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Dica de leitura: Eu sou Malala (Malala Yousafzai)

Um livro que descortina uma cultura que naturaliza o fato das mulheres não votarem, não estudarem, não saberem ler ou escrever. O nascimento de um filho homem é amplamente comemorado, com direito a presentes e festividades. Com o nascimento de uma menina, as famílias se recolhem e sequer se orgulham. “Eu sou Malala” é a autobiografia de Malala Yousafzai, uma menina paquistanesa de 11 anos que tem coragem para questionar hábitos e crenças de sua sociedade. Moradora de Mingora, no Vale do Swat, região tribal no interior do Paquistão, localidade desprovida de uma estrutura básica de acesso à saúde, sem hospitais, energia elétrica e água encanada. A jovem vive um mundo iluminado por lamparinas de querosene, mas mesmo diante de todas as adversidades busca o universo das luzes e o conhecimento presente nos livros, na escola e por onde estiver.

Desde criança as brincadeiras de ser professora e de estar na escola chamam a atenção dos adultos. O pai Ziauddin Yousafzai, professor e defensor do acesso à educação para todos, luta incessantemente pela liberdade de estudar da filha. O sonho de abrir uma escola no Vale do Swat é buscado com afinco, iniciando com dois ou três alunos e, apesar das restrições e perseguições políticas, consegue inaugurar e manter a escola com turmas para meninos e turmas para meninas. Pai e filha tornam-se uma dupla de lideranças e ativistas nos questionamentos e denúncias de violações de direitos. Malala relata no livro o orgulho que sente ao colocar o uniforme para ir à escola. É a melhor aluna de sua turma, adora ler, estudar, fazer cálculos. Muito dedicada e interessada por todas as matérias. Física é uma das que considera mais difíceis, mas gosta do desafio de compreender os fenômenos da natureza, os cálculos, os problemas e as equações.

Um dos trechos que chama atenção no início da obra é sobre a falta completa de saneamento básico, em plenos anos 2000. O lixo das casas é levado pelos próprios moradores a terrenos baldios que se transformam em grandes lixões a céu aberto, com muitos ratos, cheiro ruim e corvos. Um dia a mãe pede que Malala leve o lixo até lá. A menina sente medo por causa dos bichos, mas obedece. Ao entrar no terreno, é surpreendida por uma criança de seu tamanho que pula em sua frente, saindo do meio de entulhos e materiais que separa no lixo. É uma menina que regula com sua idade, tem cabelos compridos e o rosto todo sujo. Olha no entorno e vê outras crianças também no meio do lixo trabalhando na separação. Malala tenta conversar, mas elas saem correndo e seguem no árduo e insalubre trabalho respirando aquele odor que dá ânsia de vômito.

Ela chega em casa e afirma que irá ajudar aquelas crianças. A cena lhe cortou o coração. Ziauddin, na época já proprietário de uma escola junto com outro sócio, dá bolsas para crianças carentes e famílias que não podem pagar. A bolsa, entretanto, não é suficiente. Muitas vezes a mãe de Malala abre as portas da própria casa para que antes da escola elas tomem café da manhã. Caso contrário, iam para a escola, mas com fome não aprendem nada. O fato da escola dar bolsas para quem não pode pagar começou a afastar as famílias mais abastadas, pois os pais não querem que seus filhos estudem com os filhos de seus empregados.

Uma sociedade extremamente excludente e com discrepâncias de toda ordem. Quanto ao pedido da filha para que as crianças do lixão estudassem também, Ziauddin – consciente da realidade local – explica à filha que se aquelas crianças fossem tiradas de lá para estudar estariam levando diversos outros membros da família delas a passarem fome, pois todos dependiam daquele trabalho para terem o mínimo para comer no final do dia. A imagem daquela menina com o rosto nas cores do lixo não sai de sua mente. É em prol delas e de outras crianças de seu país que Malala decide dedicar sua existência.

