Banquinhos diferentes para pessoas diferentes

“Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza” (Boaventura Souza Santos).

Ainda estou emocionada com o Seminário que ocorreu essa quarta-feira (26/2) em Porto Alegre sobre Acessibilidade em Concursos Públicos. O auditório da Defensoria Pública do Estado, com lugar para noventa pessoas, estava completamente lotado, com gente de pé. Foram pessoas que dedicaram uma tarde inteira de um dia de semana, com chuva, para estar no evento.

Presenciei pela primeira vez pessoas cadeirantes, cegas, com baixa visão, mobilidade reduzida e pessoas sem deficiência unidas pela mesma causa. O tema sensibilizou a todos, salientando o quanto ainda é preciso avançar em termos de acessibilidade em concursos. O evento foi divulgado com pouca antecedência (de uma semana para outra) e, ainda assim, teve uma repercussão enorme.

Durante minha fala pude entregar formalmente à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Estado (na figura da diretora de Direitos Humanos Tâmara Biolo Soares) a lista de 14 propostas para ampliar a acessibilidade em concursos, que está publicada aqui no blog (postagem anterior). O texto foi redigido por mim com sugestões e alterações indicadas pelos leitores do Três Gotinhas (a quem, mais uma vez, agradeço pelos encaminhamentos e pela participação nesse movimento – seja através das redes sociais ou presencialmente lá no seminário).

A palestra que abriu a tarde foi do auditor fiscal do trabalho de Pernambuco Fernando André Sampaio Cabral. A fala dele foi muito densa sobre legislação brasileira, Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e as aplicações disso tudo nos concursos.

Um dos maiores problemas enfrentados pelos candidatos ainda é a alegação das bancas de que todos deverão ter “igualdade de condições” para realizar a prova. O maior problema, segundo ele, é justamente a interpretação que se dá ao termo “igualdade”. Conforme lembrou o palestrante. “igualdade” não significa tratar igualmente aqueles que são diferentes, mas sim tratar de maneira diferente aqueles que são diferentes – promovendo a justiça e a equidade de condições.

Em tempos de Copa do Mundo, o auditor fez uma analogia bem prática e eloquente. Citou o caso de três pessoas com estaturas diferentes, que querem assistir a um jogo de futebol em um estádio. Uma é muito alta, outra tem estatura média e outra é bem baixinha. Aquela que é bem alta consegue assistir com tranquilidade ao jogo. Aquele que tem estatura média precisa subir em um banquinho para ver o jogo. E aquela que é bem baixinha precisa de dois banquinhos para ver o jogo. Desse modo, os três podem assistir ao mesmo jogo: um sem nenhuma adaptação e os outros cada um com a adaptação necessita.

(Desculpem interromper o raciocínio, mas preciso fazer uma observação importante: se um deles fosse cego ou com baixa visão não adiantaria nada o banquinho. Seria preciso, sim, um fone de ouvido com audiodescrição!).

Esse exemplo é bastante significativo, pois o que ainda falta às bancas e entidades que aplicam as provas de concursos é fazer valer o direito das pessoas de utilizarem-se do “banquinho” mais adequado para elas, de modo que possam executar a mesma prova que os demais.

Não é possível normatizar as deficiências e particularidades de cada sujeito e colocar todos os candidatos em condições de “igualdade” quando as pessoas não são iguais. Lembrando o caso que ocorreu comigo na prova da Secretaria da Saúde do RS aplicada pela Fundatec, não é possível pré-estabelecer que todos os candidatos com baixa visão irão ler a prova com uma fonte 16 (sendo que eu solicitei fonte Arial Black 22). Do mesmo modo, não é possível estabelecer que todos os candidatos cegos queiram realizar a prova em braile ou com ledor. É preciso que as pessoas tenham opção de escolha e tenham sua autonomia garantida.

