Hoje (26/01/2014) pela manhã fui fazer prova para o cargo de jornalista para a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul. A minha prova foi realizada na PUCRS. Chegando lá, para minha surpresa, todos os candidatos com necessidades especiais estavam na mesma sala – o que é estranho, pois já fiz vários concursos e sempre fiquei em uma sala separada. Isso porque preciso ditar as respostas para o fiscal transcrevê-las para a folha ótica. A fiscal disse que na hora de transcrever eu iria para outra sala.
Isso também é, no mínimo, complicado , pois eles teriam que fazer isso com grande parte dos candidatos que estavam ali, gerando um “entra e sai” de pessoas, o que pode desconcentrar os demais.
Além disso, nem todos os candidatos que estavam nessa sala tinha baixa visão. Então colocar candidatos com prova ampliada e com outras necessidades na mesma sala também é um erro, porque a prova ampliada pode ser mais facilmente visualizada por quem enxerga bem, o que facilita a cola de questões.
Mas esse foi o menor dos problemas. O mais grave mesmo foi que solicitei, inclusive no laudo médico que precisamos entregar no ato da inscrição, que minha prova fosse realizada em fonte ARIAL BLACK 22. A prova que me entregaram, (que era supostamente ampliada) tinha uma fonte no máximo 16. Era uma fonte que, além de pequena, estava apagada e fraca – apenas um xerox em folha maior. Não era uma prova impressa originalmente ampliada, o que diz muito sobre a qualidade do material.
Para quem tem baixa visão, cerca de 10% como é o meu caso, é essencial que as letras tenham bastante contraste, que sejam impressas bem “gordinhas”. Não adianta colocar aquelas letras fininhas, apagadas, desenhadas e rebuscadas só para ficar “bonito”. Tem que ser funcional, tem que ser forte e ter muito contraste. Por isso a Arial Black é ideal no meu caso. Preciso também sentar em um local bem iluminado para fazer a prova. De preferência perto de uma janela, mas sem o sol bater diretamente nos meus olhos. Cada pessoa com baixa visão tem suas demandas específicas.
A prova deveria começar às 9h (e os demais candidatos, de fato, começaram no horário). Quando recebi meu caderno de questões e vi que a prova não tinha minha ampliação fiquei extremamente nervosa, decepcionada e irritada. Todos os últimos concursos que fiz passei dificuldades em termos de acessibilidade. Quando fiz a solicitação de atendimento especial mandei para Fundatec inclusive (em carta registrada) um “Modelo de Ampliação de Prova”, com uma lauda inteira impressa no tamanho solicitado (para que eles pudessem entender do que eu estava falando). Ainda assim, de nada adiantou.
Reclamei então com a fiscal que aquela fonte era a solicitada. Depois de muito tempo ela voltou na sala e me disse que aquela prova que me entregou era o “tamanho padrão de ampliação”. Enquanto todos os outros faziam já suas provas, fiquei aguardando cerca de meia hora por uma solução.
Foram trinta minutos intermináveis e constrangedores. Estavam todos fazendo sua prova e eu lá, parada, sem saber o que fazer, com o tempo da prova passando! Aguardava por uma solução que não viria.
Finalmente, quase às 9h30min (meia hora depois do início da prova), arrumaram uma pessoa para ler a prova para mim. Ironicamente era uma intérprete de Libras! Acontece que algum surdo faltou, então a mandaram a interprete ser minha ledora. Nesse momento sai da sala muito nervosa e fui fazer a prova no auditório da Faculdade de Administração. Sabia que seria prejudicada por aquela situação. Tanto em termos emocionais – pois estava passando por um constrangimento e um estresse desnecessários – quanto por não ter as condições solicitadas. Uma coisa é você ler sua própria prova, reler quantas vezes quiser, ter autonomia e liberdade para ficar indo e vindo nas questões. Outra coisa é alguém ler para você. Isso sempre traz maior dificuldade de concentração e de entendimento das questões.
A intérprete que me atendeu, apesar de não ser especializada nisso, teve bastante boa vontade, ajudou a me acalmar e leu com uma boa entonação e dando a pontuação correta nos textos. Ela teve bastante paciência, indo e vindo nas alternativas quantas vezes eu pedisse.
Contudo, a prova não foi lida apenas por ela, mas por três pessoas que se revezaram, pois lá pelas tantas ela já estava ficando sem voz. Os outros dois ledores, apesar de também se esforçarem, foram bem piores. Havia termos em inglês e nenhum deles sabia pronunciar. Havia sinais e símbolos matemáticos na prova de raciocínio lógico e eles não sabiam sequer me dizer quais eram.
Mais grave ainda foi a prova de informática. Quase todas as questões eram essencialmente visuais. Exigiam que você interpretasse um desenho com ícones, setas e janelas do computador. O ledor mal sabia me explicar o que estava na imagem. Disse que tinham alguns “quadradinhos” e “setinhas” pra “lá” e pra “cá”. (Que beleza de adaptação para alguém com deficiência visual, hein?)
Seria fundamental que as questões com imagens já viessem com a descrição devidamente elaborada por um profissional audiodescritor. Não tem como o próprio ledor da prova ter que ficar descrevendo improvisadamente na hora da prova. Primeiro porque o ledor não é qualificado para isso. E segundo porque não há tempo hábil para ser gasto com muita descrição de imagens na prova. É muito mais exaustivo, tanto para o candidato quanto para o ledor, fazer uma prova oralmente.
A descrição de imagens segue padrões específicos para quem tem deficiência visual e precisa ser feita de forma objetiva. É por isso que exista audiodescrição e pessoas capacitadas para fazer isso. Mas parece que as bancas de concurso preferem fingir que não sabem disso!
Eram dez questões de informática e todas assim. Acabei tendo que chutar todas na mesma letra. Um absurdo. Uma prova completamente inacessível em todos os aspectos. Além do mais, o candidato com deficiência visual pode usar leitor ou ampliador de tela. Como saberá responder sobre questões essencialmente visuais que envolvem a informática? A forma das pessoas com deficiência interagirem com o computador é completamente diferente.
Me senti agredida e desrespeitada por, mais uma vez, passar por tanto estresse e constrangimento em um concurso público. Tive o auxílio dos ledores, tive pessoas que tentaram resolver a situação na hora e de forma “enjambrada” de sempre. Mas cansei de enjambração. Pedi a prova com fonte arial Black 22 há mais de um mês antes do concurso. Não há justificativa para isso. Não pode haver um “padrão de ampliação”.
Quero minha autonomia para fazer a prova. Não quero outras pessoas lendo para mim. O fato é que existem as cotas, mas nenhum concurso é feito com as devidas condições para o candidato. Até quando vamos fazer de conta que se faz inclusão? De que adianta a reserva de vagas, se dentro do próprio concurso as pessoas são prejudicadas dessa maneira?