Audiodescritor em foco – Entrevista com Mariana Baierle

Mariana Baierle é jornalista pela PUCRS e mestre em Letras pela UFRGS. Professora e palestrante em cursos sobre acessibilidade cultural e formação de profissionais para atendimento de pessoas com deficiência. Consultora em Acessibilidade e audiodescritora consultora. Repórter e apresentadora do quadro Acessibilidade dentro do programa Cidadania da TVE-RS. Diretora do documentário “Olhares” (em parceria com Felipe Mianes). Editora do Blog Três Gotinhas (www.tresgotinhas.com.br).

1 – Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?

Mariana: Através de curso de formação específica, além de assistir a muitos filmes com audiodescrição, analisar roteiros, ler artigos, pesquisar e discutir com outros profissionais da área. O audiodescritor não é formado na noite para o dia. É um processo longo, trabalhoso, que exige dedicação e esforço pessoal. É preciso uma sensibilidade incrível por parte do audiodescritor, que tem em suas mãos um desafio e uma grande responsabilidade. É preciso formação teórica e prática, talento, riqueza vocabular e treinamento. Mais do que um campo de trabalho e um mercado em plena expansão, a AD tem um significado mágico na minha vida. Representa minha autonomia, minha independência, liberdade, oportunidade de lazer e entretenimento, acesso à arte, à cultura e à informação. É um mundo visual ao meu alcance através de palavras.

Palavras que significam mais que imagens. Palavras repletas de significado e de sentimento. Sempre amei literatura e a AD nada mais é senão uma tradução – e, porque não dizer, uma criação – artística e literária. Por isso, ouvir a AD de uma exposição, filme, fotografia, obra de arte pode ser algo belo e prazeroso, que coloca a pessoa cega ou com baixa visão em posição de igualdade em relação às demais.

2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?

Mariana: A AD representa uma mudança de cultura, de consciência e de valores por parte da sociedade. O mundo passa a preocupar-se – ainda que de forma tímida – com os direitos humanos, com o respeito às diferenças e às especificidades de cada um. Os espaços públicos e privados, os ambientes culturais e sociais, começam a ser preparados e projetados para receber e atender bem a todos, não apenas àqueles enquadrados dentro de certos padrões de normalidade.

Sempre consegui realizar todas as minhas atividades tendo baixa visão (como trabalhar, estudar, ter amigos, me relacionar com as pessoas etc). A maior dificuldade sempre foi no acesso a determinados produtos e eventos culturais, em que as imagens eram imprescindíveis.

A partir da AD isso mudou, não há mais esse impedimento. Agora a luta é para que mais espaços coloquem a AD em sua programação regular, não apenas em alguns momentos pontuais. Por isso, acredito que a AD representa mais autonomia, mais liberdade, mais satisfação na vida de pessoas com deficiência visual e dos demais beneficiados.

3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?

Mariana: Uma das grandes e sérias dificuldades ainda é fazer com que as pessoas se deem conta que qualquer produto ou serviço relacionado à acessibilidade não precisa necessariamente feito de forma gratuita. Ainda existe a ideia de que qualquer ação relacionada à acessibilidade é uma obra social ou de “caridade”, de cunho assistencialista, para com aqueles que não enxergam. E isso não é verdade. As pessoas com deficiência visual querem ser tratadas com respeito, como consumidoras, como clientes e apreciadoras de arte e entretenimento.

No caso da AD, existem profissionais capacitados, empresas preparadas e com experiência para prestar um serviço de qualidade. Algumas podem realizar seu trabalho melhor do que outras. É a lei do mercado, o público irá decidir e escolher aquela AD que lhe agrada mais.
Nesse sentido, tratar as pessoas com deficiência visual como consumidores, como clientes, e não como “coitadinhos” ou “vítimas” de alguma coisa ainda é o mais difícil. Isso envolve uma mudança de postura e de pensamento. As pessoas com deficiência visual podem acompanhar os mesmos filmes, os mesmos espetáculos, desde que tenham as condições adequadas.

Quanto às alegrias, são imensas. Sou apaixonada pela arte da audiodescrição e por tudo que ela representa. Gosto das imensas possibilidades artísticas e literárias que ela propicia. É maravilhoso exercer a atividade de audiodescritora consultora, revisar roteiros, trocar ideias com os demais colegas da área, além de fazer parte de uma equipe maravilhosa na Tagarellas Audiodescrição (mais do que colegas, amigos para a vida toda). Enfim, é uma atividade que me realiza como pessoa e como profissional. Tenho alegrias constantes desde que me aproximei da audiodescrição enquanto espectadora e depois enquanto profissional.

4 – Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito?Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?

Mariana: Com certeza, não há dúvidas de que a audiodescrição é, acima de tudo, uma produção cultural e artística. Além de ampliar o conhecimento e o acesso do público aos produtos audiodescritos, amplia também o vocabulário, o entendimento do mundo, a apreciação e percepção cultural. A AD permite que as pessoas com deficiência visual vivam e sintam os espetáculos, filmes, teatros etc de forma intensa, autônoma e completa.

5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?

Mariana: Em primeiro lugar é preciso que as leis sobre acessibilidade que existem no Brasil sejam cumpridas. Já está determinada a inserção de duas horas semanais de AD na TV aberta, mas nem todas as emissoras estão cumprindo. E, mesmo aquelas que cumprem, às vezes disponibilizam uma AD de péssima qualidade, feita por pessoas desqualificadas e sem experiência na área.

Falta pressão por parte do público com deficiência visual, intelectual e todos os demais interessados. É importante lembrar que quase um quarto da população brasileira tem alguma deficiência, conforme dados do último Censo do IBGE. São pessoas que, como todas as outras, pagam seus impostos, fazem parte do mercado consumidor de cultural, arte, lazer e entretenimento. São pessoas que precisam ser contempladas em todo planejamento de qualquer evento, programação cultural, televisiva, cinematográfica etc. Não é mais espaço para pensamos apenas em um modelo de “consumidor-padrão”. A sociedade não comporta mais esse tipo de pensamento e atitude. Não existe mais um padrão de “normalidade”. Cada pessoa deve ser respeitada e atendida em suas necessidades.

Entrevista: Felipe Leão Mianes

Fonte: http://www.arteficienciavisual.blogspot.com.br/2013/02/audiodescritor-em-foco-p-entrevista-com.html

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