Ao mesmo tempo em que a escola aberta por Zeauddin começa a prosperar o regime Talibã passa a tomar conta do Paquistão, atingindo num primeiro momento apenas os grandes centros em Islamabad, mas rapidamente chegando também ao Vale do Swat. Lojas que vendem livros, CDs e DVDs começam a ser fechadas e apresentadas como algo do “demônio”. Os Talibãs começam a bloquear pontes, fazer barreiras em estradas, fiscalizar todo tipo de material impresso, destruir computadores e aparelhos de televisão, bloquear a rede de telefonia, fechar emissoras, impedir meninas e mulheres de circularem sozinhas e principalmente de frequentar a escola. Na obra, Malala conta detalhes do movimento de resistência liderado por ela e o pai, fala sobre o sonho de ver todas as meninas na escola. Aos 13 anos escreve um blog sob pseudônimo para a BBC, ganhando notoriedade e reconhecimento mundial. Seu nome torna-se um movimento global pelo direito à educação a crianças do mundo inteiro, independentemente de sexo, credo ou religião.

A protagonista reafirma em diversas passagens do livro o seu amor e devoção ao islamismo, destacando que em nenhum momento do Alcorão está escrito que as mulheres não devem estudar ou que devem ser submissas aos homens, evidenciando distorções e interpretações errôneas justificadas pelo dogma da religião. A autora relata que as famílias pachtons sempre foram um povo hospitaleiro, de paz e com valores do bem, mas que em função do regime Talibã a imagem mostrada para o mundo é a de que os habitantes da região seriam violentos e desumanos. O Vale do Swat, até antes da chegada dos Talibãs, é amplamente visitado por turistas, que admiram a natureza e a gastronomia local, mas os visitantes desaparecem com medo da violência e da repressão.

Em 2012, mesmo após o suposto fim do regime Talibã – que teria persistido entre 2003 e 2009 – muitas pessoas seguem sendo perseguidas. Antes o regime atacava a população indiscriminadamente, a partir de então passou a mirar alvos específicos, sendo perseguidos apenas aqueles que questionassem o sistema. Em 9 de outubro daquele ano Malala é baleada na cabeça dentro do ônibus escolar na volta para casa, juntamente com outras meninas de sua escola. A garota passa por uma cirurgia no crânio, estando a beira da morte. O ataque gera uma grande comoção na comunidade internacional. Votos por sua recuperação ganham as páginas de revistas e jornais. Malala recebe o apoio de importantes ativistas pelos direitos humanos, bem como o reconhecimento de diversos chefes de Estado pela luta que desenvolve em prol da educação. No dia do ataque é atendida primeiramente em um hospital militar no Paquistão, passando por três hospitais até que é transferida de helicóptero para Birmingham, no Reino Unido, onde fica internada por 3 meses até receber alta.

Em 2013, ela comemora seu aniversário de 16 anos discursando na Assembleia da Juventude da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque. Entre inúmeros prêmios e reconhecimentos, Malala é agraciada com o Prêmio Nobel da Paz (2014), sendo a pessoa mais jovem a recebê-lo. Trata-se da narrativa de uma menina, com a maturidade de uma adulta, os dilemas de uma adolescente e um impressionante amadurecimento precoce.

No início do livro a leitura parece demorar a “engrenar”, apresentando pouca fluidez e exigindo uma persistência inicial do leitor. Mas, passando alguns capítulos introdutórios, pude entrar no livro e devorar suas passagens. O estranhamento inicial pode ocorrer em função da obra ter a naturalidade e a emoção de uma adolescente sem o hábito da escrita e completamente imersa em suas angústias e vivências em um contexto difícil ou ainda em função da tradução desses relatos do idioma original para o português – o que de forma alguma compromete a qualidade e o impacto da obra.

