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Catorze propostas para ampliar a acessibilidade em concursos públicos

Formalizo aqui algumas sugestões/ orientações para os organizadores de concursos. Esse documento será entregue por mim formalmente na próxima quarta-feira (26) durante o seminário sobre Acessibilidade em Concusos Públicos do RS. Disponibilizo esse material aqui para que os leitores do blog Três Gotinhas possam também encaminhar suas sugestões, alterações do texto ou acréscimos. Aguardo a participação de todos.

1 – O prédio onde a prova de concurso público for realizada deverá contar com acessibilidade plena para todos os candidatos. Isso inclui rampas de acesso, banheiros adaptados para cadeirantes, sinalização adequada (em braile e fontes ampliadas e com alto contraste), piso tátil e elevador. O local deverá ser de fácil acesso com transporte público.

O entorno do prédio deve ser observado também. As caçadas precisam estar em bom estado de conservação. Não pode haver barreiras bloqueando que impeçam ou dificultem a chegada dos candidatos (tais como contêineres no caminho, lixo, obras não sinalizadas, pedras, buracos, orelhões ou outros obstáculos aéreos não sinalizados etc). Devem existir rampas de acesso nas calçadas e sinaleiras sonoras. O candidato precisa ter garantido seu direito de chegada ao espaço de realização da prova com segurança e autonomia, sem correr riscos de lesões físicas ou de não conseguir chegar ao local por falhas na comunicação (em função de falta de sinalização ou informações adequadas).

É necessária a verificação nas condições de acessibilidade no entorno do local de realização de provas por candidatos com deficiência. Isso deve ocorrer em tempo hábil para que sejam tomadas as providências de implementação de acessibilidade (sinaleiras sonoras, rampas, conserto de calçadas, desobstrução de caminhos etc). Um especialista em acessibilidade e as próprias pessoas com deficiência deverão indicar quais as barreiras existentes no trajeto entre as paradas de ônibus mais próximas e o prédio em que será realizado o concurso. Com essa verificação torna-se obrigatório que o poder público tome as devidas providências em tempo hábil, antes da realização do concurso.

2 – O candidato com deficiência física (nanismo, atrofia ou ausência dos membros ou outra condição) deverá realizar sua prova em cadeira e mesa adaptados para sua altura e tipo físico, de modo que possa realizar a prova sentado, com ergonomia e conforto adequados. Pessoas com mobilidade reduzida, amputação de um dos membros, paralisia ou qualquer outro tipo de deficiência que necessitarem adaptações no mobiliário para realizar suas provas também deverão solicitar no ato da inscrição, especificando o tipo de adequação necessária.

3 – O candidato com deficiência visual deverá fazer sua prova em uma sala separada dos demais candidatos. Isso porque ele precisará ditar suas respostas para serem transcritas para a grade de respostas, ou ainda, em função da utilização de prova ampliada (que facilita a “cola” por outros candidatos). No caso do candidato que opte por um ledor também precisará se comunicar o tempo todo com a pessoa, o que é inviável em uma sala com outros candidatos.

4 – Os fiscais, volantes, seguranças e toda a equipe que trabalha durante a realização do concurso deverão ser capacitados para guiar adequadamente pessoas com deficiência visual nas dependências do local. O candidato poderá necessitar de auxílio para encontrar sua sala, sanitários, entrada/ saíde do prédio. É importante que a equipe saiba como prestar esse tipo de auxílio, sem “empurrar” o candidato, mas estendendo o braço e avisando os obstáculos pelo caminho.

Recomenda-se que pelo menos uma pessoa com esse tipo dde capacitação esteja em cada uma das portas de acesso ao prédio de provas no momento da entrada dos candidatos. Assim, o candidato que encessitar de auxílio já será recepcionado logo na entrada por esse profissional.

Da mesma forma, faz-se necessária a presença de um profissional intérprete de Libras em cada uma das entradas do prédio para receber ou prestar qualquer tipo de informação aos candidatos surdos ou com deficiência auditiva usuários de Libras.

