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O preconceito velado no mercado de trabalho

A leitora Carlise Kronbauer enviou ao Três Gotinhas um depoimento sobre sua percepção quanto ao mercado de trabalho para pessoas com deficiência. Carlise é graduada em História e está concluindo Pós-Graduação em Pedagogia Empresarial e Educação Corporativa. Vale a pena conferir o texto dela!

“Observo todos os dias as vagas de trabalho reservadas a pessoas com deficiência nos sites da internet e, devido minha indignação, resolvi escrever. As empresas tem a visão que as pessoas com deficiência só podem trabalhar como auxiliar disso ou aquilo, não podendo ser analista, coordenador, gestor etc… Acompanho há meses a disponibilização de vagas de muitas empresas recrutadoras e as ofertas são sempre as mesmas – não condizentes com as pessoas com graduação ou qualificação mais avançada.

Acredito que nós, pessoas com deficiência, merecemos um trabalho mais digno do que as vagas ofertadas. Atualmente, estamos nos capacitando e qualificando para atingir níveis mais elevados de cargos. Muitos cegos, como eu, já possuem graduação e pós-graduação completa. Considero uma ofensa a oferta constante de cargos com salários miseráveis, que na conjuntura atual não conseguem suprir nossas necessidades básicas.

Dessa forma, gostaria que as empresas viabilizassem empregos condizentes com a formação do candidato e com realidade do mercado. É frequente as empresas recrutadoras culparem as próprias pessoas com deficiência por falta de qualificação, mas elas estão desinformadas sobre o currículo de muitos cegos por exemplo. É preciso que a visão das empresas se amplie para que possamos realmente vivenciar a inclusão, pois o mercado mudou. Estamos mais qualificados e competitivos do que no passado.

Enfim, desejamos um trabalho digno igual ao das pessoas sem deficiência. Os maiores cegos são aqueles que não enxergam que temos capacidade para atingir horizontes mais altos!”

(Carlise Kronbauer)

Caso você tenha alguma experiência para compartilhar com outros leitores, faça como a Carlise, envie pra mim: mariana.baierle@uol.com.br. Terei o maior prazer em publicar! Abraço a todos

“As pessoas pensam que eu não posso exercer o jornalismo plenamente por ter baixa visão”, diz apresentadora da TVE

Por: Nathália Carvalho

O dia acaba. Já é quase noite e, neste momento, encerra o expediente da maioria dos brasileiros. Na contramão, este era o horário em que a jornalista Mariana Baierle se preparava, em 2007, para enfrentar o caminho até a redação do Correio do Povo, em Porto Alegre. Com pouca luz e muitos obstáculos, o trajeto tratava-se de um desafio. “Tenho cerca de 10% de visão. Para ir até o trabalho já estava anoitecendo – ou era noite fechada no inverno. Tive muitas dificuldades, pois não estava preparada para andar pelas ruas de noite com segurança”.

Era o primeiro emprego de Mariana – em redação e noturno. À época, ela ainda não usava bengala e tinha objeção para assumir a deficiência. Foram alguns tombos e machucados, até que ela percebeu que as coisas precisavam mudar. E mudaram. A jornalista, que hoje comanda e apresenta um quadro sobre acessibilidade na TVE, reaprendeu a andar e a lidar com o preconceito das pessoas e do mercado de trabalho. “Fico muito chateada quando me deparo com pessoas que pensam que não posso exercer o jornalismo plenamente por ter baixa visão”, diz.

Não foi nada fácil. Mariana conta que, no começo, a maior resistência era dela, pois tinha vergonha de tirar a bengala da bolsa. “Não queria que as pessoas me vissem usando aquele instrumento e viessem me perguntar sobre isso. Para completar, escutava muitos comentários preconceituosos e desagradáveis feitos nas ruas e nos ônibus por pessoas desconhecidas, como por exemplo: ‘É ceguinha, mas é tão bonita!’, ‘Você é tão nova e já é deficiente?’, ‘Que lindos olhos, nem parece que não funcionam’, entre uma infinidade de coisas”, conta.

