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Dica de leitura: A sútil arte de ligar o foda-se (Mark Manson)

Confesso que sempre tive um certo preconceito com livros de autoajuda e que nunca procurei esse tipo de literatura. Entretanto, ouvi falar bem deste livro por pessoas diferentes e em diferentes contextos. Resolvi dar uma chance. Admito que iniciei a leitura sem nenhuma expectativa positiva em relação ao mesmo, mas pensando que até para não gostar de algo eu precisava conhecer. Li o livro e me surpreendi positivamente. Muitos aspectos trazidos na obra fizeram bastante sentido para mim e foram ao encontro de situações e dilemas enfrentados no meu atual momento. O próprio título do livro me fazia imaginar que fosse um emaranhado de besteiras e uma leitura meramente divertida, mas o conteúdo é profundo e analítico, trazendo reflexões psicológicas importantes e diversos exemplos práticos de situações cotidianas enfrentadas pelo autor e que vão ao encontro de situações corriqueiras vivenciadas por qualquer pessoa. Temas pertinentes e muitas conclusões ou caminhos que já havia encontrado a partir de consultas na minha terapia foram evidenciados na obra.

Mark Manson conceitua a vida como tudo aquilo que fizermos no curto intervalo entre o momento presente e o dia de nossa morte. Não há nada na vida tão certo como a morte. E justamente por isso é que devemos fazer escolhas sobre com quais problemas queremos conviver, com quais fardos queremos acordar e ir dormir, quais estresses queremos ter em nossas mentes. Simplesmente se valorizarmos todos os aspectos negativos e deixarmos que qualquer coisa ruim torne-se um problema presente para nós, não sobrará tempo para as coisas boas e para as alegrias.

É nesse sentido que o autor defende o aprendizado interno sobre a sútil arte de ligar o foda-se. Se decidimos que a busca pela felicidade amorosa ou o emprego dos sonhos são desafios que valem a pena para nós, teremos que ao mesmo tempo escolher quais serão os temas pelos quais ligaremos o foda-se. Será que se estressar com o colega que não te respondeu ao bom dia valerá a pena? Será que ficar horas reclamando do trânsito valerá a pena? Será que brigar com seu marido porque comprou uma banana muito verde ou deixou a pasta de dente aberta valerá a pena? Será que ficar indignado com a moça do caixa que te deu 30 centavos a menos de troco valerá a pena? Será que estragar todo o seu dia porque alguém cortou a sua frente no trânsito valerá a pena?

O título mostra ao leitor que é seu livre arbítrio escolher os sofrimentos e preocupações pelos quais irá passar, as batalhas que irá comprar, os dilemas que valerão a pena ser enfrentados. Os problemas fazem parte da vida e é preciso saber viver com eles. Tudo depende do tamanho e da dimensão que atribuímos a eles. A vida é uma eterna escolha de quais problemas queremos problematizar e quais preferimos ligar o foda-se. Se passarmos a valorizar todas as adversidades, simplesmente não conseguiremos tempo e energias para vivenciar os momentos felizes.

Feita a escolha sobre o que é importante para você, ainda assim, essas metas ou objetivos virão carregados de dificuldades, transtornos e adversidades. A busca pela felicidade na vida amorosa, por exemplo, traz uma árdua trajetória até o encontro de seu “par perfeito”. Será necessário estar disposto a jogar o jogo do amor, em situações que ora são prazerosas, ora são fruto de angústia e insegurança. Será necessário sair com pessoas diferentes, conhecer as características que o agradam e que não o agradam em alguém, marcar encontro, ir ao encontro da pessoa, um dia levar o bolo, outro dia dar o bolo, esperar o telefonema que não chega, ligar para a pessoa, se expor, investir na relação, cultivar a confiança do outro. E tudo isso correndo o risco de dar errado. Passar por essa infinidade de situações e conflitos em busca da dita felicidade e do encontro da sonhada “pessoa certa” é um risco que poderá dar certo ou poderá levar à frustração. Supondo que toda sua busca tenha sido um sucesso e você finalmente está ao lado de quem você ama, agora os problemas recém começaram. A partir desse momento você enfrentará os desafios de vivenciar o relacionamento, a convivência diária, as discordâncias, as diferentes visões de mundo, as implicâncias com pequenas coisas etc.