A partir da obra pude aprender um pouco sobre a cultura islâmica, história, geografia, religião e principalmente sobre humanidade – ou a falta dela. O mais impressionante foi tomar conhecimento acerca de como ocorre a relação cotidiana entre a população paquistanesa e o Talibã pela ótica de uma adolescente, que tenta seguir sua vida, fazer provas, passar de ano, ter amigas, se divertir e garantir as melhores notas da turma. Malala precisa se preocupar com o que vestir, com o volume de sua voz, com os caminhos a traçar na ida e na volta para a escola, com a segurança dela e de sua família, com os homens-bomba, com o volume da televisão para que os talibãs não descubram o aparelho proibido na residência, além de conviver com a sensação de estar sendo seguida e vigiada o tempo todo.

A persistência e determinação de Malala são incessantes e incansáveis. Uma lição de vida para qualquer ser humano. O mundo inteiro deveria refletir sobre os relatos trazidos na obra. Fico me questionando como, em pleno século XXI, algumas regiões não contem com energia elétrica, as escolas ainda segreguem meninos e meninas em turmas separadas como única forma de acesso à educação, a mulher seja amplamente submissa, entre uma infinidade de situações alarmantes. Tanto se fala e se estuda sobre a globalização, as sociedades em rede, o poder da internet e os acontecimentos locais com impacto mundial, mas fico me perguntando até que ponto esse discurso é real ou apenas falacioso e virtual, pois o fato é que as atrocidades e violações de direitos seguem ocorrendo e sendo noticiadas pela mídia. Fico pensando como cada indivíduo ao redor do mundo pode dormir e acordar tranquilamente todos os dias tendo acesso à informação e consciência de que isso está ocorrendo com seus semelhantes ao redor do Planeta. Seguimos noticiando e nos informando, mas sem conseguir mudar a realidade.

Agora o Paquistão está envolvido em outros conflitos, disputando a região da Caxemira com a Índia. Outros países ao redor do mundo estão em guerra. Aqui no Brasil diversas guerras não declaradas são travadas todos os dias. O que aprendemos na prática desde o tiro que quase matou Malala? O que aprendemos a partir de tiros que já mataram tantos inocentes? Será que estamos em um caminho de mudança? Fico angustiada e apreensiva. Gostaria de dizer que sim, que o mundo está caminhando para algo melhor, mas não tenho convicção nessa resposta. O que me resta ainda é a esperança. Um excelente livro. Boa leitura!

´Baixa visão e cegueira

A leitora Carlise Kronbauer enviou ao Três Gotinhas um depoimento bem interessante sobre sua experiência com baixa visão e depois coma cegueira. O relato é bem eloquente e evidenciai a dificuldade de compreensão e o desconhhecimento dos professores com relação à baixa visão.

Carlise é natural de Santa Rosa/ RS, mas foi morar em Giruá aos três anos de idade, onde cursou todo o Ensino Fundamental e Médio. É graduada em História pela Unijuí. Vale a pena conferir o texto dela! E se você também tiver algum depoismento, escreva para mim. Terei o maior prazer em compartilhá-lo!

“Nasci com baixa visão e fiquei cega aos 16 anos. Quando era estudante da Educação Básica tinha baixa visão. Vivenciei constrangimentos causados por práticas pedagogicamente incorretas, como, por exemplo, ser orientada a localizar informações em mapas expostos no mural da sala de aula. Essa situação veio acompanhada pela repreensão da professora por eu não atender à sua expectativa, além de chacotas de colegas insensíveis à minha deficiência.

Acredito que ter baixa visão é mais complicado que ser cego, pois muitas vezes não conseguia ler as provas que, mesmo solicitando letra ampliada, eram minúsculas. Os professores raramente lembravam da minha solicitação, trazendo frustração no momento da realização. Depois de ter ficado cega comecei a realizar as provas oralmente.

Devido a baixa visão não conseguia realizar os trabalhos de Educação Artística como os outros. Nenhuma alternativa era apresentada, bem como nas aulas de Matemática e Educação Física. Depois da perda da visão, não praticava quase nada nas aulas de Educação Artística e não realizava Educação Física.

Nas aulas de Matemática meu irmão adaptava os gráficos com lã e grãos de feijão, conseguindo fazer eu aprender também Física e Química. O que deveria ser proporcionado pelos professores era negligenciado, sendo suprido por meu irmão.

