Alguém já viu um anúncio de jornal procurando um jornalista ou professor com deficiência? Se encontrarem, por favor me avisem! Ou um anúncio procurando um advogado, um medico, um arquiteto com deficiência? Infelizmente, não há oferta de vagas para pessoas com deficiência com curso superior. É como se a pessoa com deficiência não pudesse estudar e ter uma boa formação.
Mas vagas como auxiliar de cozinha, auxiliar administrativo, serviços gerais, recepcionista, telemarketing, vendedor, entre outras, surgem aos montes. Não que não devam existir essas vagas – é ótimo que existam! O problema é que existam somente essas vagas.
Eu, que tenho minhas ressalvas quanto ao sistema de cotas em sua essência (como já comentei em postagens anteriores), estou nesse momento me deparando com as dificuldades e armadilhas na busca por um emprego tendo deficiência visual.
Desde o final do ano passado, com o fim do mestrado se aproximando, comecei a enviar currículo e a me cadastrar em algumas agências de emprego focadas na contratação de pessoas com deficiência.
Sou formada em Jornalismo pela PUCRS e tenho Mestrado em Letras pela UFRGS. Tenho deficiência visual parcial (baixa visão) – o que me traz algumas dificuldades -, mas que não me impediu até hoje de trabalhar, de estudar e de buscar o meu espaço.
Com a Lei de Cotas, as empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas a destinar entre 2 e 5% de suas vagas para pessoas com deficiência (PCDs), além de investir em tecnologia e adaptações para o ambiente de trabalho. Os concursos públicos também destinam 5% de suas vagas para pessoas com deficiência.
É uma pena, mas as leis brasileiras chegam a ser hilárias. São muito bonitas e interessantes na teoria. Contudo, muito difíceis de serem cumpridas na prática.
Já ouvi muitos empresários comentarem sobre a dificuldade do preenchimento dessas cotas por falta de pessoas qualificadas. Antes de começar a procurar emprego, pensei – erroneamente – que, diante desse cenário, não seria tão difícil encontrar uma vaga.
Fui surpreendida, entretanto, com a realidade que se apresentou diante de mim (e que eu já observara anteriormente nos classificados de jornais). Há vagas para pessoas com deficiência, sim. Há inúmeras vagas. A maioria delas, porém, para pessoas com Ensino Fundamental completo (ou incompleto), uma pequena parte para pessoas com Ensino Médio e nenhuma parcela para pessoas com Ensino Superior ou pós-graduação. A busca por um emprego na minha área de formação já dura quase cinco meses.
AS AGÊNCIAS DE EMPREGO
As agências de emprego foram unânimes ao me dizer: “Você tem um excelente currículo, és muito bem preparada, mas não temos vaga na tua área”. Todas me ofereciam vagas como auxiliar administrativo, telemarketing ou outros cargos.
Não teria problema nenhum em assumir uma vaga em qualquer outra função. Contudo, tenho experiência na área de Jornalismo, estudei e me preparei durante muito tempo para isso. Não estou iniciando na profissão agora.
Creio que tenho um potencial enorme para ser explorado na minha área de conhecimento, a qual – sinceramente – é a única em que me sinto segura e preparada para atuar. Para falar a verdade, é a profissão que escolhi por realmente me identificar com ela, é onde me imagino feliz e realizada profissionalmente e como pessoa.
Uma das agências chegou a me dizer que, por eu ter um ótimo currículo, tentaria fazer a “inclusão ao contrário”. Eu, perplexa, pensei: “Que bicho é esse?”. E o psicólogo que me entrevistou disse que eles iriam oferecer meu perfil para as empresas na tentativa delas me “encaixarem” no quadro funcional. Ou seja, o pessoal da agência tentaria “criar” uma vaga para mim – uma vaga que não existe –,exclusivamente pelo fato de eu ser uma PCD com boa qualificação.
