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Descobrindo o voiceover e suas infinitas possibilidades

Faz tempo que tenho (ou melhor, tinha) dificuldade com o celular. Nunca encontra algum modelo que fosse acessível para baixa visão – que eu pudesse fazer tudo com um bom tamanho de ampliação. Foi conversando com várias pessoas com deficiência visual e pesquisando na internet que decidi optar pelo Iphone.

Mesmo ele tendo opção de zoom (que amplia bastante), a navegação é difícil com o zoom, pois você jamais vai conseguir ler um email inteiro sem ter que ficar indo e voltando nas linhas (e provavelmente se perdendo nesse processo), o que causa um grande desconforto e também leva muito tempo para algo que deveria ser simples e rápido. Além disso, seria impossível digitar com zoom, pois o teclado não aparece inteiro na tela quando está ampliado.

Então percebi que tinha mesmo que partir para o voiceover, Na verdade quem teve papel fundamental nessa decisão foram meus amigos de Curitiba Diele Pedrozo e Lucas Radaelll. Com três semanas de uso estou realmente encantada com as infinitas possibilidades do iphone e com a facilidade do voiceover.

Pensei que fosse ser muito mais difícil. Não uso leitor de tele no computador, pois tenho uma tela bem grandona e leio tudo em fonte ampliada. Fiquei com receio uso do iphone pois teria que me adaptar com um novo sistema operacional (não estou habituada com o IOS da Apple) e ainda com o uso do voiceover.

Quando fui trocar o chip do meu celular antigo para o iphone cheguei a comprar um novo chip pré-pago para deixar no celular antigo. Caso eu tivesse muita dificuldade com o iphone pelo menos não ficaria sem celular e teria o pré-pago para qualquer mergência. Para minha surpresa não cheguei a usar esse recurso por mais de uma semana. A adaptação foi muito rápida!

Usar um celular ou computador por sistema de voz muda a dinâmica de interação com o aparelho. Para minha surpresa estou apaixonada pelo sistema. Confesso que sempre tive resistência com novas tecnologias, mas agora percebo que talvez fosse muito mais em função da baixa visão do que qualquer outra coisa.

Agora por mais que eu não saiba fazer algo vou explorando o aparelho com o voiceover e não tenho dúvidas do que estou fazendo. Isso me traz inclusive maior segurança e confiança no que estou fazendo.

Antes talvez tivesse medo de fazer qualquer operação desconhecida por não saber onde estou clicando ou o que estou fazendo, visto que muitos sites e ícones não são acessíveis para baixa visão (tem pouco contraste ou não ampliam muito). Com o voiceover eu sei exatamente onde estou e o que estou fazendo,

Sei inclusive precisar quais são minhas dúvidas e vou instintivamente tentando resolvê-las ou perguntando de forma objetiva aos amigos. Acho que antes – somente com a ampliação – não sabia mexer em determinado recurso e também não saberia nem mesmo precisar qual a dúvida e onde é a dificuldade.

Nessa fase de aprendizado do voiceover e do iphone, estou tendo a alegria de contar com alguns amigos e pessoas especiais que estão me ajudando muito e dando dicas preciosas. Quero agradecer muito ao Lucas Radaelli, Rafael Giguer, Jefferson Campos e Luciane Molina. Se não fosse por eles certamente não teria aprendido tão rápido e não estaria tão feliz com todas as possibilidades que se abrem.

Mais do que uma ferramenta de trabalho ou entretenimento, o voiceover está me trazendo autonomia, liberdade no uso da internet e entusiasmo em descobrir novas possibilidades e facilidades na minha vida. Uma sensação de segurança e liberdade até então jamais vividas por mim nesses ambientes virtuais, que sempre me traziam estresse e apreensão (apenas com a ampliação das fontes).

Recomendo inclusive que outras pessoas com baixa visão também comecem a considerar essa possibilidade. Durante muito tempo evitei qualquer sintetizador de voz. Um pouco por desconhecimento, um pouco por resistência e até vontade de usar ao máximo minha visão.

Agora percebo o quanto as coisas podem ficar mais simples com o áudio. Não fico em dúvida ao entrar em algum menu. Acho que antes minha navegação era muito mais insegura e agora posso fazer as operações com confiança e até maior velocidade. Agora que aderi ao voiceover, não largo mais. É realmente excelente!