Com a baixa visão não realizava muita leitura de livros, devido a letra dos mesmos ser pequena. Já com a perda da visão minha família realizava a leitura de livros e materiais, pois a escola não possuía livros em braille e somente tive acesso a computador adaptado em casa em 2007. Dessa forma, realizei todo Ensino Médio e Superior com a utilização do braille.

Havia ainda as ocasiões em que, já com a perda total da visão, os professores, sem aviso prévio, apresentavam materiais em vídeo legendado, sem a devida tradução oral dos mesmos. Na época sentia-me entristecida, mas, por não saber me defender e propor alternativas ou exigir meus direitos, mantinha-me passiva.

Em 2001 meus pais mobilizaram os pais de outros cegos e foram a luta para a criação da sala de recursos para atender as necessidades dos cegos em Giruá onde morava, pois para aprender a escrita braille tive que me deslocar a Ijuí. Conseguimos criar em Giruá também a Associação dos Deficientes Visuais.

Atualmente, Giruá possui o centro de reabilitação de baixa visão e cegueira, com profissionais qualificados para ensinar braille, orientação e mobilidade, técnicas da vida diária e estimulação precóce, oferecendo atendimento a todos os cegos da região.

Durante a graduação consegui que fosse criada na Unijuí a sala de apoio aos deficientes visuais a qual oferecia auxílio através de monitoras que faziam a leitura de livros e materiais, pois a universidade não possuía computador adaptado, nem livros em braile.

Enfim, depois que perdi a visão me senti melhor estudando, pois não havia mais dúvida de minha deficiência. Com a baixa visão era um sofrimento: os professores não entendiam meu problema e as necessidades que tinha. Devido minha falta de experiência sofria calada com os abusos dos educadores. Posteriormente, com a cegueira, aprendi que precisamos correr atrás de nossos direitos e mostrar que temos capacidade para atingir nossos objetivos apenas utilizando materiais específicos a nossa deficiência.”

(Carlise Kronbauer)

Minhas experiências na escola

Durante minha vida escolar passei por inúmeras dificuldades. Na Educação Infantil e no Ensino Fundamental o fato de eu ter deficiência visual (baixa visão) era muitas vezes confundido com ser uma pessoa tímida, com poucos amigos e problemas de relacionamento. Lembro de passar muitos recreios brincando na pracinha sozinha ou passeando pelos corredores da escola porque não encontrava onde estavam meus colegas. O pátio era muito grande, cheio de crianças, e isso me atrapalhava para identificar quem eram os meus colegas. Eu me sentia sempre sozinha e excluída. Essa é uma das principais lembranças (muito ruim, aliás) que tenho desse período escolar,

Quando fiquei mais velha, já no fim do Ensino Fundamental e início do Ensino Médio, percebi que eu não tinha problemas de relacionamento. Comecei a ter mais amigos, a me dar bem com as pessoas. Todos passaram a me chamar para eu identificar que eles estavam ali perto de mim. Não tinha mais o problema de “brincar” no pátio, mas ainda assim no intervalo eu tinha que saber onde as pessoas estavam para poder conversar com a turma.

Acho que no jardim de infância e séries iniciais faltou um pouco de sensibilidade dos professores para trabalhar essa questão da baixa visão com a turma e não deixar que eu estivesse sempre sozinha, me sentindo excluída. Acho que até eles acabavam acreditando e aceitando que eu tivesse problemas de relacionamento – sem entender realmente o que é baixa visão, as dimensões e as consequências disso.

Pintando a mesa
Lembro que em uma atividade de pintura (ainda no jardim) uma vez eu acabei pintando a mesa, pois me deram uma folha branca, pincel e tinta para desenhar em cima de uma mesa branca. Essa falta de contraste é terrível para mim ou para qualquer pessoa com baixa visão. Eu não sabia onde acabava a folha a começava a mesa.

Quando a professora viu o que aconteceu simplesmente limpou a mesa o mais rápido possível (como se tentasse esconder dos outros colegas o que havia acontecido e como se aquilo fosse um ato vergonhoso). Falou para eu ficar calma, que não tinha problema.