O mesmo vale para a busca do emprego dos sonhos. Você precisa estar disposto a distribuir currículos, fazer contatos, participar de processos seletivos muitas vezes desgastantes, ter a formação certa que o torne competitivo na sua área de formação. Vai precisar ir a diversas entrevistas, responder perguntas, apresentar-se, vender sua imagem pessoal e convencer os demais de que a vaga deve ser sua. Inevitavelmente irá criar expectativas, algumas poderão dar certo, outras não. Terá que falar mais de um idioma, caso contrário seu currículo já estará para trás dos demais. Terá que ter uma infinidade de experiências prévias e cursos específicos para que alguém o julgue capaz de ocupar determinadas posições. Enfim, tudo isso para, com muita sorte, um dia você alcançar a tão sonhada vaga dos seus sonhos. E quando isso ocorrer, novos problemas e desafios invariavelmente estarão diante de você: manter seu emprego, mostrar-se capaz, ter um bom relacionamento interpessoal, apresentar resultados satisfatórios, ter um bom jogo de cintura com os colegas, bom entrosamento no ambiente profissional etc.

Um problema aparentemente está resolvido e uma infinidade de outros automaticamente estão diante de você para serem enfrentados na sequencia, fazendo parte da cadência natural da vida. O jogo entre momentos felizes e a constância de problemas fazem parte da existência e da condição humana. Não temos como escapar dessa realidade, mas temos como aprender a lidar melhor com ela. O primeiro passo é aceitar que problemas são parte da vida e que não somos obrigados a estar sempre felizes e radiantes de satisfação. A felicidade ininterrupta não é verdadeira, só traz momentos de euforia e pouca realização. A busca obsessiva pela felicidade só traz infelicidade. A incessante busca pelo sucesso só traz insucesso. A plenitude de coisas boas é utópica e não há nada de errado com isso.

Compreender nossos limites é entender que eventualmente estaremos tristes ou passando por dificuldades e que isso faz parte. Fracassos e coisas ruins são inerentes ao que chamamos de vida. Dificuldades nos fazem crescer, nos trazem propósitos. Se tivéssemos tudo de forma fácil, o sentido da própria existência estaria acabado. O que estaríamos fazendo aqui? Os problemas e adversidades acabam tornando-se a mola propulsora do nosso desenvolvimento.

O autor nos instiga a termos autoconsciência sobre os próprios valores, bem como a termos clareza e discernimento sobre o que julgamos certo ou errado. Quanto mais a fundo formos no sentido de desbravar as camadas da autoconsciência, maior capacidade teremos de modificar e questionar nossas próprias crenças e valores. Qualquer mudança nesse sentido não é tarefa fácil, mas trata-se de um dos grandes pilares de nosso desenvolvimento.

A diferença entre culpa e responsabilidade é outro ponto bastante esclarecedor trazido na obra. Uma criança pode ser deixada abandonada na porta de sua casa e isso não é culpa sua. Mas é, sim, responsabilidade sua o que você fará com a criança. Você poderá ignorá-la e deixá-la na rua, abriga-la até que a situação se resolva, tentar adotá-la, chamar as autoridades, ligar para o Conselho Tutelar, enfim, uma infinidade de possibilidades. O fato é que coisas ruins acontecem o tempo todo e na maioria das vezes podem não ser culpa nossa. Mas é nossa responsabilidade lidar com elas. Em outra situação, como na busca por um emprego, pode não ser culpa o fato da pessoa ter uma origem humilde e não ter tido oportunidade de estudar. Mas, ao perceber essa realidade, é responsabilidade da pessoa lidar com a situação e verificar como pretende se posicionar diante disso. Poderá se conformar com a situação, não fazer nada e passar a vida toda reclamando das injustiças e falta de oportunidades, poderá buscar um supletivo para terminar os estudos mais rápido, poderá buscar o emprego que propicie conciliar com os horários das aulas etc. A clareza entre a diferença de culpa e responsabilidade pode mudar a perspectiva com que encaramos a vida.