Por mais debates como o da visita a Pés-Columbinos

Foi um acontecimento tocante a visita guiada à exposição de fotografias Pés- Columbinos, de Leandro Michel Antonelo Pereira, promovida pela Tagarellas Audidoescrição no último dia 8 de novembro, em Porto Alegre/RS. Um grupo com aproximadamente dez pessoas, a maioria com deficiência visual, acompanhou a descrição das fotos na Carmen Medeiros Galeria de Arte. No fim da visita, houve um bate-papo com o artista.

A experiência foi fantástica, pois as pessoas fizeram perguntas, comentários e observações sobre as fotos só possíveis pelo acesso que tiveram a partir da audiodescrição. As questões abordaram o processo de criação, as razões do tema escolhido para a mostra, as inspirações do artista, o trabalho de edição das fotografias, as camadas de imagens e o sentimento expresso em cada uma delas.

O que mais me deixou satisfeita foi ver as pessoas discutindo arte, tendo elementos para apreciá-la e interagir com o artista. O enfoque do evento não foi o fato de a visita ter audiodescrição, mas o ineditismo do trabalho do Leandro, um artista inquieto, cujas fotografias brincam com a oscilação entre a realidade e a abstração. As imagens impactaram o público.

E é exatamente isso que queremos: que as pessoas com deficiência lotem as galerias de arte, as bibliotecas, os museus, as salas de cinema e teatro, podendo vivenciar e experimentar diferentes produções e atrações culturais. Porque esses espaços também devem ser ocupados pelo público com deficiência.
E o que nós, da Tagarellas, queremos é que cada vez mais as pessoas tenham embasamento para julgar se gostam ou não de determinado produto cultural. Queremos instrumentalizar o público para que mais debates como o que houve na exposição Pés-columbinos possam ocorrer. Parabéns, Leandro! E parabéns ao público pelas perguntas que fizeram da visita guiada um acontecimento tão marcante.

Fonte: http://tagasblog.wordpress.com/2013/11/27/por-mais-debates-como-o-da-visita-a-pes-columbinos/

Aventura no caixa eletrônico

Essa semana consegui usar o caixa eletrônico pela primeira vez sem precisar da ajuda de ninguém através do sistema de áudio. Sempre que precisava sacar dinheiro, dava o cartão para algum familiar tirar para mim ou entrava na agência do banco e retirava o dinheiro com um funcionário. Situação muito trabalhosa e incomoda, pois eu dependia do horário de funcionamento do banco (que, aliás, já é super reduzido) e ainda tinha que me dirigir até uma agência.

Quando fiz minha conta no Banco do Brasil dois anos atrás para receber a bolsa do mestrado os funcionários não souberam me explicar como eu fazia para usar o caixa eletrônico. Eu acabei então me acostumando – infelizmente – ao fato de ter sempre que entrar na agência na agência e retirar dinheiro no caixa com um funcionário.

Agora, cansada com essa situação e com o incentivo dos amigos Felipe Mianes e Fabiana Guedes, voltei à agência e pedi que resolvessem a questão. Fui enfática e expliquei o quanto era estressante ter que sempre entrar na agência e não poder retirar dinheiro em qualquer lugar que possuía um caixa, mas depender de da existência de uma agência e de seu horário de funcionamento.

Novamente os funcionários não sabiam como proceder para que eu pudesse usar o caixa eletrônico com os fones de ouvido. Fiquei cerca de uma hora no banco esperando enquanto os funcionários tentavam descobrir como me ajudar. Dessa vez eles estavam com mais boa vontade e disposição, mas ainda assim não sabiam como solucionar a questão.

Não tinham nenhum outro cliente com deficiência visual naquela agência, ou seja, nunca tinham realizado aquele procedimento. Ligaram para outras agências e instâncias superiores, até que fizeram uma conferência com os gerentes de Brasília. E nada de alguém saber como fazer a liberação para eu usar o caixa eletrônico.

No fim das contas, quando finalmente conseguiram me cadastrar como deficiente visual, disseram que o sistema demoraria 24 horas para reconhecer essa característica e autorizar o uso do caixa com os fones. Acabei tendo que retornar outro dia à agência para finalizar o processo.

Apesar do transtorno, posso dizer que valeu a pena o esforço. Foi uma experiência fantástica. Ao inserir os fones no caixa, a máquina começa a dar todas as opções de saldo da conta corrente, saldo da poupança, transferência, pagamentos, aplicações, saque, enfim, todas as operações que podem ser realizadas normalmente num caixa eletrônico. É preciso digitar apenas no teclado numérico a senha do cartão e os dígitos correspondentes aos comandos desejados.