Formada pela PUC-RS e mestre em Letras pela UFRGS, Mariana não encontrou preconceito somente na rua. Conseguir uma vaga na área representava, para o mercado, apenas cumprir cotas, independentemente da capacidade e formação. “Mesmo formada, com graduação, mestrado e experiência, as empresas me ofereciam vagas de auxiliar de escritório, telefonista ou operadora de telemarketing – cargos que exigiam apenas o nível médio (ou nem isso)”. Segundo ela, ainda há pessoas que acreditam que ela não pode trabalhar na área como os outros profissionais. “Posso não enxergar os detalhes de algumas coisas (da forma como outras pessoas veem), em compensação, tenho maior sensibilidade para sentir o ambiente, avaliar situações e compreender o que está acontecendo”.

Na época do vestibular, a apresentadora fazia parte do pequeno grupo que já sabia o que queria estudar: Jornalismo e Letras. Foi exatamente nessa ordem que ela realizou os dois sonhos. “Entrei em Comunicação pensando em seguir na área de texto, seja em jornal impresso, online, revista ou produção de conteúdos diversos”. Em Porto Alegre, Mariana fez estágio em jornais de bairro, ocasião em que aprendeu a fazer reportagens, entrevistas e resgates históricos sobre a cidade. A jornalista também passou pela Comunicação e Marketing da Copesul, o que trouxe experiência empresarial. A oportunidade na TVE, onde está atualmente, significa conquista após tanto tempo recebendo propostas para funções fora do Jornalismo. “Surgiu um concurso emergencial para a emissora, o qual eu fiz e posso dizer, com orgulho, que fui aprovada na classificação geral, independentemente das cotas”.

Desde setembro passado, Mariana é repórter da emissora e apresenta o quadro dento do programa ‘Cidadania’, comandado por Lena Ruduit. “Acho que se as pessoas com deficiência tivessem as condições adequadas para se desenvolver, desde a educação básica até o mercado de trabalho, o fato de ocuparem diversos espaços e tipos de emprego não seria tão espetacular – seria visto com maior naturalidade. Quero que um dia eu e as pessoas com deficiência sejam reconhecidas primeiro pelo talento e capacidade, e depois pela deficiência. Esse ainda é um sonho distante”.

Para a jornalista, a presença de pessoa com deficiência no mercado de trabalho e no ambiente corporativo ensina os demais a lidar com a diferença. “Minha experiência no mercado mostra que, no início, as pessoas têm muita resistência e desconhecimento quanto ao potencial das pessoas com deficiência. Depois de um tempo, felizmente essa ‘barreira’ e o distanciamento podem ser quebrados”, diz. No Jornalismo, falar sobre o trabalho da fotógrafa americana Amy Hildenbrand foi a reportagem mais marcante de Mariana. Ela conta que a artista também tem baixa visão, aproximadamente 20%, e tirou mil fotos em mil dias, registrando momentos cotidianos e sua forma de perceber o mundo. A matéria foi exibida no ano passado nos programas ‘Estação Cultura’ e ‘Cidadania’.

Fonte:
http://portal.comunique-se.com.br/index.php/editorias/3-imprensa-a-comunicacao-/71192-as-pessoas-pensam-que-eu-nao-posso-exercer-o-jornalismo-plenamente-por-ter-baixa-visao-diz-apresentadora-da-tve.html

Funcionários com deficiência em cargos de liderança

Contrariando o estilo de reportagem que estou acostumada a encontrar na mídia sobre mercado de trabalho para pessoas com deficiência, a revista Você S/A (outubro/2012) publicou uma excelente reportagem mostrando os funcionários com deficiência que ocupam cargos de chefia e liderança em empresas de diferentes setores. Confira a matéria “Gestão inclusiva”.