5 – O candidato com deficiência visual tem o direito a uma hora adicional para realização de sua prova, visto que ele demora mais para realizar a leitura e trnascrição de suas respostas. No caso de concursos que tenham provas no turno da manhã e da tarde, o tempo do intervalo de almoço desse candidato deverá ser respeitado, tendo ele o mesmo tempo de intervalo dos demais candidatos.

6 – O candidato com deficiência visual deve ter a opção de escolher o formato que deseja realizar sua prova de modo que sua autonomia e independência sejam garantidos. É o próprio candidato quem deve indicar a melhor maneira e formato de realização de sua prova, não podendo em hipótese alguma essa opção ser imposta pela banca organizadora, conforme as opções a seguir:

a) em Braille;

b) fonte ampliada (no tamanho adequado para ele). O candidato deverá escolher o tamanho da fonte em que tem condições de realizar a prova. Esse tamanho não pode ser estabelecido previamente pela banca do concurso. Os organizadores do concurso deverão respeitar a opção de fonte e tamanho de letra solicitados pelo condidato. De modo geral, para pessoas com baixa visão a fonte ARIAL BLACK é uma das mais utilizadas, pois apresenta bastante contraste, o que facilita a visualização do candidato.

c) no computador com a utilização de software ledor. No ato da inscrição, o candidato deverá ter a opção de escolha entre diversos softwares ledores (pois nem todas as pessoas com deficiência visual utiklizam o mesmo softaware ledor). Deverá ser informado também sobre qual a versão do software ledor será utilizada no dia da prova.

d) no computador com a utilização software ampliador de tela. No ato da inscrição, o candidato deverá ter a opção de escolha entre diversos ampliadores de tela (pois nem todas as pessoas com deficiência visual utiklizam o mesmo ampliador). Deverá ser informado também sobre qual a versão desse ampliador será usada no dia da prova.

e) No computador com a utilização de software ledor e ampliador de tela (simultaneamente). Essa opção também é frequentemente necessária para candidatos com baixa visão, pois pode fazer uso dos dois recursos conforme suas necessidades.

f) com o auxílio de um profissional ledor. Caso opte por essa opção, o candidato deverá receber o auxílio de um profissional ledor preparado adequadamente para tal função. O ledor precisa estar habituado a ler provas para pessoas com deficiência visual, fazendo pontuações adequadas, lendo legendas, símbolos matemáticos, termos em outro idioma, linguagem de informática e programação etc. Esse profissional rpecisa ter domínio sobre as nomenclaturas de todo tipo de símbolo que possa aparecer na prova (de modo a não prejudicar o candidato). Éle deverá ler todas as questões quantas vezes forem solicitadas pelo candidato (dentro do tempo da prova), sem emitir opiniões ou fazer qualquer tipo de entonação diferente que possa induzir o candidato a determinada resposta ou prejudicar sua interpretação e raciocínio durante a prova.

7 – Para transcrição de questões dissertativas ou redação, o candidato com deficiência visual também poderá optar pela forma mais adequada para redigir seu texto, conforme as opções:

a) Redigir sua redação no sistema braile, utilizando sureglete e punsão

b) Redigir sua redação no sistema Braille utilizando amáquina de escrever braile

c) Redigir o texto no computador, com o auxílio do software ledor ou do ampliador de tela

d) Redigir sua redação por conta própria, utilizando caneta hidrocor preta com a ponta grossa. Deverá receber uma folha pautada com as linhas pretas grossas e reforçadas (para permitir sua visualização).

e) Poderá ditar sua redação para o profissional ledor que lhe acompanha, indicando pontuação e grafia das palavras.

f) Poderá ainda gravar em áudio (com um gravador fornecido pela banca) o texto de sua redação/ questões dissertativas, ditando as pontuações a e a grafia correta das palavras. Esse texto será transcrito posteriormente por um proffssional que irá digitá-lo no computador ou redigi-lo manualmente, transcrevendo exatamente o texto gravado pela candidato.