Nesse sentido, as bancas organizadoras de concursos teriam muito a aprender com o Programa Incluir da UFRGS, que atende os alunos e servidores com deficiência da Universidade. Foi lá o primeiro lugar, durante toda minha vida escolar e acadêmica, em que me perguntaram: “O que você precisa?”. O tamanho da fonte não foi imposto. A necessidade de utilizar braile não foi imposta, nem mesmo a obrigação de contar com um ledor. Entretanto, esses recursos estavam lá e eu poderia contar com eles conforme minhas necessidades. Ou seja, ninguém poderia decidir por mim quais seriam os melhores recursos.

A própria forma como as bancas de concursos apresentam o formulário de atendimento especial no Edital já revela a tentativa de normatização a qual as pessoas com deficiência são submetidas sumariamente. Existe a opção para eu marcar “prova ampliada”, mas não há o campo em branco para eu preencher o tamanho da letra e a fonte necessária. Há a opção “sala de fácil acesso”, mas não existe a espaço para especificar outras adaptações necessárias na sala, como, por exemplo, mesas ou cadeiras adaptadas (para pessoas com nanismo, paralisia ou outras dificuldades motoras). Ou seja, existem questões que sequer tem espaço para serem mencionadas nesse formulário em que o candidato indica suas necessidades.

Ignorar as demandas específicas de cada candidato, conforme lembrou o auditor Fernando, é um ato discriminatório e é crime. Dizer que o único tamanho possível de ampliação de prova é com fonte 16 é inconstitucional. Na verdade, uma adaptação muito simples de ser oferecida como essa já não é cumprida. Imaginem outras adaptações mais elaboradas!

Foram muitos problemas identificados ao longo de seminário. Não restam dúvidas quanto à precariedade dos concursos quanto à acessibilidade. Como encaminhamento do evento, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do RS se comprometeu a criar um Grupo de Trabalho para tratar do tema e, a partir disso, estabelecer um regulamento para ser válido em todos os concursos do Estado.

Espero que esse Grupo de Trabalho seja composto o mais rápido possível e que seja formado também pelas próprias pessoas com deficiência e entidades representativas, pois são elas quem realmente poderão responder à pergunta: “O que vocês precisam?”.

Ouvir as demandas da sociedade nesse Seminário foi o primeiro passo. Espero que, daqui pra frente haja comprometimento efetivo de todos os envolvidos nesse processo (principalmente as bancas organizadoras de concursos).

Precisamos dar “banquinhos” diferentes para aqueles que são diferentes. Caso contrário, a deficiência do Estado continuará anulando as características e peculiaridades de candidatos com deficiência – que estão em busca de oportunidade de trabalho e de mostrar o seu talento e capacidade para contribuir com o setor público brasileiro e com a construção de uma sociedade mais justa e “igualitária”, com respeito as diferenças.

Catorze propostas para ampliar a acessibilidade em concursos públicos

Formalizo aqui algumas sugestões/ orientações para os organizadores de concursos. Esse documento será entregue por mim formalmente na próxima quarta-feira (26) durante o seminário sobre Acessibilidade em Concusos Públicos do RS. Disponibilizo esse material aqui para que os leitores do blog Três Gotinhas possam também encaminhar suas sugestões, alterações do texto ou acréscimos. Aguardo a participação de todos.

1 – O prédio onde a prova de concurso público for realizada deverá contar com acessibilidade plena para todos os candidatos. Isso inclui rampas de acesso, banheiros adaptados para cadeirantes, sinalização adequada (em braile e fontes ampliadas e com alto contraste), piso tátil e elevador. O local deverá ser de fácil acesso com transporte público.

O entorno do prédio deve ser observado também. As caçadas precisam estar em bom estado de conservação. Não pode haver barreiras bloqueando que impeçam ou dificultem a chegada dos candidatos (tais como contêineres no caminho, lixo, obras não sinalizadas, pedras, buracos, orelhões ou outros obstáculos aéreos não sinalizados etc). Devem existir rampas de acesso nas calçadas e sinaleiras sonoras. O candidato precisa ter garantido seu direito de chegada ao espaço de realização da prova com segurança e autonomia, sem correr riscos de lesões físicas ou de não conseguir chegar ao local por falhas na comunicação (em função de falta de sinalização ou informações adequadas).