Mas para mim a situação foi muito constrangedora – e tinha problema sim. Me senti muito mal com a situação. A professora simplesmente limpou a mesa e disse para eu continuar pintando e fazendo o meu desenho “normalmente”, mas que eu deveria “cuidar” com a mesa. Algo simples para resolver a questão seria colocar um papel ou toalha de outra cor sobre a mesa branca… Creio que não é algo tão difícil de ser pensado ou imaginado, certo?

Lembro que, na ocasião, as outras crianças da turma ficaram fazendo piadas com a situação e dizendo que eu ia levar a mesa para casa… Foi horrível. Uma péssima lembrança que tenho desse período.

Hoje penso que eu poderia ter feito um belo trabalho artístico naquela mesa se não tivesse sido interrompida. Acho que inclusive tenho vontade de ter uma mesa para eu pintar todinha. Acho que ela ficaria bem bonita! Ehehehehe.

Educação Física
Outras situações difíceis aconteciam na aula de Educação Física. Tive que fazer atividades de bola até a 6ª série. Eu levava boladas no rosto porque não conseguia pegar a bola. Não tinha reflexos de velocidade e campo visual para saber de que lado vem a bola.

No vôlei, por exemplo, eu conseguia dar o saque e arremessar a bola por cima da rede, mas quando ela voltava eu não conseguia rebater (porque vinha muito rápido e eu não tinha esse reflexo).

Na verdade eu entrava na quadra, ficava toda retraída num canto, fugia da bola, fugia dos colegas. Fugia, pois não queria que ninguém me passasse a bola, sabia que não ia conseguir rebater. A Educação Física acabava reforçando a minha imagem como pessoa retraída, sem amigos e até anti-social.

O que era para os outros a aula mais esperada da semana para mim era a disciplina mais temida e detestada, As aulas de educação física eram intermináveis. Os minutos não passavam. Eu olhava no relógio a cada minuto e a aula não acabava nunca.

O dia da Educação Física era o dia que eu sempre queria ficar em casa. Aquela situação era horrível, Muitas vezes eu chorava antes de ir para aula porque sabia o que iria enfrentar. Quando era no primeiro período queria chegar atrasada de propósito…

A partir da 7ª serie então meus pais levaram um atestado medico dizendo que eu não poderia fazer atividades com bola. Daí a partir disso comecei a caminhar em volta da quadra enquanto os alunos jogavam. Hoje sei que não foi a melhor solução porque, ainda assim, não interagia com os demais e ficava isolada. De qualquer forma, na época foi muito bom, eu parei de ter pânico da Educação Física e de não querer mais ir para escola nesses dias. Nunca gostei da disciplina, mas pelo menos parou de ser um problema tão sério para mim.

Contudo, como eu “só” caminhava em torno da quadra esportiva e não fazia as coisas com bola (como era desejável), os professores sempre tinham a “brilhante ideia” de me pedir um trabalho escrito no final de cada bimestre. Eram trabalhos escrito para “compensar” o fato de não jogar bola.

Além disso, ironicamente esses trabalhos eram sempre sobre as regras de algum esporte com bola – vôlei, handball, do basquete etc. Todos esportes que eu não poderia jogar, o que acabava reforçando ainda mais um sentimento de exclusão naquela disciplina. Eu não jogava vôlei, mas tinha que fazer um trabalho escrito sobre suas regras. Qual o objetivo disso? De verdade me pergunto até hoje e não há uma resposta. Falta de sensibilidade e respeito, no mínimo!

Outras disciplinas
Nas demais disciplinas as matérias eram sempre ensinadas no quadro negro. Eu não conseguia copiar, mesmo sentando na 1ª fila. Como eu era muito esforçada e estudiosa, acho que os professores pensavam que não precisavam se preocupar comigo, pois eu “daria um jeito” de acompanhar a matéria ensinada.

E, de fato, era o que eu fazia. Me virava como podia e “dava um jeito”. Pedia caderno dos colegas emprestado para copiar. Levava o caderno para casa, às vezes tirava copia.