8 – No caso do candidato com baixa visão, a iluminação da sala é um fator importante. Algumas pessoas precisam estar em um local bastante iluminado para realizar sua prova. Outras em um local com menos luz ou sem a incidência direta de raios do sol. Por isso, esses fatores devem ser levados em consideração do momento de acomodar o candidato na sala. Caso ele considere necessário um local com maior ou menor iluminação, também poderá solicitar no momento da inscrição.

9 – O candidato com deficiência visual precisa ter acesso às imagens, ilustrações, gráficos, tabelas, charges, mapas ou qualquer outro elemento visual que faça parte da prova. Existem normas e diretrizes para a descrição de imagens, que permitem a compreensão clara por parte da pessoa com deficiência visual. Por isso todas as imagens de cada questão precisam vir descritas previamente e incluídas junto ao enunciado das questões que contem imagens ou elementos visuais.

Esse trabalho precisa ser feito por um profissional audiodescritor, que é o único qualificado para tal função, e não pode ser realizada no momento da prova e de forma improvidada pelo ledor ou fiscal da sala. Mesmo quando a descrição é feita por um audiodescritor, precisa passar por uma revisão e ser ajustada da maneira mais objetiva possível. Por isso, precisa ser feita previamente.

É importante que essa descrição seja feita com antecedência para que a prova já seja entregue ao candidato com as descrições de imagens fazendo parte de seu conteúdo. Ou seja, todas as questões que tiverem gráficos ou imagens terão junto um box intulado “descrição da imagem”. Dessa forma, todos os candidatos com deficiência visual terão assegurados seu direito ao conteúdo integral das questões.

Caso essa descrição de forma profissional e com qialidade não seja providenciada, fica proibido que as provas tenham imagens, gráficos, tabelas, mapas ou qualquer outro elemento visual que possa impedir seu acesso por candidatos comd eficiência visual.

10 – Os concursos públicos só poderão cobrar nos seus editais bibliografia acessível para todos os candidatos. Ou seja, é preciso que as referências bibliográficas cobradas em provas de concurso estejam acessíveis em formato digital para que os candidatos com deficiência visual tenham acesso. Como muitas vezes será difícil encontrar bibliografia específica já em formato acessível (o que inviabilizaria a realização de qualquer concurso em função da falta de obras acessíveis), o próprio Estado e as bancas de concursos podem firmar um convênio para que o poder público responsabilize-se por adaptar os títulos e disponibilizar, junto com o lançamento do edital, as obras solicitadas em formato acessível para pessoas com deficiência visual. Assim, os candidatos com deficiência visual terão equidade de oportunidade de estudo e preparação para o convurso.

Caso contrário, o candidato com deficiência visual fica na dependência de encontrar voluntários ou pagar pessoas para que façam a leitura das obras ou sua digitalização para o formato acessível. Se essa adaptação das obras fosse viabilizada pelo Estado desde o lançamento do edital os candidatos com deficiência visual não seriam prejudicados em sua preparação para as provas.

O poder público poderá providenciar as obras em formato acessível adaptando-as junto ao Centros de Apoio Pedagógico (que já possuem estrutura de adaptação de material didático para as escolas públicas), junto à FADERS ou através de outros órgãos competentes. Outra opção ainda seria através do contato direto com as editoras das obras, solicitando-lhes o arquivo digital dos livros – o que facilitaria o processo, diminuindo o tempo e trabalho despendido para adaptaç~ta das obras. Cabe ressaltar que, nesse caso, não há qualquer violação aos direitos autorais, visto que esse tipo de adaptação é destinada apenas para pessoas com deficiência visual (que inclusive podem ser solicitadas a assinar um termo de compromisso com os arquivos digitais das obras).

