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O pior cego é quem não quer enxergar.

As pessoas olham para mim e percebem uma mulher com deficiência visual. Até ai, tudo certo. O problema é que, inevitavelmente, elas enxergam uma série de outras deficiências e incapacidades associadas. Apenas alguns exemplos a seguir para vocês entenderem do que estou falando.

– Você sempre foi assim?

– Nossa, você é tão bonita, nem parece que é cega.

– Pobrezinha, tão nova e já assim.

– Coitada, o que te aconteceu?

– Você anda na rua sozinha? Onde estão teus pais?

– Você sabe para onde vai?

– Você sabe que ônibus vai pegar?

– Você sabe onde vai descer?

– Você consegue chegar lá?

– Nossa, você é casada! Teu marido também é especial?

– Vocês moram com mais alguém que ajuda a fazer tudo?

– Você serve teu café sozinha? Não quer que eu sirva para você? É muito perigoso você vai se queimar…

– Você vai servir água sozinha? É perigoso, vai derramar…

– Como você anda na rua?

– Como você faz para andar em linha reta?

– Você trabalha?

– Você cozinha?

– Nossa, você é formada! Como fez para fazer a faculdade?

– Como você faz para se vestir?

– Quer que eu amarre teu sapato?

– Quer que eu coloque tua mochila nas costas?

Não contentes com essas perguntas, ainda escuto uma série de outras pérolas no sentido da cura ou da salvação espiritual:

– Não tem como fazer uma cirurgia?

– Nunca quis fazer um transplante?

– A medicina está tão avançada, em pouco tempo deve surgir algo
para você…

– Você já foi no centro espírita?

– Já fez promessa?

– Já foi no santuário…?

– Toma esse texto aqui, pede para alguém ler para você, tenho certeza que vai ajudar a te salvar….

– Não deve estar rezando com muita fé, tem que acreditar mais…

– Tenho uma simpatia que pode te curar…

– Vamos fazer uma cirurgia espiritual que vai te curar.

São tantas e tantas situações que fico exausta só de lembrar. Aqui tenho certeza que são apenas exemplos, devo estar esquecendo de várias situações, mas penso que com estes vocês conseguem ter uma ideia do que estou falando. Tudo isso para dizer que ando um tanto cansada de ser subestimada e colocada para baixo. Infelizmente as barreiras atitudinais são as mais graves. A falta de entendimento e de clareza da sociedade acerca de minha condição de pessoa com deficiência visual são as questões mais complicadas que enfrento diariamente. A subestimação, a falta de valorização, a colocação de minhas capacidades no lixo como se eu fosse inválida simplesmente por não enxergar.

O preconceito velado é o pior de todos. Ninguém me ofende diretamente, ninguém fecha a porta na minha cara, ninguém me xinga e até fingem que me tratam bem. Mas o que demonstram com suas ações é que pensam que não posso fazer nada. Não me passam trabalho. Não me solicitam nada. Não me incluem de verdade nas rotinas. Me colocam para baixo simplesmente por ignorância, por pura incapacidade de enxergar além da minha deficiência visual. Não sou barrada de entrar em um lugar, mas depois que estou dentro sou solenemente ignorada e subestimada. Essas atitudes doem muito, mais do que mil ofensas.

Na visão desses indivíduos, eu não deveria ser ninguém além daquela pessoa com bengala ocupando aquela mesa. Todos passam em volta e são coniventes com tudo isso. Ninguém é o responsável, mas todos são. Ninguém vai dizer que é preconceito, mas eu sei que é isso mesmo. Não tem outro nome. Mas para dizer que é preconceito eu preciso provar e é claro que ninguém vai admitir. Probavelmente eu estaria de “mi-mi-mi” e exagerando, pois todos lá me “adoram” como um bibelô. Digo isso porque se eu ficasse parada, sem incomodar, apenas como um enfeite, estaria tudo bem, estaria como elas queriam, como elas imaginavam que eu seria, apenas alguém para não fazer nada, um peso para ser carregado.

Não é preciso enxergar para perceber, é mais do que nítido que aquelas pessoas não me queriam ali. Eu não sigo o padrão. Eu questiono. Eu olho diferente para elas. Isso incomoda. Eu pergunto quem são., elas não sabem responder muito bem. Eu estou triste, ninguém vai notar. Eu sou apenas a deficiente visual daquele lugar.