É necessária a verificação nas condições de acessibilidade no entorno do local de realização de provas por candidatos com deficiência. Isso deve ocorrer em tempo hábil para que sejam tomadas as providências de implementação de acessibilidade (sinaleiras sonoras, rampas, conserto de calçadas, desobstrução de caminhos etc). Um especialista em acessibilidade e as próprias pessoas com deficiência deverão indicar quais as barreiras existentes no trajeto entre as paradas de ônibus mais próximas e o prédio em que será realizado o concurso. Com essa verificação torna-se obrigatório que o poder público tome as devidas providências em tempo hábil, antes da realização do concurso.

2 – O candidato com deficiência física (nanismo, atrofia ou ausência dos membros ou outra condição) deverá realizar sua prova em cadeira e mesa adaptados para sua altura e tipo físico, de modo que possa realizar a prova sentado, com ergonomia e conforto adequados. Pessoas com mobilidade reduzida, amputação de um dos membros, paralisia ou qualquer outro tipo de deficiência que necessitarem adaptações no mobiliário para realizar suas provas também deverão solicitar no ato da inscrição, especificando o tipo de adequação necessária.

3 – O candidato com deficiência visual deverá fazer sua prova em uma sala separada dos demais candidatos. Isso porque ele precisará ditar suas respostas para serem transcritas para a grade de respostas, ou ainda, em função da utilização de prova ampliada (que facilita a “cola” por outros candidatos). No caso do candidato que opte por um ledor também precisará se comunicar o tempo todo com a pessoa, o que é inviável em uma sala com outros candidatos.

4 – Os fiscais, volantes, seguranças e toda a equipe que trabalha durante a realização do concurso deverão ser capacitados para guiar adequadamente pessoas com deficiência visual nas dependências do local. O candidato poderá necessitar de auxílio para encontrar sua sala, sanitários, entrada/ saíde do prédio. É importante que a equipe saiba como prestar esse tipo de auxílio, sem “empurrar” o candidato, mas estendendo o braço e avisando os obstáculos pelo caminho.

Recomenda-se que pelo menos uma pessoa com esse tipo dde capacitação esteja em cada uma das portas de acesso ao prédio de provas no momento da entrada dos candidatos. Assim, o candidato que encessitar de auxílio já será recepcionado logo na entrada por esse profissional.

Da mesma forma, faz-se necessária a presença de um profissional intérprete de Libras em cada uma das entradas do prédio para receber ou prestar qualquer tipo de informação aos candidatos surdos ou com deficiência auditiva usuários de Libras.

5 – O candidato com deficiência visual tem o direito a uma hora adicional para realização de sua prova, visto que ele demora mais para realizar a leitura e trnascrição de suas respostas. No caso de concursos que tenham provas no turno da manhã e da tarde, o tempo do intervalo de almoço desse candidato deverá ser respeitado, tendo ele o mesmo tempo de intervalo dos demais candidatos.

6 – O candidato com deficiência visual deve ter a opção de escolher o formato que deseja realizar sua prova de modo que sua autonomia e independência sejam garantidos. É o próprio candidato quem deve indicar a melhor maneira e formato de realização de sua prova, não podendo em hipótese alguma essa opção ser imposta pela banca organizadora, conforme as opções a seguir:

a) em Braille;

b) fonte ampliada (no tamanho adequado para ele). O candidato deverá escolher o tamanho da fonte em que tem condições de realizar a prova. Esse tamanho não pode ser estabelecido previamente pela banca do concurso. Os organizadores do concurso deverão respeitar a opção de fonte e tamanho de letra solicitados pelo condidato. De modo geral, para pessoas com baixa visão a fonte ARIAL BLACK é uma das mais utilizadas, pois apresenta bastante contraste, o que facilita a visualização do candidato.

c) no computador com a utilização de software ledor. No ato da inscrição, o candidato deverá ter a opção de escolha entre diversos softwares ledores (pois nem todas as pessoas com deficiência visual utiklizam o mesmo softaware ledor). Deverá ser informado também sobre qual a versão do software ledor será utilizada no dia da prova.