11 – Com relação à prova de informática vale lembrar que as provas, da forma como são feitas atualmente, não contemplam candidatos com deficiência visual usuários de softwares leitores de tela. Para o usuário desse sistema situações como “abrir determinada janela”, “clicar em determinado ícone”, “escolher determinado símbolo ou imagem” não acontecem da mesma forma e esses termos acabam não fazendo sentido algum. O candidato usuário de softaware ledor acaba sendo obrigado responder questões de informática fora de seu universo de conhecimento. Além do mais, são questões sobre um modo de interagir com o computador que ele jamais utilizará. Ou seja, a avaliação não é justa e não é capaz de medir, de fato, seus conhecimentos e capacidades na área de informática.

Proponho, nesse caso, que, no ato da inscrição, o candidato com deficiência visual possa optar por responder as questões de informática iguais aos demais candidatos videntes ou possa optar por responder questões focadas para usuários de leitor de tela. Cabe salientar que o conteúdo solicitado, o grau de exigência e as habilidades cobradas na prova devem ser as mesmas. A única alteração será na forma de redação das questões, que contemplará os comandos de áudio, comandos do teclado e o modo de interação com a informática próprio da pessoa com deficiência visual. Cada uma das questões deverá ser “adaptada”, na medida do possível, para a linguagem adequada e a forma de interação própria da pessoa com deficiência visual.

É importante lembrar que nem todas pessoas com deficiência visual são usuárias de softaware ledor, sendo muitas usuárias apenas de fontes ampliadas. Por isso, o candidato auto-declarado com deficiência visual não deverá ser “obrigado” a realizar prova nessa modelo. Ele deverá optar, no ato da inscrição, por realizar a prova de informática “para usuários de leitor de tela” ou para “não-usuários de softwares leitor de tela”.

12 – No ato de inscrição para qualquer concurso, o candidato precisa providenciar um laudo médico atestando sua deficiência apenas para poder realizar a prova e receber as adaptações solicitadas. Mesmo tendo uma deficiência congênita e que não será alterada ao longo da vida, as bancas exigem laudo emitido nos últimos noventa dias por um medico especialista na sua deficiência, o que acaba excluindo sumariamente do processo muitos candidatos simplesmente por não conseguirem apresentar o laudo em tempo. Tendo em vista as limitações do Sistema Único de Saúde e a demora para conseguir uma consulta médica, bem como os preços elevados cobrados por médicos particulares, muitos candidatos não conseguem concorrer em concursos em função dessa exigência de laudo para prestar a prova.

Caso aprovado pelo sistema de cotas o candidato precisará comprovar novamente sua deficiência, passando pela avaliação de um médico perito do próprio órgão em que for nomeado. Ou seja, solicitar laudo médico antes de sua aprovação, simplesmente para a realização da prova, acaba sendo uma burocracia desnecessária e excludente. Sugiro, desse modo, que o laudo médico seja cobrado somente no momento da aprovação do candidato no concurso, no ato da entrega de documentos para nomeação.

13 – No momento da aprovação, a perícia que irá avaliar a compatibilidade do candidato com o cargo deverá ser feita não apenas por um médico perito (que muitas vezes não conhece a deficiência do profissional a fundo e os recursos disponíveis para melhor qualidade de vida), mas por uma equipe multidisciplinar. Esse equipe deverá conter psicólogos, professores especializados na deficiência do candidato e profissionais da área/ setor de atuação do candidato com deficiência. Desse modo, a avaliação não será apenas clínica e levará em consideração todas as habilidades e potencialidades do candidato.

É importante que, mesmo no caso de desconhecimento por parte da equipe multidisciplinar, o candidato posssa passar pelo estágio probatório, onde possa adaptar-se à nova atividade e mostrar suas competências. Assim como qualquer profissional, caso não tenha desempenho satisfatório poderá ser excluído nesse processo. Mas é fundamental que tenha as mesmas oportunidades que os demais candidatos (sem deficiência).

14 – É importante que todos os prédios públicos estejam preparados para receber servidores com deficiência. O ambiente físico precisa ser adequado, atendendo às normas básicas de acessibilidade. Além disso, o ambiente de trabalho precisa ser preparado e sensibilizado para receber o profissional com deficiência.

