições de acessibilidade em todos os ambientes, desde a escola básica, passando pela adequação urbana e arquitetônica e, principalmente – acima de tudo – a eliminação do preconceito da mente das pessoas.

Tratar a pessoa com deficiência com respeito e igualdade vale mais do que qualquer cota.

Precisamos, mais uma vez, chegar na origem da questão: quebrar o paradigma de que deficiência é sinônimo de incapacidade. Muitas e muitas pessoas com deficiência estão ai para comprovar isso.

Antes de beneficiar o próprio deficiente, creio que as cotas vem a sustentar interesses de partidos e políticos que passam a se vangloriar e auto-promover através da suposta “inclusão”. Isso sem nenhuma preocupação com as condições de ensino e se, de fato, essa inclusão está acontecendo, se o aluno tem suas necessidades atendidas, se ele sente-se incluído no ambiente escolar, se ele consegue – mais do que ingressar no curso- concluí-lo satisfatoriamente. Questões como essa jamais chegam a ser discutidas.

É fácil mascarar um problema grave do país – a falência das instituições de ensino – com cotas e as ditas “medidas afirmativas”. Mas no momento de viabilizar livros em braille, intérpretes de libras, acessibilidade a todas as escolas, material didático adaptado, professores bem preparados para trabalhar com alunos com e sem deficiência desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, o governo se esquiva e recorre às cotas.

Cotas são o atestado do fracasso da educação básica. Infelizmente a única coisa que o governo consegue fazer pela educação no país é implementar cotas no Ensino Superior – “tapando o sol com a peneira”. Querer resolver o problema lá na ponta, sem combater sua origem, é, no mínimo, incompetência.

Não investindo na formação de nossas crianças, cada vez mais são necessárias cotas para nossos adultos (mau formados, mau preparados e fruto desse desleixo do governo com a educação). Onde isso vai parar?

Adivinhação

Vamos ver se você acerta essa!
Uma pessoa que não se importa se você é alto ou baixo; negro, branco ou mulato; gordo ou magro; loiro, moreno, careca… Alguém que não se interessa se a sua roupa está na moda ou não; se você usa um tênis de marca ou um chinelo de dedo. Alguém que não enxerga você pelo que você tem ou aparenta ter, mas pela pessoa que você é.

Alguém interessado em te conhecer, em entender teus valores, crenças e opiniões. Alguém que não te julga com um olhar superficial, mas desenvolve relações com sentimento e grandeza. Alguém que não te avalia em um minuto de convivência, mas através de uma conversa e da construção de uma convivência.

Alguém que não vê o que todos veem. Alguém que vê além do óbvio e banal, além do trivial e ingênuo. Uma pessoa que vê além do exterior. Alguém que não vê obstáculos físicos, mas é capaz de atingir o infinito.

Uma pessoa que vê o que ninguém mais vê.

Essa pessoa existe?

Sim. Cegos e deficientes visuais comprovam isso ao mundo. Se você pensou que essa pessoa não existia, tente – ao menos uma vez – enxergar a vida da forma como os cegos enxergam e verás que ela pode ser bem diferente.