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A difícil busca por um emprego

Alguém já viu um anúncio de jornal procurando um jornalista ou professor com deficiência? Se encontrarem, por favor me avisem! Ou um anúncio procurando um advogado, um medico, um arquiteto com deficiência? Infelizmente, não há oferta de vagas para pessoas com deficiência com curso superior. É como se a pessoa com deficiência não pudesse estudar e ter uma boa formação.

Mas vagas como auxiliar de cozinha, auxiliar administrativo, serviços gerais, recepcionista, telemarketing, vendedor, entre outras, surgem aos montes. Não que não devam existir essas vagas – é ótimo que existam! O problema é que existam somente essas vagas.

Eu, que tenho minhas ressalvas quanto ao sistema de cotas em sua essência (como já comentei em postagens anteriores), estou nesse momento me deparando com as dificuldades e armadilhas na busca por um emprego tendo deficiência visual.

Desde o final do ano passado, com o fim do mestrado se aproximando, comecei a enviar currículo e a me cadastrar em algumas agências de emprego focadas na contratação de pessoas com deficiência.

Sou formada em Jornalismo pela PUCRS e tenho Mestrado em Letras pela UFRGS. Tenho deficiência visual parcial (baixa visão) – o que me traz algumas dificuldades -, mas que não me impediu até hoje de trabalhar, de estudar e de buscar o meu espaço.

Com a Lei de Cotas, as empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas a destinar entre 2 e 5% de suas vagas para pessoas com deficiência (PCDs), além de investir em tecnologia e adaptações para o ambiente de trabalho. Os concursos públicos também destinam 5% de suas vagas para pessoas com deficiência.

É uma pena, mas as leis brasileiras chegam a ser hilárias. São muito bonitas e interessantes na teoria. Contudo, muito difíceis de serem cumpridas na prática.

Já ouvi muitos empresários comentarem sobre a dificuldade do preenchimento dessas cotas por falta de pessoas qualificadas. Antes de começar a procurar emprego, pensei – erroneamente – que, diante desse cenário, não seria tão difícil encontrar uma vaga.

Fui surpreendida, entretanto, com a realidade que se apresentou diante de mim (e que eu já observara anteriormente nos classificados de jornais). Há vagas para pessoas com deficiência, sim. Há inúmeras vagas. A maioria delas, porém, para pessoas com Ensino Fundamental completo (ou incompleto), uma pequena parte para pessoas com Ensino Médio e nenhuma parcela para pessoas com Ensino Superior ou pós-graduação. A busca por um emprego na minha área de formação já dura quase cinco meses.

AS AGÊNCIAS DE EMPREGO

As agências de emprego foram unânimes ao me dizer: “Você tem um excelente currículo, és muito bem preparada, mas não temos vaga na tua área”. Todas me ofereciam vagas como auxiliar administrativo, telemarketing ou outros cargos.

Não teria problema nenhum em assumir uma vaga em qualquer outra função. Contudo, tenho experiência na área de Jornalismo, estudei e me preparei durante muito tempo para isso. Não estou iniciando na profissão agora.

Creio que tenho um potencial enorme para ser explorado na minha área de conhecimento, a qual – sinceramente – é a única em que me sinto segura e preparada para atuar. Para falar a verdade, é a profissão que escolhi por realmente me identificar com ela, é onde me imagino feliz e realizada profissionalmente e como pessoa.

Uma das agências chegou a me dizer que, por eu ter um ótimo currículo, tentaria fazer a “inclusão ao contrário”. Eu, perplexa, pensei: “Que bicho é esse?”. E o psicólogo que me entrevistou disse que eles iriam oferecer meu perfil para as empresas na tentativa delas me “encaixarem” no quadro funcional. Ou seja, o pessoal da agência tentaria “criar” uma vaga para mim – uma vaga que não existe –,exclusivamente pelo fato de eu ser uma PCD com boa qualificação.