O próprio setor de Recursos Humanos do órgão onde o servidor com deficiência for lotado deve viabilizar, no período de ingresso e adaptação do funcionário, debates, dinâmicas ou palestras informativas sobre o tema. É importante que colegas de trabalho, chefes e funcionários de todos os setores tenham acesso a informações, esclarecimentos e saibam como acolher o novo funcionário de maneira adequado, visando sua adaptaçãoo, bom rendimento no trabalho e bom relacionamento com os colegas.

OBSERVAÇÃO: Esse documento foi elaborado por mim, tendo recebido sugestões e acréscimos de outras pessoas com deficiência visual. Por isso, grande parte do conteúdo contido aqui está focado nesses candidatos. Saliento a importância da consultoria de pessoas com outros tipos de deficiências para que possamos contemplar às demandas e necessidades de todos.

Mariana Baierle –
mariana.baierle@uol.com.br

www.tresgotinhas.com.br

Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2014

A falta de acessibilidade em concursos públicos: encaminhamentos e repercussões

Para começar gostaria de agradecer as diversas mensagens de apoio, solidariedade e indignação que recebi de leitores do Três Gotinhas essa semana em função de todos os absurdos que ocorreram comigo no concurso para a Secretária da Saúde do RS no último domingo. Foram inúmeros comentários no blog, facebook, email e pessoalmente.

Quero que saibam que estou levando essa história adiante, pois não podemos tolerar mais esse tipo de acontecimento. Tanto se fala em acessibilidade e inclusão, o tema virou “moda” nos últimos anos, mas pouco se faz de verdade.

Mais lamentável ainda é saber que todos esses problemas ocorreram em uma prova para a Secretaria Estadual da SAÚDE, que deveria da ro exemplo aows demais órgãos e não tratar questões de acessibilidade como secundárias ou nulas.

Em primeiro lugar enviei por email para Fundatec (banca que realizou o concurso da Secretaria da Saúde do RS), através do link “Fale com o Presidente”, um relato de tudo que ocorreu comigo no dia da prova. Adivinhem se recebi alguma resposta? Certamente não. É mais fácil calar-se diante disso tudo do que tentar inventar qualquer justificativa plausível.

O texto que publiquei no blog (intitulado “Cotas para enjambração! Até quando?”) teve uma ampla repercussão. Através do apoio do amigo e ativista Felipe Mianes, a postagem foi parar na ONCB (Organização Nacional dos Cegos do Brasil) e na Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, em Brasília, nas figuras do Moisés Bauer e do Beto Pereira.

Aqui em Porto Alegre, estive pessoalmente no Ministério Público, onde fui orientada para registrar o ocorrido junto à Promotoria de Justiça e Direitos Humanos. E foi o que fiz. Me informaram que a partir da próxima semana posso verificar quem é o promotor de justiça que estará cuidando do caso. Mas, ao perguntar por prazos ou próximos encaminhamentos, não souberam me responder, apenas disseram “que demora bastante”. (Desanimador!)

Registrei, ainda, o caso juntamente À Secretaria regional do Trabalho e Emprego, no Núcleo de Igualdade no Trabalho. Eles informaram que tomariam as medidas que tivessem ao seu alcance.

Além disso, estive, na última quarta-feira (29/01/2014), em uma audiência com o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul Fabiano Pereira e com a diretora de Direitos Humanos Tâmara Biolo Soares. Na ocasião, falei sobre as inúmeras dificuldades que tive nesse concurso em específico e lhes entreguei em mãos uma cópia impressa do relato que está publicado aqui no blog Três Gotinhas.

Expliquei que eu não estava lá apenas por esse concurso em si e por tudo que tinha ocorrido comigo, mas sim por uma causa maior e por todos os concursos que virão pela frente – para mim ou outras pessoas com deficiência. Essa não é apenas uma demanda minha, mas de milhares de indivíduos que não conseguem ter seus direitos assegurados sequer em um concurso público que possui vagas reservadas para pessoas com deficiência.

