Acessibilidade nos supermercados

Conheci a Carlise Kronbauer há pouco tempo e ela me contou coisas muito interessantes sobre sua experiência emquanto consumidora nos supermercados. Ela e o noivo preferem fazer compras pela Internet em função da falta de acessibilidade nos supermercados. Ela escreveu um depoimento bem legal sobre isso. Segue o texto dela:

“Comprar no supermercado online é muito bom, pois temos acesso a todos os produtos e marcas disponíveis sem depender de ninguém que enxerga para nos dizer.

Comprar no supermercado físico é frustrante, pois somos mal atendidos por funcionários despreparados para auxiliar pessoas cegas.

Comprando no supermercado online reduzimos a metade o tempo fazendo compras, pois uma realidade que enfrentamos quando vamos ao supermercado físico é que os atendentes não sabem onde os produtos estão, não entendem de marcas, não sabem distinguir couve flor de brócolis e também muitas vezes não sabem ler ou não demonstram interesse em ajudar.

Certa vez compramos shampoo e nos venderam condicionador. Percebi que nos venderam errado quando fui tomar banho e senti que meu cabelo ficou um sebo em vez de fazer espuma como shampoo. Outra vez compramos patê de frango e percebi quando fui comer o pão que era de fígado.

Comprando pela internet podemos escolher os produtos que queremos, sem se estressar porque o atendente não acha a marca que desejamos, podendo comprar até aquilo que indo ao supermercado físico não compraríamos, devido ao atendente não nos oferecer.

Recomendo a compra no supermercado online, pois os produtos recebidos em casa como frutas e verduras sempre são bons, pois o estabelecimento não sabe que somos cegos e envia produtos de qualidade.

Portanto, o supermercado online facilita a vida dos cegos, pois não precisamos nem sair de casa para fazer as compras apenas esperar elas chegar em casa.”

(Carlise Kronbauer)

A partir desse depoimento fico me perguntando se não está mais do que na hora dos supermercados se preocuparem com a questão da acessibilidade. Capacitar funcionários a atender as pessoas com qualidade é fundamental.

Imagino que alguns proprietários de redes de supermercados achem que isso não é vantajoso, pois nunca veem pessoas com deficiência visual fazendo compras Mas o relato da Carlise é bastante eloquente. Ela prefere comprar pela internet do que ir até uma loja física porque sabe que será mal atendida, que não vai encontrar os produtos que deseja e, ainda por cima, vai levar muito tempo.

Acredito que vale lembrar que 23,9% da população brasileira tem alguma deficiência. Acho que as lojas, supermercados e comércio em geral não deveriam desprezar este público consumidor.

Não tenho nada contra as lojas virtuais, mas sim ao fato dessa ser a única alternativa para que pessoas cegas ou com baixa visão consigam fazer compras. No momento em que esses estabelecimentos forem acessíveis e oferecerem condições adequadas, a Carlise e tantos outros tantos milhões de brasileiros poderão frequentá-los com maior autonomia e segurança. A pessoa com deficiência tem – ou deveria ter – o direito de escolher onde quer fazer compras, sem ficar restrita a determinados ambientes ou lojas virtuais.

Acessibilidade em hotéis

Sempre gostei muito de viajar, conhecer novos lugares e pessoas. Mas confesso que não me sinto segura em ir sozinha para um hotel que eu não conheça. Infelizmente a estrutura dos hotéis, pousadas e das próprias cidades brasileiras ainda não favorece a autonomia de turistas com qualquer tipo de deficiência.

Há alguns anos atrás estive em um hotel no Nordeste, onde passei por uma situação, no mínimo, desagradável. Estava na área das piscinas do hotel, mas não com roupa de banho. Estava com roupa comum e minha bolsa, pois ia sair. Sabia onde ficava a piscina adulta (pois já tinha entrado nela), mas não me dei conta de que estava próximo à piscina infantil e… Sim, cai nela de roupa e tudo.

Como a piscina infantil é bem rasa, acabei esfolando os joelhos e quase bati com a cabeça na beira, o que poderia ter levar a um acidente mais grave. Tirando o susto e o transtorno de ter que voltar para o quarto, trocar de roupa, secar a bolsa e as coisas que estavam dentro (as mulheres sabem como uma situação dessas é delicada), sobrevivi a tal situação.