Para segurança do usuário, a tela fica escura para que outras pessoas em volta não fiquem olhando suas operações. É preciso lembrar de sempre carregar o próprio fone na bolsa, pois os bancos não os disponibilizam.

Foi fantástica a experiência. Para quem sempre se incomodou com os bancos e a falta de acessibilidade nesses locais, isso representa um grande avanço na minha vida enquanto cliente. Me senti muito feliz e realizada.

Retirei dez reais apenas para testar e, de fato, deu certo. Foram os dez reais mais emocionantes e satisfatórios de toda minha vida. Não terei mais que entrar na agência, depender de horário do banco ou de outras pessoas para retirarem dinheiro e outras operações. A autonomia e a liberdade nas pequenas coisas do dia a dia têm um sabor especial.

Só gostaria que nas próximas vezes eu tenha mais saldo para retirar mais dinheiro…

Autonomia e liberdade: um sonho possível

Faz pouco tempo que me deparei com a tal da audiodescrição e suas infinitas potencialidades. A cada dia, quanto mais conheço sobre o tema e a cada novo filme assistido, mais fico encantada e envolvida pelas novas possibilidades de lazer e acesso à cultura que se abrem para mim.

É fascinante sentar em frente à televisão sem estar angustiada ou indiferente por não captar os detalhes que só as imagens propiciam, ou ainda, sem incomodar quem está ao meu lado com incessantes perguntas sobre o que está se passando. Sinto-me vibrante e entusiasmada a cada segundo de audiodescrição por finalmente captar o sentido da história – uma sensação única jamais vivenciada em qualquer sala de cinema.

Passei, pela primeira vez, a criar expectativa sobre os filmes, a esperar que seu enredo me agrade, me envolva, tenha um significado na minha vida ou apenas me divirta. Antes, confesso, não esperava nada de um filme. Porque simplesmente não os assistia ou não os acompanhava.

Quando penso na audiodescrição, ainda me parece um sonho. Um universo infinito a ser explorado e desvendado em cada detalhe. Audiodescrição, em outras palavras, significa liberdade, autonomia, igualdade e respeito às diferenças. O acesso à cultura, ao entretenimento e à informação resgata o sentimento de pertencimento e de integração a um contexto, até então, inacessível e distante.

Às vezes tenho medo de acordar desse sonho e descobrir que é mentira. Sei que é real e que está aí. Meu maior receio talvez seja o de que esse recurso não seja disseminado e incorporado às salas comerciais de cinemas, teatros e espetáculos.

Não basta audiodescrição apenas em circuitos alternativos, festivais pontuais, sessões em horários diferentes dos que todo mundo costuma sair e se divertir. Quero assistir a filmes no mesmo horário, no mesmo local que meus amigos assistem. Quero audiodescrição como algo comum e usual em qualquer lugar, em qualquer evento.

Sim, em qualquer evento. Não é apenas no cinema que esse recurso é importante, mas em toda atividade artística, cultural, esportiva ou situação em que as imagens sejam relevantes para compreensão de seu significado e sentido.

Ao ler o texto “A audiodescrição entra na dança”, de Jorge Rein (disponível em http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/issue/view/9/showToc), talvez eu tenha compreendido melhor o alcance desse recurso. Percebi a magnitude, ainda inexplorada por mim, da audiodescrição em diferentes ambientes e situações. Segundo o autor: “A audiodescrição pode ser definida como a tradução de imagens em palavras.  Sua aplicação, neste sentido, é universal. Qualquer produto que ofereça informações visuais é passível de ser audiodescrito e a dança não representa uma exceção”.

Fico satisfeita é saber que muitos coreógrafos, companhias de dança e de teatro já disponibilizam espetáculos audiodescritos. O texto cita exemplos de eventos em diversas partes do Brasil.

O meu sonho, nesse sentido, é estar viva para presenciar o dia em que todos os espetáculos, filmes e eventos tenham audiodescrição. Quero que Jorge Rein possa um dia reescrever esse texto sem precisar apontar os raros locais que viabilizam a audiodescrição no país, mas criticando e apontando especificamente aqueles que ainda não a possuem – constituindo-se eles de exceções, alvo de rechaça e contestação de toda a sociedade. Espero que isso não seja apenas um sonho, mas uma realidade possível e, a cada dia, mais próxima.