d) no computador com a utilização software ampliador de tela. No ato da inscrição, o candidato deverá ter a opção de escolha entre diversos ampliadores de tela (pois nem todas as pessoas com deficiência visual utiklizam o mesmo ampliador). Deverá ser informado também sobre qual a versão desse ampliador será usada no dia da prova.

e) No computador com a utilização de software ledor e ampliador de tela (simultaneamente). Essa opção também é frequentemente necessária para candidatos com baixa visão, pois pode fazer uso dos dois recursos conforme suas necessidades.

f) com o auxílio de um profissional ledor. Caso opte por essa opção, o candidato deverá receber o auxílio de um profissional ledor preparado adequadamente para tal função. O ledor precisa estar habituado a ler provas para pessoas com deficiência visual, fazendo pontuações adequadas, lendo legendas, símbolos matemáticos, termos em outro idioma, linguagem de informática e programação etc. Esse profissional rpecisa ter domínio sobre as nomenclaturas de todo tipo de símbolo que possa aparecer na prova (de modo a não prejudicar o candidato). Éle deverá ler todas as questões quantas vezes forem solicitadas pelo candidato (dentro do tempo da prova), sem emitir opiniões ou fazer qualquer tipo de entonação diferente que possa induzir o candidato a determinada resposta ou prejudicar sua interpretação e raciocínio durante a prova.

7 – Para transcrição de questões dissertativas ou redação, o candidato com deficiência visual também poderá optar pela forma mais adequada para redigir seu texto, conforme as opções:

a) Redigir sua redação no sistema braile, utilizando sureglete e punsão

b) Redigir sua redação no sistema Braille utilizando amáquina de escrever braile

c) Redigir o texto no computador, com o auxílio do software ledor ou do ampliador de tela

d) Redigir sua redação por conta própria, utilizando caneta hidrocor preta com a ponta grossa. Deverá receber uma folha pautada com as linhas pretas grossas e reforçadas (para permitir sua visualização).

e) Poderá ditar sua redação para o profissional ledor que lhe acompanha, indicando pontuação e grafia das palavras.

f) Poderá ainda gravar em áudio (com um gravador fornecido pela banca) o texto de sua redação/ questões dissertativas, ditando as pontuações a e a grafia correta das palavras. Esse texto será transcrito posteriormente por um proffssional que irá digitá-lo no computador ou redigi-lo manualmente, transcrevendo exatamente o texto gravado pela candidato.

8 – No caso do candidato com baixa visão, a iluminação da sala é um fator importante. Algumas pessoas precisam estar em um local bastante iluminado para realizar sua prova. Outras em um local com menos luz ou sem a incidência direta de raios do sol. Por isso, esses fatores devem ser levados em consideração do momento de acomodar o candidato na sala. Caso ele considere necessário um local com maior ou menor iluminação, também poderá solicitar no momento da inscrição.

9 – O candidato com deficiência visual precisa ter acesso às imagens, ilustrações, gráficos, tabelas, charges, mapas ou qualquer outro elemento visual que faça parte da prova. Existem normas e diretrizes para a descrição de imagens, que permitem a compreensão clara por parte da pessoa com deficiência visual. Por isso todas as imagens de cada questão precisam vir descritas previamente e incluídas junto ao enunciado das questões que contem imagens ou elementos visuais.

Esse trabalho precisa ser feito por um profissional audiodescritor, que é o único qualificado para tal função, e não pode ser realizada no momento da prova e de forma improvidada pelo ledor ou fiscal da sala. Mesmo quando a descrição é feita por um audiodescritor, precisa passar por uma revisão e ser ajustada da maneira mais objetiva possível. Por isso, precisa ser feita previamente.

É importante que essa descrição seja feita com antecedência para que a prova já seja entregue ao candidato com as descrições de imagens fazendo parte de seu conteúdo. Ou seja, todas as questões que tiverem gráficos ou imagens terão junto um box intulado “descrição da imagem”. Dessa forma, todos os candidatos com deficiência visual terão assegurados seu direito ao conteúdo integral das questões.