Por fim, retomando o conceito inicial de vida, Mark Manson aborda a fragilidade e a finitude de nossa existência. Quando nos damos conta de que tudo é passageiro e que estresse por coisas insignificantes não nos acrescentam em nada, passaremos a encarar a vida de outra maneira. Literalmente sentado a beira de um abismo de uma linda paisagem da África, o autor medita sobre os significados mais profundos da vida e sobre a linha tênue que separa a vida e a morte. Segundo ele, todos nós deveríamos ter cada vez mais presente o fato de que a morte está cada dia mais perto, pois isso faria com que aproveitássemos e vivêssemos muito mais e melhor a vida. Se todos tiverem presente o fato de que, em pouco tempo, estaremos mortos, conseguiríamos relativizar picuinhas, futilidades e superficialidades com que nos preocupamos todos os dias. Mesmo os grandes problemas poderiam ser mais leves, pois com a consciência presente de que nosso corpo físico – independente da crença e religião de cada um – irá terminar, todos os seres humanos poderiam viver de forma mais harmoniosa e amorosa.

A linha que separa a vida e a morte para Manson, naquele momento na beira do abismo, é mínima. Um deslise qualquer, uma vertigem, um tropeço, qualquer ato em falso, poderia derrubá-lo lá embaixo e acabar com tudo. Em questão de segundos e ele poderia não estar mais vivo. Acredito que um exemplo tão concreto como esse pode ilustrar muito bem a mensagem principal do livro e nos fazer refletir de verdade sobre o que fazemos com nossa vida. Você não precisa de fato sentar-se a beira de um precipício para entender isso, mas o simples exercício de trazer essa fragilidade de forma consciente pode nos ajudar a transformar nossa existência e do mundo que nos cerca.

Ligar o foda-se para o que não importa e valorizar cada dia como se fosse único deveriam ser premissas de vida para qualquer ser humano, pois não sabemos a qual distância estamos do abismo da morte ou quando ele aparecerá em nossa frente. Ao contrário do exemplo de Manson em que foi possível evita-la, quando a morte chegar não poderemos pedir para nos devolver o tempo perdido. Por isso, viva, viva e viva, jogando fora o que não importa. Nenhum dos problemas e estresses irão com você quando o abismo chegar. Uma leitura que de fato recomendo.

A régua de sentimentos

Quantos centímetros cabem

dentro de um sentimento?

(…)

É possível medir um sentimento em

centímetros, metros ou quilômetros?

(…)

O sentimento aprisionado faz sentido?

(…)

Sentimento tem medida?

Sentimento faz sentido?

Sentimento tem sentimento?

(…)

A vida pode ser vivida, sentida e

fazer sentido sem sentimentos ou

com sentimentos pela metade?

(…)

Os sentimentos que sinto

não cabem em uma régua

e transpassam qualquer medida

(…)

A vida desobedece regras,

e desafia o tempo

(…)

Sentimentos libertos não se prendem

a réguas ou parâmetros,

mas cabem no coração

de quem se permitir vivê-los

Rosas que ganhei de presente

O que dura para sempre nesta vida?

Algum amor dura para sempre?

Algum amor para sempre é infinito?

(…)

O imediato pode ser eterno enquanto dure?

Por que ser feliz no presente e no futuro ao mesmo tempo pode ser incongruente?

Por que me preocupo com o futuro?