Apesar de tudo isso, às vezes não sei muito bem de onde, mas tenho uma força interior que surpreende até a mim mesma. Quando meus olhos já estão marejados, estou com aquele aperto no peito e um nó na garganta, deixo passar um filme em minha mente. Lembro tudo que já passei até hoje, os obstáculos que tive que driblar, as atitudes preconceituosas que tive que superar, as portas que tive que forçar para abrir e a infinidade de “nãos” que levei e por sorte não acreditei neles. Até hoje tudo em minha vida sempre foi baseado em muita perseverança e na não-desistência. A teimosia, a insistência, a determinação, essas são minhas marcas registradas. Fico feliz comigo mesma ao constatar que cada não, cada atitude preconceituosa, cada porta aparentemente fechada, acabam me fortalecendo.

Percebo o quanto a sociedade ainda tem que evoluir. O quanto ainda tenho que demonstrar para as pessoas que o fato de eu ser uma pessoa com deficiência visual não me incapacita nas demais atividades da vida. Talvez eu não consiga ler a placa, mas talvez eu saiba melhor onde ir do que muitas das pessoas que enxergam. Talvez eu não saiba a cor de uma roupa, mas isso não me impedirá de me vestir sozinha, de buscar uma boa combinação, ser vaidosa, sair de casa, pegar ônibus, trabalhar, me divertir e viver. Tenho o mundo a desbravar, sonhos a realizar. É claro que tudo isso tem um custo emocional às vezes bastante elevado. Preciso quebrar barreiras o tempo inteiro em cada lugar novo que chego. Isso sinceramente cansa, por vezes fico exausta.

Muitas vezes me bate aquela vontade de que eu pudesse chegar em um contexto diferente sem precisar ficar explicando tudo, sem ser tão interrogada, sem ter que passar por perguntas constrangedoras o tempo todo, sem ter que ser simpática com pessoas sem a menor empatia e sem o menor bom senso. Queria apenas naturalidade. Será que estou pedindo demais?

Peço por gentileza que não tornem-se pessoas cegas por opção. Que abram os olhos e vejam as capacidades de todos os que os cercam. Jamais digam não antes de verificar todas as formas de dizer sim. Para além de uma deficiência, há um milhão de possibilidades.

O VER É DIFERENTE PARA TODOS

Por: Luciane Franzoni Reinke – jornalista e mestre em Letras

Em todo o Brasil temos 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual. Desse total, conforme o último Censo do IBGE, apenas 500 mil são cegas. Os outros seis milhões de indivíduos tem baixa visão. E o que significa ter baixa visão? Este é o nome genérico para designar um nível de visão inferior a 30% – quando a pessoa possui um resíduo visual bastante útil em diversas situações cotidianas.

A baixa visão é ocasionada em função de diabetes, catarata, glaucoma, retinose pigmentar, problemas na mácula, nervo ótico, retina, entre outras questões congênitas ou adquiridas ao longo da vida. Este grupo de pessoas, embora seja a maioria dentro do universo da população com deficiência visual, ainda é pouco conhecido e compreendido socialmente.

O livro “Histórias de Baixa Visão”, organizado por Mariana Baierle – jornalista e mestre em Letras -, busca trazer visibilidade ao segmento, mostrando que se trata de uma maneira muito própria de enxergar e de se relacionar com o mundo, o que coloca estes sujeitos em uma posição intermediária entre a cegueira e a visão dita “normal”. Mais do que esclarecer e chamar atenção para o elevado número de pessoas com baixa visão, a obra nos leva à bela reflexão de que ninguém no mundo enxerga de forma igual, independente do nível clínico de visão. Essa perspectiva nos conduz a um passeio na voz de 19 autores que contam as suas experiências, mostrando as diversas nuances do tema. Será que todas as pessoas com baixa visão e cegos tem os mesmos desafios? Existe uma regra geral de desenvolvimento, de adaptações e de aceitação? São perguntas que dentro deste âmbito muitos devem se questionar, como pais, professores, amigos, sociedade em geral.

O conhecimento de quem vive na prática os desafios de estar em um mundo que não é projetado para quem tem alguma diferença ou foge dos padrões da dita “normalidade” é essencial para repensarmos esses padrões. Nesse sentido, o livro dá a exata dimensão de como cada indivíduo vive e se insere no mundo a partir de um olhar próprio.
Conhecer as histórias de Adenirce Davi, André Werkhausen Boone, Ariane Kravczyk Bernardes, Fernanda Shcolnik, Franciele Brandão, Gabriel Pessoa Ribeiro, Gilberto Kemer, Grazieli Dahmer, Maicon Tadler, Manoel Negraes, Mariana Baierle, Marilena Assis, Rafael Braz, Rafael Faria Giguer, Rafael Martins dos Santos, Renato D’Ávila Moura e Teco Barbero é passar a entender como cada ser humano pode enxergar de diversas maneiras. A obra relata também a experiência de duas professoras: Fernanda Cristina Falkoski e Heniane Passos Aleixo que atuam com pesquisa e ensino de pessoas com deficiência.