Caso essa descrição de forma profissional e com qialidade não seja providenciada, fica proibido que as provas tenham imagens, gráficos, tabelas, mapas ou qualquer outro elemento visual que possa impedir seu acesso por candidatos comd eficiência visual.

10 – Os concursos públicos só poderão cobrar nos seus editais bibliografia acessível para todos os candidatos. Ou seja, é preciso que as referências bibliográficas cobradas em provas de concurso estejam acessíveis em formato digital para que os candidatos com deficiência visual tenham acesso. Como muitas vezes será difícil encontrar bibliografia específica já em formato acessível (o que inviabilizaria a realização de qualquer concurso em função da falta de obras acessíveis), o próprio Estado e as bancas de concursos podem firmar um convênio para que o poder público responsabilize-se por adaptar os títulos e disponibilizar, junto com o lançamento do edital, as obras solicitadas em formato acessível para pessoas com deficiência visual. Assim, os candidatos com deficiência visual terão equidade de oportunidade de estudo e preparação para o convurso.

Caso contrário, o candidato com deficiência visual fica na dependência de encontrar voluntários ou pagar pessoas para que façam a leitura das obras ou sua digitalização para o formato acessível. Se essa adaptação das obras fosse viabilizada pelo Estado desde o lançamento do edital os candidatos com deficiência visual não seriam prejudicados em sua preparação para as provas.

O poder público poderá providenciar as obras em formato acessível adaptando-as junto ao Centros de Apoio Pedagógico (que já possuem estrutura de adaptação de material didático para as escolas públicas), junto à FADERS ou através de outros órgãos competentes. Outra opção ainda seria através do contato direto com as editoras das obras, solicitando-lhes o arquivo digital dos livros – o que facilitaria o processo, diminuindo o tempo e trabalho despendido para adaptaç~ta das obras. Cabe ressaltar que, nesse caso, não há qualquer violação aos direitos autorais, visto que esse tipo de adaptação é destinada apenas para pessoas com deficiência visual (que inclusive podem ser solicitadas a assinar um termo de compromisso com os arquivos digitais das obras).

11 – Com relação à prova de informática vale lembrar que as provas, da forma como são feitas atualmente, não contemplam candidatos com deficiência visual usuários de softwares leitores de tela. Para o usuário desse sistema situações como “abrir determinada janela”, “clicar em determinado ícone”, “escolher determinado símbolo ou imagem” não acontecem da mesma forma e esses termos acabam não fazendo sentido algum. O candidato usuário de softaware ledor acaba sendo obrigado responder questões de informática fora de seu universo de conhecimento. Além do mais, são questões sobre um modo de interagir com o computador que ele jamais utilizará. Ou seja, a avaliação não é justa e não é capaz de medir, de fato, seus conhecimentos e capacidades na área de informática.

Proponho, nesse caso, que, no ato da inscrição, o candidato com deficiência visual possa optar por responder as questões de informática iguais aos demais candidatos videntes ou possa optar por responder questões focadas para usuários de leitor de tela. Cabe salientar que o conteúdo solicitado, o grau de exigência e as habilidades cobradas na prova devem ser as mesmas. A única alteração será na forma de redação das questões, que contemplará os comandos de áudio, comandos do teclado e o modo de interação com a informática próprio da pessoa com deficiência visual. Cada uma das questões deverá ser “adaptada”, na medida do possível, para a linguagem adequada e a forma de interação própria da pessoa com deficiência visual.

É importante lembrar que nem todas pessoas com deficiência visual são usuárias de softaware ledor, sendo muitas usuárias apenas de fontes ampliadas. Por isso, o candidato auto-declarado com deficiência visual não deverá ser “obrigado” a realizar prova nessa modelo. Ele deverá optar, no ato da inscrição, por realizar a prova de informática “para usuários de leitor de tela” ou para “não-usuários de softwares leitor de tela”.