(…)

O dia de amanhã não me pertence mais

O dia de ontem é uma tatuagem concretizada na eternidade

Ainda tento em vão domar o tempo indomável

(…)

O mais próximo das minhas mãos é o tempo de agora,

Que rapidamente escapa por entre meus dedos quando termino o pensamento

Não tenho controlo sequer sobre o passado que acabo de registrar em verso

(…)

Também não tenho controle sobre os versos que escreverei logo mais

Há linhas em branco que rumam ao infinito no livro da minha vida

E serão preenchidas um dia de cada vez

(…)

O amor…

Pode ser chama constante que não incendeia mas queima um pouco a cada dia

Ou pode ser um presente ardente e intenso sem preocupação com o amanhã

(…)

Onde está o equilíbrio?

Ele existe? Ele me faz feliz?

Quem ama o futuro ama também o presente e a si mesmo?

(…)

Presente é um embrulho que abro com entusiasmo

Vem em pacotes coloridos e pode trazer surpresas incríveis

Pode vir recheado com uma rosa ou com espinhos

(…)

Mas na maioria das vezes traz uma rosa espinhosa

E o maior desafio é lidar com ela, assim como lidar com a vida

Admirando seu perfume e podando seus espinhos

O que a bengala me ensinou?

Com a bengala eu aprendi a não ter vergonha de ser eu mesma. Com a bengala em aprendi a não disfarçar meu problema de visão. Com a bengala, passei a ser mais espontânea, discontraúida e autêntica. Passei a rir mais, fazer mais piadas e até a contar histórias engraçadas sobre quando não enxergo alguma coisa e passo por situações cômicas.

Com a bengala eu aprendi a ser menos ansiosa. Percebi que precisava literalmente dar um passo de cada vez – embora minhas pernas quisessem correr mais rápido. Aprendi que preciso tatear o caminho para dar o próximo passo. Aprendi que, mesmo que eu saiba onde quero chegar e quantos metros existem até lá, isso não basta – é preciso saber como chegar até lá, como percorrer o trajeto desejado, por onde passar ou por onde desviar. Isso vale para atravessar uma praça cheia de obstáculos, com raízes de árvores, orelhões e obras ou para atravessar os problemas filosóficos e cotidianos da vida.

Com a bengala aprendi a ser mais humilde. Aprendi a aceitar ajuda para atravessar a rua, a ser menos auto-suficiente e menos rígida comigo mesma. Aprendi a valorizar um braço amigo de alguém que se oferece para me ajudar e muitas vezes, sem sequer me conhecer, já me tirou de situações perigosas.

Com a bengala aprendi que para os amigos de verdade eu sou a mesma pessoa usando a bengala ou não – com ela aberta ou fechada, com ela na bolsa ou não. O importante para eles é meu sorriso no rosto e o estado emocional em que me encontro. Percebi que muitas pessoas me tratam de forma diferente por eu portar esse instrumento que representa a deficiência visual, querendo me proteger, falar de forma pejorativa ou até se afastando de mim. Essa realidade pode parecer cruel, mas pior ainda seria não percebê-la e não ter consciência de que ela existe.

Com a bengala aprendi que o que importa no ser humano é a humildade, a lealdade e a cumplicidade. Com a bengala aprendi que conquistar um grande amor pode ser uma questão de tempo, mas que inevitavelmente acontecerá. Um belo dia você irá esbarrar em uma pessoa especial em uma mesa de bar ou em uma esquina qualquer.

Com a bengala aprendi a dar valor para o que realmente importa nessa vida. Aprendi a dar tchau para o que não interessa mais, a valorizar as amizades que me completam, a me amar e a me aceitar intensamente e de verdade da forma que eu sou. Aprendi a amar a vida que está pulsante por toda parte – por onde posso tocar com a bengala e por onde posso tocar com minha sensibilidade.

Mais do que tudo isso, percebi que meus sonhos ultrapassam todos os obstáculos físicos do mundo. Aprendi que existem barreiras no caminho e que – concretamente – precisam ser contornadas, mas quando realmente acreditamos em algo qualquer dificuldade pode ser superada. Não há limite para os sonhos. E quando o sonho é verdadeiro, será realmente alcançado.

Obrigada bengala! Obrigada vida!