“Histórias de Baixa Visão”, uma publicação da Editora CRV através do selo MouraSA, encontra-se dividido em quatro grandes partes e 19 capítulos. É um livro cheio de sentimentos, estruturando-se assim: Parte I – Descoberta e ressignificação da baixa visão; Parte II – O uso da bengala: entre a negação, a aceitação e a autonomia; Parte III – Episódios difíceis, cômicos ou inusitados da baixa visão; Parte IV – Além do que não se pode ver e ouvir: baixa visão e as intersecções com a surdocegueira.

Venha se emocionar com uma obra que veio para mostrar o quanto é importante o respeito às diferenças e o quanto podemos sempre aprender uns com os outros. O lançamento será na 64ª Feira do Livro de Porto Alegre, Praça da Alfândega (Centro Histórico). Haverá um bate-papo com os autores na Sala Oeste do Santander Cultural, no dia 18 de novembro (sábado), às 15h. A obra estará disponível na Feira do Livro ou no próprio site da Editora CRV a partir de novembro. Acompanhe também a página no Facebook: Livro Histórias de Baixa Visão.

SERVIÇO:

O quê: Lançamento do livro Histórias de Baixa Visão e bate-papo com os autores

Quando: 18 de novembro (sábado)

Local: 64ª Feira do Livro de Porto Alegre – Santander Cultural – sala Oeste

Horário: 15h

Autores: Mariana Baierle (organizadora), Adenirce Davi, André Werkhausen Boone, Ariane Kravczyk Bernardes, Fernanda Cristina Falkoski, Fernanda Shcolnik, Franciele Brandão, Gabriel Pessoa Ribeiro, Gilberto Kemer, Grazieli Dahmer, Heniane Passos Aleixo, Maicon Tadler, Manoel Negraes, Marilena Assis, Rafael Braz, Rafael Faria Giguer, Rafael Martins dos Santos, Renato D’Ávila Moura e Teco Barbero

Facebook: Livro Histórias de Baixa Visão

Turismo Acessível em Pelotas/RS

Conhecer a lugares tradicionaiss na cidade gaúcha de Pelotas, como as charqueadas e o Museu do Doce, com o acompanhamento de guias que resgatam toda a história e a cultura do local. Essa é a proposta do PRIMEIRO ENCONTRO OLHO DE SOGRA, que irá levar o público com deficiência visual para um divertido passeio cultural no município. O título “Olho de Sogra” remete ao tradicional doce que torna a cidade conhecida e também é uma brincadeira com o “olho” e a dificuldade de enxergar por parte do público-alvo do passeio. As atividades serão nos dias 29 e 30 de abril – junto ao feriado do dia 1o de maio – e chamam atenção para a importância do turismo acessível a todos os públicos.

As inscrições para participar do Encontro estão abertas e você pode se programar. A iniciativa surgiu por parte do consultor em acessibilidade em ambientes culturais Leandro Pereira, que cursa Museologia na Universidade Federal de Pelotas e, por ter deficiêncis visual, acaba sentindo na prática as dificuldades de realizar passeios turísticos. Segundo ele, todos os pontos visitados terão guias e contarão com audiodescrição do espaço. Fazem parte da equipe de recepção estudantes e profissionais de Museologia, Terapia Ocupacionale t Turismo, o que evidencia a importância de uma abordagem interdisciplinar da proposta. Se você se interessou entre em contato através do e-mail:

encontroolhodesogra@gmail.com

Ou pelo link:

www.sitiodosvox.com/olhodesogra

Moraes Moreira faz show no aniversário da ACERGS

O programa Conversa de Botequim do dia 08 de outubro de 2015, da rádio FM Cultura, apresenta show de Moraes Moreira exclusivo para associados da Acergs (Associação de Cegos do RS). O artista realizou um show em Porto Alegre exclusivo para associados e convidados da Acergs. Na plateia estavam aproximadamente 60 pessoas com deficiência visual. O show faz parte das comemorações de aniversário da entidade, que passa por dificuldades financeiras e pede ajuda da população para dar continuidade ao trabalho que realiza. Vale a pena acompanhar o programa!

Conversa de Botequim – 08/10/2015 by Fm Cultura 107.7 on Mixcloud