12 – No ato de inscrição para qualquer concurso, o candidato precisa providenciar um laudo médico atestando sua deficiência apenas para poder realizar a prova e receber as adaptações solicitadas. Mesmo tendo uma deficiência congênita e que não será alterada ao longo da vida, as bancas exigem laudo emitido nos últimos noventa dias por um medico especialista na sua deficiência, o que acaba excluindo sumariamente do processo muitos candidatos simplesmente por não conseguirem apresentar o laudo em tempo. Tendo em vista as limitações do Sistema Único de Saúde e a demora para conseguir uma consulta médica, bem como os preços elevados cobrados por médicos particulares, muitos candidatos não conseguem concorrer em concursos em função dessa exigência de laudo para prestar a prova.

Caso aprovado pelo sistema de cotas o candidato precisará comprovar novamente sua deficiência, passando pela avaliação de um médico perito do próprio órgão em que for nomeado. Ou seja, solicitar laudo médico antes de sua aprovação, simplesmente para a realização da prova, acaba sendo uma burocracia desnecessária e excludente. Sugiro, desse modo, que o laudo médico seja cobrado somente no momento da aprovação do candidato no concurso, no ato da entrega de documentos para nomeação.

13 – No momento da aprovação, a perícia que irá avaliar a compatibilidade do candidato com o cargo deverá ser feita não apenas por um médico perito (que muitas vezes não conhece a deficiência do profissional a fundo e os recursos disponíveis para melhor qualidade de vida), mas por uma equipe multidisciplinar. Esse equipe deverá conter psicólogos, professores especializados na deficiência do candidato e profissionais da área/ setor de atuação do candidato com deficiência. Desse modo, a avaliação não será apenas clínica e levará em consideração todas as habilidades e potencialidades do candidato.

É importante que, mesmo no caso de desconhecimento por parte da equipe multidisciplinar, o candidato posssa passar pelo estágio probatório, onde possa adaptar-se à nova atividade e mostrar suas competências. Assim como qualquer profissional, caso não tenha desempenho satisfatório poderá ser excluído nesse processo. Mas é fundamental que tenha as mesmas oportunidades que os demais candidatos (sem deficiência).

14 – É importante que todos os prédios públicos estejam preparados para receber servidores com deficiência. O ambiente físico precisa ser adequado, atendendo às normas básicas de acessibilidade. Além disso, o ambiente de trabalho precisa ser preparado e sensibilizado para receber o profissional com deficiência.

O próprio setor de Recursos Humanos do órgão onde o servidor com deficiência for lotado deve viabilizar, no período de ingresso e adaptação do funcionário, debates, dinâmicas ou palestras informativas sobre o tema. É importante que colegas de trabalho, chefes e funcionários de todos os setores tenham acesso a informações, esclarecimentos e saibam como acolher o novo funcionário de maneira adequado, visando sua adaptaçãoo, bom rendimento no trabalho e bom relacionamento com os colegas.

OBSERVAÇÃO: Esse documento foi elaborado por mim, tendo recebido sugestões e acréscimos de outras pessoas com deficiência visual. Por isso, grande parte do conteúdo contido aqui está focado nesses candidatos. Saliento a importância da consultoria de pessoas com outros tipos de deficiências para que possamos contemplar às demandas e necessidades de todos.

Mariana Baierle –
mariana.baierle@uol.com.br

www.tresgotinhas.com.br

Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2014

Seminário discute acessibilidade em concursos públicos

Após tantos problemas no último concurso público que realizei para a Secretaria de Saúde do RS hoje recebi a notícia de que a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do RS realizará na próxima semana um seminário para discutir a acessibilidade nos concursos do Estado. Estarei lá como uma das painelistas. O evento é aberto ao público.
Considero imensamente importante a presença de outras pessoas com deficiência, que também vem passando por todo tipo de constrangimentos e dificuldades no acesso e realização de provas em concursos.

Será um momento impar para discussão e encaminhamento de medidas concretas já para os próximos concursos. Conto com o apoio dos leitores do Três Gotinhas replicando essa postagem e ajudando a divulgar o evento. Temos que aproveitar essa oportunidade e nos fazermos ouvir! Segue abaixo toda a programação.