Mas muito além da queda na água e dos joelhos esfolados – que por si só não foi tão grave -, fiquei muito constrangida com a situação. Havia outros hospedes em volta, ficaram todos me olhando, comentando e perguntando como eu estava. É muito chato cair na piscina de roupa e tudo quando isso não é feito de forma proposital. Fiquei muito envergonhada e constrangida com a situação.

Creio que deveria obrigatório um sinal de alerta no piso no entorno das piscinas (assim como existe próximo à linha do metrô para evitar que as pessoa caiam). Isso é uma questão de segurança e poderia evitar muitos outros acidentes.

Além disso, outra coisa que me incomoda muito é a iluminação difusa nos quartos. Os hotéis insistem em projetar lâmpadas laterais ou luminárias fraquinhas nos cantos do quarto. Parece que deixar o ambiente na penumbra é algo “chique”. Para mim isso não é chique. Isso é um transtorno, uma dificuldade, pois a baixa iluminação me atrapalha muito.

O local do café da manhã é sempre outro desafio. Geralmente o café da manhã é um Buffet e eu preciso de ajuda para me servir, pois identificar as comidas é uma dificuldade grande. Geralmente também são espaços escuros ou com pouca luz e muitos obstáculos pelo caminho.

O cardápio tem sempre uma letra pequena. Alguns locais chegam a disponibilizar cardápio em braile, mas poucos hotéis ou restaurantes lembram de imprimi-los também em fontes ampliadas para o público com baixa visão e os idosos (que também são super fãs das fontes grandes).

Seriam inúmeras as minhas considerações sobre a falta de acesssibilidade em hotéis. Mas se eu pudesse dar um conselho para seus administradores e proprietários, diria que consultem hospedes com deficiência antes de projetar seus espaços.

Perguntem e se informem sobre as necessidades das pessoas. O design, a decoração e a funcionalidade de qualquer ambiente devem ser aliados – e não inimigos – da acessibilidade.

RELATO DA ÚLTIMA AULA DO CURSO “AUDIODESCRIÇÃO E AS INTERSECÇÕES COM A EDUCAÇÃO”

Este sábado tivemos a terceira aula do curso de extensão “Audiodescrição e as intersecções com a Educação” que estamos ministrando na Faculdade de Educação da UFRGS. Eu e Felipe Mianes, enquanto coordenadores, juntamente com as parceiras e amigas Marcia Caspary e Mimi Aragon, estávamos com muita expectativa para o início das atividades. Com o curso já em andamento, podemos dizer que estamos muito felizes com o entusiasmo e o envolvimento da turma.

Ficamos muito satisfeitos com a alta procura pelo curso, pois a turma está lotada e inclusive algumas pessoas não conseguiram vaga. Por um lado ficamos tristes em saber disso, mas, por outro, isso revela o quanto o nosso trabalho e dedicação em prol da acessibilidade vem dando frutos e vem se multiplicado.

Nossa última aula foi produtiva e emocionante. Na primeira parte da aula, trouxemos questões históricas sobre deficiência ao longo dos séculos e um pouco da legislação brasileira sobre acessibilidade e audiodescrição.

No segundo momento, realizamos uma atividade prática, em que, vendados, os alunos puderam explorar o campus da UFRGS – um espaço bastante inacessível, com diversas barreiras e obstáculos no solo e aéreos – com o auxílio de um colega como guia.

Mais do que já praticar a audiodescrição, propusemos que os alunos prestassem atenção em seus outros sentidos, que nem sempre estão muito aguçados, como o olfato, a audição e o tato.

O objetivo não era salientar a falta da visão ou o sentimento de “compaixão” por aqueles que não a possuem, mas sim a percepção de outras formas de explorar o ambiente.

É evidente que, como o Felipe ressaltou, ninguém teria a experiência de ser cego ou alguém com baixa visão em uma atividade didática como essa. Afinal, todos ali sabiam que quando tirassem a venda, voltariam a enxergar. Ou seja, essa dinâmica jamais corresponderia, nem de perto, à experiência real e ao sentimento de ser um sujeito com deficiência visual.

A turma revelou maturidade e seriedade ao realizar o exercício, trazendo discussões e reflexões produtivas ao término da dinâmica.

