Tem coisas na vida que podem parecer bobas e singelas aos olhos dos outros, mas que para mim tem um valor inestimável. Lembro do meu amigo Felipe Mianes falando que a atitude é o que faz a diferença. De nada adianta termos uma máquina braile à nossa disposição se não tivermos alguém interessado em operá-la. Ou ainda: se nada adianta a máquina braile se não tivermos pessoas interessadas em saber quem serão seus usuários, como se comportam, o que estudam, como irão utilizá-la…
Semana passada fui a uma festa na Cidade Baixa em Porto Alegre, onde havia uma bicicleta pendurada no ar e de cabeça para baixo como parte da decoração do ambiente. Fiquei sabendo disso porque um amigo muito especial comentou comigo, pois o local era muito escuro e eu não iria ver. Fiquei super intrigada e curiosa com o fato. “Sério? Uma bicicleta no teto? Como ela é? Que interessante!”.
Ele poderia ter se contentado em responder minhas perguntas ou em me dizer “sim, uma bicicleta”. Contudo, ele fez algo que nunca mais vou esquecer. Me conduziu até embaixo da bicicleta pendurada no ar e pediu que eu levantasse as mãos para cima. Como sou baixinha e não encostei em nada, ele me levantou um metro para cima e me fez tocar no banquinho da bicicleta.
Naquele momento específico não dei tanto valor para essa atitude, mas depois da festa fiquei lembrando e relembrando a iniciativa do meu amigo. Foi então que me dei conta que jamais esquecerei essa festa, pois aquela bicicleta tornou-se realmente concreta para mim quando ficou ao alcance das minhas próprias mãos.
Lembro de uma oficina em que participei na UFRGS em que a professora Claudia Zanatta dizia que o horizonte das pessoas com deficiência visual vai até onde nós podemos tocar. E foi exatamente assim que me senti: expandindo meu horizonte de visão naquele momento.
O fato de o objeto estava lá era inusitada para todo mundo (que enxergue bem ou não). A diferença é que quem enxerga conseguiu registrar rapidamente e de forma visual essa informação assim que entrou no recinto. No meu caso, foi maravilhoso poder tocá-la e ter certeza de que ela estava lá. Acho que de alguma forma pude ter a mesma surpresa das demais pessoas que, quando chegaram na festa e logo viram o objeto erguido no ar.
Não estou emocionada apenas com a bicicleta em si, mas com a atitude. Só tenho a agradecer a essa meu amigo por me mostrar a bicicleta, tomar cerveja comigo, se divertir e vivenciais muitas sensações especiais comigo.
Mas antes de terminar o texto quero registrar que na oficina da professora Cláudia Zanatta o horizonte ia, sim, até onde podíamos tocar com as próprias mãos. Entretanto, recebemos pequenos cartões de papel, onde poderíamos escrever qualquer palavra. Depois penduramos esses cartões em um varal de barbante no meio da sala de aula. E nesse varal poderíamos afixar qualquer palavra, qualquer sonho, qualquer objetivo.
Foi então que entendi que o horizonte das pessoas com deficiência visual vai realmente até onde nós podemos tocar. E isso não precisa ser algo restritivo. O horizonte pode ser ampliado conforme o sonho ou o desejo que penduramos no nosso varal. E o varal sempre estará ao alcance de nossas mãos. Mas os sonhos, a vida… Ah, esses sim, serão sempre mais amplos e rumo ao infinito!