O que: Seminário “A Acessibilidade nos Concursos Públicos Estaduais”

Data: 26 de fevereiro de 2014 (quarta-feira)

Horário: 14 horas

Local: Auditório do PROCON (Rua Sete de Setembro, 723, 4º andar – Centro – Porto Alegre/ RS)

Realização: Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos

PROGRAMAÇÃO

– 14 horas –
Mesa de Abertura:
Fabiano Pereira, Secretário de Estado da Justiça e dos Direitos Humanos; Representante da SARH; Roger Prestes, vice-presidente do COEPEDE

– 14:30 horas –
Palestra “Pessoas com Deficiência e o Direito ao Concurso Público” com o Dr. Fernando André Sampaio Cabral – Auditor Fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Recife, PE – Coordenador Estadual do projeto de inclusão de pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social no mercado de trabalho

– 15:30 –
Painel: O acesso das pessoas com deficiência aos concursos e cargos públicos no Rio Grande do Sul

Coordenação: Adilso Corlassoli, assessor de Políticas para Pessoas com Deficiência da SJDH

Painelistas: Mariana Baierle, Jornalista, Mestre em Letras, apresentadora do Programa Cidadania da TVE e blogueira; Dr. Jorge Luis Terra da Silva, Procurador do Estado; Marli Conzatti, Diretora Presidenta da FADERS; Representante da SARH; Representante da FDRH; Dra. Ana Maria Machado da Costa, Auditora Fiscal da SRTE/MTE, Coordenadora do projeto de inclusão das pessoas com deficiência no trabalho;

Outros abusos no mesmo concurso: relato de Rafael Braz

Desde que publiquei aqui no Três Gotinhas meu relato contando o que aconteceu no concurso da Secretaria da Saúde do RS tenho recebido diversos relatos de outras pessoas que também sofrem com a falta de acessibilidade em concursos públicos. Segue abaixo o relato de Rafael Braz, que também tem deficiência visual e prestou o mesmo concurso. Ao contrário de mim, ele solicitou justamente fazer a prova com um ledor. E vejam tudo o que aconteceu durante a prova dele!

“Mariana, assim como aconteceu contigo no concurso público para a Secretaria Estadual da Saúde, organizado e realizado pela Fundatec, também tive uma série de problemas para fazer a prova. Primeiramente, fiz a minha inscrição para o cargo de Assistente em Saúde – Nível Médio, com a entrega do laudo fornecido pelo meu oftalmologista, com todas as informações solicitadas no edital. Anexos IV e V também preenchidos pelo mesmo médico, com todos os dados requeridos para concorrer pelas vagas para pessoas com deficiência e para solicitar condições especiais para fazer a prova, no meu caso, o auxílio de um profissional que me leia os conteúdos e preencha as respostas que eu vou informando ao longo da prova.

Quando a Fundatec divulgou a homologação das inscrições, verifiquei que somente estava concorrendo pelas vagas reservadas, mas que a minha solicitação de ledor havia sido indeferida, com a informação de que determinados itens do edital não tinham sido preenchidos. A partir disso, eu e minha esposa conferimos todos os itens, pois antes de entregar na Fundatec, guardamos cópias de todos os documentos entregues, e constatamos que não havia erros ou faltas na inscrição e na solicitação de condição especial para a realização da prova.

O próprio site da Fundatec disponibilizou um link para recursos contra esses indeferimentos, no campo indicado, elaborei meu recurso, explicando a situação, com minhas palavras, informando que sequer adiantaria eu comparecer no dia e local da prova sem a disponibilização do ledor, pois não teria como ler a prova. Nesse momento, estava certo de que eles concederiam, pois há mais de cinco anos, fiz concurso público com eles e obtive todo o atendimento solicitado corretamente.