Citei ao secretário diversos casos para ilustrar melhor essa realidade. O primeiro foi o de um amigo com deficiência visual que foi considerado “inapto” para o cargo de professor do Estado no momento da perícia médica (mesmo tendo passado em primeiro lugar e tendo qualificação superior à maioria dos demais candidatos – inclusive hoje ele cursa doutorado fora do pais), E eu me pergunto: Quem é inapto nesse caso, o candidato ou o concurso?

Outros casos indignantes são o de candidatos que tiveram o pedido de prova em braile negado. Ou o de candidatos cadeirantes que são colocados para fazer provas em prédios sem nenhuma acessibilidade, tendo que ser carregados em escadas, inclusive correndo risco de quedas e lesões graves.

No caso dos candidatos com deficiência visual, as bancas ainda insistem em providenciar apenas uma pessoa para ler a prova – negando-se a providenciar a prova ampliada (do tamanho solicitado) ou em braile. Isso porque é mais “fácil” para eles fazerem isso e fingirem que dão acessibilidade.

O candidato precisa se submeter a escutar todas as questões, lidas em voz alta por pessoas muitas vezes despreparadas para isso. Fazer uma prova de português nessas condições, por exemplo, é horrível, pois não sabemos onde começa e termina um parágrafo. Geralmente a pessoa que lê não faz a pontuação correta, eliminando pontos e vírgulas, o que prejudica a interpretação do texto e, consequentemente, o desempenho do candidato na prova.

Eu poderia seguir citando outros tantos casos, mas esses já são bastante representativos.

Fazer um concurso público para uma pessoa com deficiência hoje é sinônimo de estresse e ansiedade. Isso porque não sabemos que tipo de percalço teremos pela frente. Ao invés de poder me focar em estudar para a prova e no conteúdo em si, a preocupação caba sendo anterior. Como será o dia da prova? Terei minhas demandas atendidas? Terei minha prova ampliada? Do tamanho certo que eu pedi ou será aquela “enjambração” de sempre?

Quero poder me inscrever em qualquer concurso e ficar tranqui8la, me preocupando – como todas as outras pessoas que prestam concursos – apenas com o conteúdo que vai cair na prova. Quero me inscrever para qualquer concurso e ficar relaxada, certa de que terei minhas demandas atendidas e meus direitos respeitados.

Infelizmente, a acessibilidade em concursos ainda é uma enjambração completa. Eu e muitas outras pessoas estamos tendo coragem de denunciar tudo isso. Mas penso também naqueles que sequer chegam saor de casa e prestar provas por já terem sofrido essas dificuldades ou saberem que inevitavelmente irão passar por isso também. (Até quando?!)

No fim das contas a reunião com o secretário de Justiça e Direitos Jumanos do RS Fabiano e a diretora Tamara Biolo Soares terminou com o comprimetimento deles de abertura de uma audiência pública sobre acessibilidade em concursos públicos. Aproveito a oportunidade para mobilizar outras pessoas que tenham enfretado dificuldades de acessibilidade em concursos a compartilharem suas experiências. (O Três Gotinhas estará sempre aberto a publicar relatos de leitores. Aguardo participações!)

Além disso, eles se comprometeram a enviar oficialmente meu registro à secretaria de Saúde do Estado Sandra Fagundes para que ela tome ciência das irregularidades desse concurso. Afinal, a Secretaria da Saúde contratou a Fundatec para executar a prova, mas é também responsável pelo concurso.

Enviei ainda esse relato para o Adilso Corlassoli, que é assessor de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e está engajado na melhoria das condições de acessibilidade em concursos públicos. Aproveito para agradecer o apoio dos amigos Silvia Manique e Rafael Giguer, que também estão engajados na questão e contribuindo significativamente para dar visibilidade e encaminhamento a tudo isso.

Espero que todo o meu esforço não seja em vão. Vamos ficar no aguardo dessa audiência pública. Vamos ficar no aguardo do posicionamento do Ministério Público. Algo precisa acontecer (não apenas nesse concurso, mas para que não ocorra nos próximos).