Antes de serem simplesmente bons ou excelentes audiodescritores queremos que nossos alunos saibam colocar-se no lugar do outro. É importante que interajam e se aproximem do público com deficiência visual. É fundamental que realmente entendam as dificuldades de quem não “vê” o mundo como a maioria das pessoas.

Queremos que sintam, na prática, como é guiar alguém e como é a sensação de ser guiado. Qual a melhor maneira de fazer isso? O que é importante descrever em um ambiente? Que tipo de informações são necessárias? O que é possível perceber através dos outros sentidos? E o que não é?

Acredito que a técnica da audiodescrição possa ser aprendida por muita gente. Mas a sensibilidade e a compreensão sobre as verdadeiras dificuldades do público com deficiência visual não são tão simples assim. A audiodescrição não é uma atividade isolada e mecânica.

Não basta saber descrever uma imagem. Não basta saber narrar com precisão. É necessário irmos muito além disso. É preciso desenvolver diferentes visões sobre o mundo, assim como é proposto no documentário “A Janela da Alma”.

Eu diria que sensibilidade é a palavra-chave. Estamos em um momento histórico de mudança de cultura e de pensamento. O mundo não comporta mais uma visão homogênea e padronizada sobre as características das pessoas.

É por isso que esse exercício foi emblemático para mim nesse início do curso. Nossos alunos souberam, de forma inteligente – sem “pena” ou benevolência pelas pessoas com deficiência visual – colocar-se no lugar do outro e refletir sobre todas as dificuldades de acessibilidade em um abiente como a UFRGS – pelo qual talvez se tivessem de olhos abertos passassem despercebidas.

Colocar-se no lugar do outro é o primeiro passo para a realização de uma audiodescrição de qualidade. A audiodescrição pressupões esse exercício constante.

Parabéns à turma. Parabens aos professores. Esse é apenas um começo da nossa caminhada, mas que já me enche de orgulho!

Cultura inclusiva nas empresas

Essa semana estive em uma palestra sobre Cultura Inclusiva nas empresas, que ocorreu na livraria Cultura, do Shopping Bourbon Country em Porto Alegre. O evento, promovido pelo Grupo RH-RS, destinou-se a gestores e profissionais da área de Recursos Humanos. Foram abordadas questões relativas à lei de cotas, legislação na contratação de pessoas com deficiência e aspectos comportamentais e culturais dentro das corporações.

Pela legislação brasileira, empresas com mais de 100 funcionários devem ter de de 2 a 5% do quadro formado por funcionários com deficiência – o que ainda é dificilmente cumprido pelas empresas.

A administradora Marcia Gonçalves iniciou sua fala lembrando que as pessoas com deficiência consomem todo tipo de produto, desde alimentação, vestuário, sapatos e serviços em geral. A partir do momento em que as empresas perceberem isso, terão um olhar diferenciado em relação aos próprios funcionários com deficiência.

Entender a pessoa com deficiência em primeiro lugar como pessoa e depois por ter uma deficiência ainda é um desafio. A pessoa pode ser mais ou menos competente, tímida, extrovertida, responsável, irresponsável. pontual ou não. mais ou menos organizada e qualificada./ e a deficiência é mais uma entre tantas características que a constituem.

O fato de ter uma deficiência não garante que ela seja melhor ou pior que seus colegas. A empresa deve exigir que ela produza e apresente resultados como qualquer funcionário.

Eventos como esse ajudam na disseminação de informações importantes e na preparação de profissionais da área de Recursos Humanos para que percebam esse funcionário em seu pleno potencial, não apenas em suas limitações físicas.

Nesse sentido, fico imensamente feliz ao perceber que algumas empresas já estão percebendo de forma mais realista e menos preconceituosa os candidatos com deficiência em seus processos seletivos. O grupo Abril, por exemplo, está com oportunidades para Talentos Especiais em diversas áreas.

Estão abertas vagas para Administração, Marketing, Jornalismo, Comercial, Engenharia, Tecnologia da Informação, Webdesigner, entre outros. As oportunidades são para início imediato em São Paulo e destinam-se a profissionais com deficiência com Ensino Superior completo ou em andamento. Mais informações pelo site:
www.vagas.com.br