Na semana anterior à prova, vi que o recurso também havia sido indeferido, e nesse momento, contatei meu advogado, que obteve na Justiça o auxílio de ledor para mim. No domingo, quando cheguei para fazer a prova, procurei a coordenadora responsável no prédio indicado no site da Fundatec. Ela me encaminhou juntamente com a ledora para a sala de aula original da homologação, conforme a ordem alfabética do meu nome (coletiva). Eu e a ledora não estávamos acreditando. O fiscal da sala, totalmente despreparado, nos encaminhou para o fundo da sala de aula, me perguntando se durante a prova eu iria precisar conversar algo com a ledora (será que ele pensou que ela faria a prova sozinha para mim? Ou será que ele pensou que ela apenas iria me ver fazer a prova sozinho?), respondi a ele que sim, que falaria com ela a todo momento, durante toda a prova.

Enquanto eu e ela estávamos no fundo da sala, conversando sobre o quanto todos nós, eu e os demais candidatos sentados ali ao lado, seríamos prejudicados por fazermos a prova no mesmo ambiente, a ledora foi ao fiscal e à coordenadora para reclamar por uma sala exclusiva para nós, como sempre faço os concursos públicos. Após alguns instantes, a coordenadora veio até mim e informou que eu deveria aguardar a leitura das regras do concurso que é feita antes da prova e, depois do sinal sonoro avisando o início, ela viria nos acompanhar, eu e a ledora, até a nova sala de aula.

Então, até o momento, estávamos nessa sala, no fundo do corredor do quinto andar do prédio, e, após o sinal de aviso do início, veio a coordenadora e nos guiou até a última sala do final do corredor do andar seguinte (sexto andar). Ao chegarmos lá, a sala estava ocupada e ela então me pediu desculpas, dizendo que errou o andar, que a sala correta era no sétimo andar. Lá fomos nós, tudo de novo, Finalmente, no final do corredor, a última sala estava vazia, e lá começamos a fazer a prova.

A partir desse momento, consegui desenvolver a prova de Língua Portuguesa, porém, após cerca de uma hora e meia ou duas horas do início, chegou o lanche da ledora. Ela não quis parar para comer, para não me prejudicar no tempo para fazer a prova, com isso, um fiscal disse que iria solucionar e, após alguns minutos, apareceu na sala com outro rapaz, que me pareceu ser outro fiscal, para ler a prova pra mim enquanto a ledora fazia o lanche. O rapaz estava super bem intencionado, mas o coitado não tinha nenhuma prática necessária para me auxiliar, pude perceber que ele estava muito inseguro e tenso. Consegui apenas fazer duas questões com ele. A ledora comeu o mais rápido que pode para voltar logo. Continuamos a prova e fomos interrompidos mais umas 3 ou 4 vezes, em razão de um documento que fiscais e coordenadores levavam para ler para mim, e para que eu assinasse. O documento se referia à mudança de sala. Como na divulgação oficial dos locais, eu fui designado para determinada sala e, no dia da prova, mudei para outra, era necessário um documento registrando a transferência, assinado por mim, pela ledora, por testemunhas, fiscais e coordenadores. Assim, fui interrompido para a leitura do mesmo, para assinaturas, conferências, etc.

A prova também contava com questões de Informática e de Raciocínio Lógico. No entanto, nenhuma das duas provas tinha material de apoio com a descrição de imagens e símbolos para que a ledora pudesse me auxiliar adequadamente durante a leitura das questões e alternativas das respostas. Ou seja, ela tinha de me descrever conforme o seu próprio conhecimento ou não das referidas imagens e símbolos, e, desse modo, eu não tinha informações suficientes para responder precisamente as questões, pois faltavam dados e os mesmos passavam pela subjetividade da ledora, que me relatava o que podia, se sentindo bastante constrangida e indignada. Aliás, dessa profissional, não tenho do que reclamar, ela fez o que estava ao seu alcance para não me prejudicar.

Enfim, o concurso foi muito mal organizado, houve muito desrespeito e desconsideração para com as pessoas com deficiência, com o não atendimento das solicitações de condições específicas para a realização da prova, de maneira digna e adequada, além da presença de coordenadores e fiscais despreparados e, nós, pessoas com deficiência, percebendo o despreparo, a falta de estrutura e tudo mais, durante a aplicação da prova. Algo precisa ser feito, esse tipo de situação não pode se repetir, é um absurdo!!!”

(Rafael Braz)