Outros abusos no mesmo concurso: relato de Rafael Braz

Desde que publiquei aqui no Três Gotinhas meu relato contando o que aconteceu no concurso da Secretaria da Saúde do RS tenho recebido diversos relatos de outras pessoas que também sofrem com a falta de acessibilidade em concursos públicos. Segue abaixo o relato de Rafael Braz, que também tem deficiência visual e prestou o mesmo concurso. Ao contrário de mim, ele solicitou justamente fazer a prova com um ledor. E vejam tudo o que aconteceu durante a prova dele!

“Mariana, assim como aconteceu contigo no concurso público para a Secretaria Estadual da Saúde, organizado e realizado pela Fundatec, também tive uma série de problemas para fazer a prova. Primeiramente, fiz a minha inscrição para o cargo de Assistente em Saúde – Nível Médio, com a entrega do laudo fornecido pelo meu oftalmologista, com todas as informações solicitadas no edital. Anexos IV e V também preenchidos pelo mesmo médico, com todos os dados requeridos para concorrer pelas vagas para pessoas com deficiência e para solicitar condições especiais para fazer a prova, no meu caso, o auxílio de um profissional que me leia os conteúdos e preencha as respostas que eu vou informando ao longo da prova.

Quando a Fundatec divulgou a homologação das inscrições, verifiquei que somente estava concorrendo pelas vagas reservadas, mas que a minha solicitação de ledor havia sido indeferida, com a informação de que determinados itens do edital não tinham sido preenchidos. A partir disso, eu e minha esposa conferimos todos os itens, pois antes de entregar na Fundatec, guardamos cópias de todos os documentos entregues, e constatamos que não havia erros ou faltas na inscrição e na solicitação de condição especial para a realização da prova.

O próprio site da Fundatec disponibilizou um link para recursos contra esses indeferimentos, no campo indicado, elaborei meu recurso, explicando a situação, com minhas palavras, informando que sequer adiantaria eu comparecer no dia e local da prova sem a disponibilização do ledor, pois não teria como ler a prova. Nesse momento, estava certo de que eles concederiam, pois há mais de cinco anos, fiz concurso público com eles e obtive todo o atendimento solicitado corretamente.

Na semana anterior à prova, vi que o recurso também havia sido indeferido, e nesse momento, contatei meu advogado, que obteve na Justiça o auxílio de ledor para mim. No domingo, quando cheguei para fazer a prova, procurei a coordenadora responsável no prédio indicado no site da Fundatec. Ela me encaminhou juntamente com a ledora para a sala de aula original da homologação, conforme a ordem alfabética do meu nome (coletiva). Eu e a ledora não estávamos acreditando. O fiscal da sala, totalmente despreparado, nos encaminhou para o fundo da sala de aula, me perguntando se durante a prova eu iria precisar conversar algo com a ledora (será que ele pensou que ela faria a prova sozinha para mim? Ou será que ele pensou que ela apenas iria me ver fazer a prova sozinho?), respondi a ele que sim, que falaria com ela a todo momento, durante toda a prova.

Enquanto eu e ela estávamos no fundo da sala, conversando sobre o quanto todos nós, eu e os demais candidatos sentados ali ao lado, seríamos prejudicados por fazermos a prova no mesmo ambiente, a ledora foi ao fiscal e à coordenadora para reclamar por uma sala exclusiva para nós, como sempre faço os concursos públicos. Após alguns instantes, a coordenadora veio até mim e informou que eu deveria aguardar a leitura das regras do concurso que é feita antes da prova e, depois do sinal sonoro avisando o início, ela viria nos acompanhar, eu e a ledora, até a nova sala de aula.

Então, até o momento, estávamos nessa sala, no fundo do corredor do quinto andar do prédio, e, após o sinal de aviso do início, veio a coordenadora e nos guiou até a última sala do final do corredor do andar seguinte (sexto andar). Ao chegarmos lá, a sala estava ocupada e ela então me pediu desculpas, dizendo que errou o andar, que a sala correta era no sétimo andar. Lá fomos nós, tudo de novo, Finalmente, no final do corredor, a última sala estava vazia, e lá começamos a fazer a prova.

A partir desse momento, consegui desenvolver a prova de Língua Portuguesa, porém, após cerca de uma hora e meia ou duas horas do início, chegou o lanche da ledora. Ela não quis parar para comer, para não me prejudicar no tempo para fazer a prova, com isso, um fiscal disse que iria solucionar e, após alguns minutos, apareceu na sala com outro rapaz, que me pareceu ser outro fiscal, para ler a prova pra mim enquanto a ledora fazia o lanche. O rapaz estava super bem intencionado, mas o coitado não tinha nenhuma prática necessária para me auxiliar, pude perceber que ele estava muito inseguro e tenso. Consegui apenas fazer duas questões com ele. A ledora comeu o mais rápido que pode para voltar logo. Continuamos a prova e fomos interrompidos mais umas 3 ou 4 vezes, em razão de um documento que fiscais e coordenadores levavam para ler para mim, e para que eu assinasse. O documento se referia à mudança de sala. Como na divulgação oficial dos locais, eu fui designado para determinada sala e, no dia da prova, mudei para outra, era necessário um documento registrando a transferência, assinado por mim, pela ledora, por testemunhas, fiscais e coordenadores. Assim, fui interrompido para a leitura do mesmo, para assinaturas, conferências, etc.

A prova também contava com questões de Informática e de Raciocínio Lógico. No entanto, nenhuma das duas provas tinha material de apoio com a descrição de imagens e símbolos para que a ledora pudesse me auxiliar adequadamente durante a leitura das questões e alternativas das respostas. Ou seja, ela tinha de me descrever conforme o seu próprio conhecimento ou não das referidas imagens e símbolos, e, desse modo, eu não tinha informações suficientes para responder precisamente as questões, pois faltavam dados e os mesmos passavam pela subjetividade da ledora, que me relatava o que podia, se sentindo bastante constrangida e indignada. Aliás, dessa profissional, não tenho do que reclamar, ela fez o que estava ao seu alcance para não me prejudicar.

Enfim, o concurso foi muito mal organizado, houve muito desrespeito e desconsideração para com as pessoas com deficiência, com o não atendimento das solicitações de condições específicas para a realização da prova, de maneira digna e adequada, além da presença de coordenadores e fiscais despreparados e, nós, pessoas com deficiência, percebendo o despreparo, a falta de estrutura e tudo mais, durante a aplicação da prova. Algo precisa ser feito, esse tipo de situação não pode se repetir, é um absurdo!!!”

(Rafael Braz)

3 opiniões sobre “Outros abusos no mesmo concurso: relato de Rafael Braz”

  1. Achei muita falta de respeito e discriminação com vocês, existe uma Lei Federal garantindo seus direitos, por favor! Não deixem assim, denunciem!! Abraços!!

  2. Denunciem, mas não apenas através de redes sociais. Denunciem através de Processos Judiciais. Já somos pobres de Leis que beneficiem e elas ainda não são cumpridas nem pelo Poder Público?
    Estou divulgando este depoimento.
    Abraços

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