Fiquei incrédula com a situação – acho que, principalmente, por eu não me sentir confortável em “usufruir” desse sistema de cotas. Sistema com o qual não concordo, mas, ao mesmo tempo, não tenho outra alternativa senão conviver com ele e com as armadilhas inerentes à essa Lei de Cotas.
Como assim “criar” uma vaga para mim? Isso não faz sentido. Se não está aberta é porque a empresa não tem demanda por esse profissional. Ou seja, não há necessidade de uma jornalista ou assessora de comunicação. Por que insistir?
Se estamos buscando a igualdade de condições e de oportunidades (será que é isso mesmo?), a criação de uma vaga artificialmente específica para mim (ou para qualquer pessoa) – mesmo que bem preparada – não é razoável.
AS OFERTAS DAS EMPRESAS
Além das agências de emprego, perdi as contas do número de empresas que me chamaram para uma entrevista pessoalmente apenas para me “conhecer” e “fazer meu perfil” por eu ser PCD. De modo geral, todas disseram que eu era bem qualificada, tinha experiência e tal, mas que não tinham vaga na minha área.
Todas me ofereceram cargos de auxiliar administrativo – tanto a vaga quanto o salário incompatíveis com as minhas expectativas. Fico pensando: Por que me chamaram se não havia a vaga? Por que me chamaram se eu especifiquei no currículo a minha área de interesse? Não seria isso uma perda de tempo (tanto para a empresa quanto para mim)?
Como qualquer pessoa, eu criei uma expectativa para cada uma dessas entrevistas. Entretanto, fui desapontada em todas. Foram consecutivas entrevistas frustrantes, pois em nenhuma havia uma vaga na minha área – eram sequer vagas para pessoa com curso superior.
Como eu recusei as vagas de nível médio, alguns de meus entrevistadores ainda tiveram a coragem (e a cara de pau) de me perguntar se eu não conhecia algum outro PCD que se interessasse por aquelas vagas.
O ESTEREÓTIPO
Eis uma tentativa desesperada das empresas na busca para o cumprimento da Lei de Cotas – lei que impõe inclusive multa às empresas que não a cumprem. Dessa forma, as pessoas passam a ser classificadas apenas como PCDs ou não-PCDs. Se forem, PCDs, há uma lista de vagas preestabelecidas que esses indivíduos podem desempenhar.
A Lei de Cotas que, teoricamente, deveria me beneficiar. Na prática, não sei se é isso que está acontecendo.
Procurar emprego é uma situação tensa para qualquer pessoa. No meu caso, tem sido ainda mais estressante por ter de lidar com esses absurdos e distorções do real objetivo desse sistema de cotas.
As empresas parecem sequer ter lido meu currículo com atenção. Parecem ler apenas a parte em que digo que tenho deficiência visual e nada mais. E o resto do currículo, de nada importa?
Parecem apenas interessadas em “encaixar” o PCD em vagas-padrão, preestabelecidas. Ou seja, o maior dos preconceitos que qualquer pessoa com deficiência pode sofrer é esse pelo qual estou passando atualmente: ser julgada previamente como incompetente ou incapaz de galgar postos mais altos.
Tal configuração do mercado ajuda a reforçar um estereótipo de que o deficiente não pode se desenvolver, vencer na vida, batalhar e ter uma graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado – enfim, rumo ao infinito, dentro de suas capacidades.
Entendo que, até pouco tempo atrás, as empresas não contratavam PCDs e que o simples fato de estarem contratando agora – mesmo que ainda somente para funções pouco qualificadas – já seja um avanço. Percebo os reais benefícios que a Lei de Cotas promove, mas creio que ainda é pouco. Estamos diante de um sistema que não entende o deficiente em suas qualificações, especificidades e características, seja como pessoa, seja como profissional.
Onde estão os empregos para jornalista, mestre em Letras, com deficiência? Ah, desculpe, emprego para deficiente só até o nível médio…