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Obrigada Joel!

Na maioria das vezes utilizo o espaço do Três Gotinhas para dar visibilidade a problemas que enfrento no dia a dia, para questionar comportamentos e atitudes das pessoas, para publicar relatos dos leitores ou simplesmente apontar dificuldades ou ausência de acessibilidade pela cidade. Dessa vez, porém, quero usar esse espaço para fazer um elogio e registrar uma atitude que me surpreendeu positivamente.

Na última sexta-feira (25) peguei a linha T1 na avenida Ipiranga um pouco antes das 20h. Como já estava praticamente noite (apesar do horário de verão), pedi ao motorista que me avisasse quando chegasse na parada do Zaffari, onde iria descer. Estava apreensiva por estar quase escuro, pois talvez não conseguisse reconhecer a parada e por eu não estar acostumada a fazer aquele trajeto a noite, quando minha visão piora consideravelmente.

Mas o motorista tinha sido bastante receptivo comigo, bem simpático e disse que iria me avisar. Fiquei tranquila então. Contudo o ônibus foi andando, o tempo passando e algo estava estranho, pois pelos meus cálculos a parada já deveria ter chegado. Então resolvi perguntar: “Falta muito para a parada do Zaffari?”. E o motorista responde constrangido: “Nossa, esqueci de ti… Estamos quase no Bourbon. Confundi os dois, achei que você queria descer lá…”

Fiquei imensamente braba. Olhei pela janela. Já era noite fechada. Eu estava no meio da avenida Ipiranga, muitas paradas adiante de onde deveria ter descido. Iria ter que descer em um local que não estou acostumada, atravessar a avenida (muito movimentada) e pegar o ônibus novamente no sentido inverso (após encontrar a parada do outro lado da rua, que também não seria tarefa fácil). Ou então teria que pegar um taxi. Mas não sabia onde encontrar um ponto de taxi naquele lugar. Fiquei com muita raiva daquele motorista.

Para quem não tem deficiência visual talvez seja difícil entender o quanto é grave e até perigoso – descermos em um local que não estamos habituados. Talvez seja difícil compreender a dificuldade de um trajeto novo e em um ambiente estranho. Não que eu não estivesse orientada geograficamente, pois estava na mesma rua, só algumas paradas depois. Mas não conhecia aquelas calçadas, aquelas sinaleiras, os buracos e irregularidades que encontraria por lá. Quem não vivencia essas dificuldades pode pensar que descer em uma parada de ônibus diferente seja algo trivial e banal, mas para quem tem baixa visão é realmente muito complicado.

Já estava me preparando emocionalmente para enfrentar aquela situação. Iria descer do ônibus assim que ele parasse novamente e torcer para que encontrasse alguém disposto a me ajudar a chegar ate a parada do outro lado da rua. Foi quando o motorista me surpreendeu. Ele não esperou sequer chegarmos até a próxima parada. Estacionou o ônibus, me deu o braço e disse que iria fazer uma baldeação comigo, que iria me levar até a parada do T1 no sentido inverso para eu voltar.

Eu simplesmente não acreditei no que estava acontecendo. O ônibus estava lotado. “Você pode fazer isso e deixar todos os passageiros esperando? O que eles vão dizer? Irão reclamar com o senhor.”, questionei. Ele disse que tinha esquecido de me avisar da parada e que o mínimo que poderia fazer por mim era isso. Disse que iria comigo até la sem nenhum problema e que o ônibus ficaria parado esperando. E de fato foi o que aconteceu.

Para quem não conhece Porto Alegre, a avenida Ipiranga tem um arroio no meio, é uma avenida larga e bem movimentada. Tivemos que caminhar até uma ponte para atravessar e depois caminhamos mais até uma parada, onde ele me deixou com uma outra pessoa que iria pegar a mesma linha. Ele disse que tinha estacionado o ônibus em um local seguro e avisado a cobradora, ou seja, os passageiros iriam esperar.

Na verdade fiquei meio constrangida em estar fazendo outras pessoas esperarem. Pessoas que também tem seus compromissos e também tem pressa para chegar em casa. Mas confesso que diante daquele incidente fiquei muito aliviada. Agradeci imensamente o motorista, inclusive comentei com ele o quanto era difícil fazermos caminhos desconhecidos e por isso sua ajuda era fundamental.

O nome dele era Joel, mas o nome profissional é “Martin” ou “Martins” (fiquei na dúvida). Ele errou ao não me avisar da parada, mas contornou a situação da melhor forma possível. Fico até agora emocionada ao lembrar essa atitude. Por isso gostaria de compartilhar minha satisfação por conhecer um ser humano como ele. Certamente ele não sabia que tenho maior dificuldade de noite do que de dia para transitar pela cidade e ainda assim me ofereceu uma grande ajuda na tentativa de reparar seu engano. E interessante é que ele fez isso por mim, uma pessoa que ele sequer conhecia, mas teve consideração e respeito – assim como deveríamos ter por todos.

Não tenho o contato dele, mas ficaria muito feliz se ele pudesse ler esse texto e saber o quanto fiquei emocionada com sua atitude. Tomara que o exemplo de seu Joel se multiplique mundo afora.