Fiquei incrédula com a situação – acho que, principalmente, por eu não me sentir confortável em “usufruir” desse sistema de cotas. Sistema com o qual não concordo, mas, ao mesmo tempo, não tenho outra alternativa senão conviver com ele e com as armadilhas inerentes à essa Lei de Cotas.

Como assim “criar” uma vaga para mim? Isso não faz sentido. Se não está aberta é porque a empresa não tem demanda por esse profissional. Ou seja, não há necessidade de uma jornalista ou assessora de comunicação. Por que insistir?

Se estamos buscando a igualdade de condições e de oportunidades (será que é isso mesmo?), a criação de uma vaga artificialmente específica para mim (ou para qualquer pessoa) – mesmo que bem preparada – não é razoável.

AS OFERTAS DAS EMPRESAS

Além das agências de emprego, perdi as contas do número de empresas que me chamaram para uma entrevista pessoalmente apenas para me “conhecer” e “fazer meu perfil” por eu ser PCD. De modo geral, todas disseram que eu era bem qualificada, tinha experiência e tal, mas que não tinham vaga na minha área.

Todas me ofereceram cargos de auxiliar administrativo – tanto a vaga quanto o salário incompatíveis com as minhas expectativas. Fico pensando: Por que me chamaram se não havia a vaga? Por que me chamaram se eu especifiquei no currículo a minha área de interesse? Não seria isso uma perda de tempo (tanto para a empresa quanto para mim)?

Como qualquer pessoa, eu criei uma expectativa para cada uma dessas entrevistas. Entretanto, fui desapontada em todas. Foram consecutivas entrevistas frustrantes, pois em nenhuma havia uma vaga na minha área – eram sequer vagas para pessoa com curso superior.

Como eu recusei as vagas de nível médio, alguns de meus entrevistadores ainda tiveram a coragem (e a cara de pau) de me perguntar se eu não conhecia algum outro PCD que se interessasse por aquelas vagas.

O ESTEREÓTIPO

Eis uma tentativa desesperada das empresas na busca para o cumprimento da Lei de Cotas – lei que impõe inclusive multa às empresas que não a cumprem. Dessa forma, as pessoas passam a ser classificadas apenas como PCDs ou não-PCDs. Se forem, PCDs, há uma lista de vagas preestabelecidas que esses indivíduos podem desempenhar.

A Lei de Cotas que, teoricamente, deveria me beneficiar. Na prática, não sei se é isso que está acontecendo.

Procurar emprego é uma situação tensa para qualquer pessoa. No meu caso, tem sido ainda mais estressante por ter de lidar com esses absurdos e distorções do real objetivo desse sistema de cotas.

As empresas parecem sequer ter lido meu currículo com atenção. Parecem ler apenas a parte em que digo que tenho deficiência visual e nada mais. E o resto do currículo, de nada importa?

Parecem apenas interessadas em “encaixar” o PCD em vagas-padrão, preestabelecidas. Ou seja, o maior dos preconceitos que qualquer pessoa com deficiência pode sofrer é esse pelo qual estou passando atualmente: ser julgada previamente como incompetente ou incapaz de galgar postos mais altos.

Tal configuração do mercado ajuda a reforçar um estereótipo de que o deficiente não pode se desenvolver, vencer na vida, batalhar e ter uma graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado – enfim, rumo ao infinito, dentro de suas capacidades.

Entendo que, até pouco tempo atrás, as empresas não contratavam PCDs e que o simples fato de estarem contratando agora – mesmo que ainda somente para funções pouco qualificadas – já seja um avanço. Percebo os reais benefícios que a Lei de Cotas promove, mas creio que ainda é pouco. Estamos diante de um sistema que não entende o deficiente em suas qualificações, especificidades e características, seja como pessoa, seja como profissional.

Onde estão os empregos para jornalista, mestre em Letras, com deficiência? Ah, desculpe, emprego para deficiente só até o nível médio…