Lembro que cheguei na 1ª série já sabendo ler. Então muitas coisas ficaram mais fáceis. Quando a professora colocava no quadro coisas do tipo “ba- be – bi – bo – bu” eu já sabia escrever. Então ouvia o que ela dizia e escrevia. Sempre fui muito atenta em aula, desde criança. Acho que era uma forma de “compensar” o que eu não conseguia ler no quadro.

Quando as séries foram passando, algumas coisas ficaram mais complicado, pois as matérias como matemática, física, química usam muitos gráficos, números, formas geométricas e eram sempre ensinadas no quadro.

Meu pai sempre me deu aulas particulares de matemática em casa, além de química e física. Essas eram as disciplinas mais difíceis para mim. Sempre tive facilidade e gosto especial pelas humanas, como português, história, literatura e redação.

Ao longo de todo o período escolar nenhum professor me trazia impresso em letras grandes o que iria passar no quadro (como seria o ideal). As provas também não eram feitas em fontes ampliadas. Eu tinha uma lupinha de aumento que me ajudava, mas às vezes ainda tinha vergonha de usá-la. Quando criança era muito difícil assumir o fato de que eu realmente tinha uma deficiência visual. Não havia sala de recursos nem qualquer tipo de atendimento especializado para mim. E eu mesma não queria assumir essa condição ou essa posição de alguém que precisa de auxílio ou um atendimento especial.

Por sorte meu pai me “salvou” em todas as matérias da área das exatas. Sempre tinha aula particular com ele. E acho que era com ele que eu aprendia a maior parte das coisas que não conseguia acompanhar no quadro negro. Sua ajuda foi sempre essencial para que eu fosse aprovada nessas disciplinas. Mas não seria papel da escola providenciar esse apoio que eu precisava?

Apesar das dificuldades, nunca rodei e, aliás, tirava notas excelentes sempre. Só peguei recuperação uma vez. Acho que acima de tudo gostava de estudar. Talvez eu soubesse inconscientemente que teria que me esforçar bem mais em casa que os meus colegas.

Eu tinha a mesma capacidade para aprender que os outros, mas na medida em que não acompanhava o que era passado no quadro tinha que redobrar o esforço em casa. Ou seja, acabava tendo que me dedicar mais, despendendo mais tempo e mais esforço, principalmente com as exatas.

Disciplinas da área das humanas
Nas disciplinas humanas sempre ia muito bem. Uma vez ganhei um concurso de redação na escola. Escrevia poesia, contos, crônicas desde criança. Literatura sempre foi minha paixão.

Lá pelos dez anos criei um clube de cartas, em que muitas crianças e adolescentes do Brasil todo se correspondiam. O clube tinha um jornalzinho feito por mim, que era enviado para todos os “sócios”. Nesse jornal, eu colocava curiosidades sobre natureza, animais, ciência, informações sobre as cidades em que havia “sócios” do clube morando, entre outras coisas.

Em minhas correspondências eu trocava papel de carta, figurinhas, cartões postais e cartas propriamente ditas com gente de todo o Brasil O clube chegou a ter mais de 100 participantes, todos se correspondendo entre si. Até hoje guardo com carinho as cartas dos amigos que criei nessa época. Inclusive cheguei a conhecer alguns deles depois pessoalmente.

Encerro esse relato contando sobre o clube de cartas, que foi uma experiência muito positiva que tive durante minha infância e adolescência. Desenvolvi o hábito da escrita, da leitura, a curiosidade por conhecer outros lugares, os costumes e peculiaridades de outros pontos do país. Enfim, foi bem produtivo e emocionante. Cada carta era emocionante.

Enfim, não foram apenas coisas ruins que ocorreram durante meu período na escola. Meu objetivo em dividir essas experiências não é apenas contar as inúmeras dificuldades, mas mostrar como elas poderiamm ser evitadas. Com um mínimo de sensibilidade e bom senso novos alunos não precisariam passar pelos mesmos problemas.