Um dia de sol

Caminho na rua, sinto o vento e o sol no rosto. Caminho devagar, observo o espaço que me cerca e o horizonte. O mundo nesse momento é a quadra da minha casa. Escuto o barulho das folhas das árvores, o canto dos pássaros. Sinto o vento que carrega o cheiro das flores de um jardim. Não penso em nada, só observo a interação entre a cidade e a natureza que me cercam.

Vento forte, sol vibrante, frio intenso. Carros, buzinas, pressa. A cidade emite suas vozes e reclames de costume. A vida segue automática diante dos meus olhos.

Meus pés, a cada passo, fazem um ruído no chão da calçada esburacada. Passeio livremente pelo trajeto que antes julgava conhecido e comum.

Mas as coisas de sempre, o caminho de sempre, de alguma forma, não estão mais tão iguais e obvios assim. Descobri como um dia de sol e um momento de calma podem servir para re-conhecer o mundo em que me insiro, a cidade que vivo, a rua onde moro, os espaços que frequento e, quem sabe, re-conhecer a mim mesma.

´Quando se pensa em deficiência visual ninguém lembra das pessoas com baixa visão. Que bom que existem exceções!

Semana na passada estive no evento Mídia e Deficiência, que ocorreu em Porto Alegre, na Assembleia Legislativa. Foi um acontecimento marcante na minha vida, pois foi a primeira vez que recebi material em fontes ampliadas fora do âmbito acadêmico (onde, não posso negar, em geral tenho acesso ao material solicitado). É muito difícil perceber qualquer iniciativa ou preocupação com as pessoas com baixa visão – até porque quando se fala em deficiência visual o senso comum remete à imagem de uma pessoa cega e usuária de braille.

Em primeiro lugar, nem toda pessoa com deficiência visual é cega. A maioria, aliás, possui baixa visão. Em segundo lugar, cegos ou pessoas com baixa visão não necessariamente utilizam o código braille. Pessoas com baixa visão em geral leem textos em fontes ampliadas. Mesmo pessoas cegas, em muitos casos, podem não utilizar o braille.

No evento que participei semana passada fiquei muito surpresa e gratificada em realmente receber o material em fontes ampliadas (tamanho 20, conforme solicitado no ato da inscrição). O mesmo material que foi entregue aos demais participantes estava à minha disposição em tamanho maior na recepção do teatro Dante Barone. Uma pequena adaptação como essa pode parecer simples para os outros, mas representa muito para mim e para os usuários de material ampliado.

Tal iniciativa, que deve ter custado um pouco mais de tinta da impressora e dedicação dos funcionários da organização, transformou o meu dia e renovou minhas esperanças de que isso possa se tornar uma realidade em outros lugares. Me senti realmente acolhida e bem recebida naquele local, onde alguém havia pensado nas minhas reais necessidades. Necessidades, aliás, que não são só minhas, mas de um imenso grupo de pessoas com baixa visão (que são a maioria dentre a população com deficiência visual).

O acesso à cultura e à informação é um direito de todos e está previsto em lei. Contudo, infelizmente ainda estamos muito longe de atingirmos um padrão mínimo desejável em termos de acessibilidade. Esse evento foi uma surpresa muito positiva – uma exceção, é verdade, mas uma iniciativa que deve ser valorizada e multiplicada.

Não sou contrária ao material em braille em eventos, estabelecimentos comerciais, prédios públicos ou privados. O braille, porém, deve estar presente simultaneamente ao material ampliado para que o usuário escolha a forma de leitura que lhe seja mais conveniente. Parabéns à organização do evento Mídia e Deficiência. Espero que em breve eu possa postar aqui novos exemplos positivos e que esses exemplos um dia não sejam mais uma exceção e sim uma realidade comum.