Aventura no caixa eletrônico

Essa semana consegui usar o caixa eletrônico pela primeira vez sem precisar da ajuda de ninguém através do sistema de áudio. Sempre que precisava sacar dinheiro, dava o cartão para algum familiar tirar para mim ou entrava na agência do banco e retirava o dinheiro com um funcionário. Situação muito trabalhosa e incomoda, pois eu dependia do horário de funcionamento do banco (que, aliás, já é super reduzido) e ainda tinha que me dirigir até uma agência.

Quando fiz minha conta no Banco do Brasil dois anos atrás para receber a bolsa do mestrado os funcionários não souberam me explicar como eu fazia para usar o caixa eletrônico. Eu acabei então me acostumando – infelizmente – ao fato de ter sempre que entrar na agência na agência e retirar dinheiro no caixa com um funcionário.

Agora, cansada com essa situação e com o incentivo dos amigos Felipe Mianes e Fabiana Guedes, voltei à agência e pedi que resolvessem a questão. Fui enfática e expliquei o quanto era estressante ter que sempre entrar na agência e não poder retirar dinheiro em qualquer lugar que possuía um caixa, mas depender de da existência de uma agência e de seu horário de funcionamento.

Novamente os funcionários não sabiam como proceder para que eu pudesse usar o caixa eletrônico com os fones de ouvido. Fiquei cerca de uma hora no banco esperando enquanto os funcionários tentavam descobrir como me ajudar. Dessa vez eles estavam com mais boa vontade e disposição, mas ainda assim não sabiam como solucionar a questão.

Não tinham nenhum outro cliente com deficiência visual naquela agência, ou seja, nunca tinham realizado aquele procedimento. Ligaram para outras agências e instâncias superiores, até que fizeram uma conferência com os gerentes de Brasília. E nada de alguém saber como fazer a liberação para eu usar o caixa eletrônico.

No fim das contas, quando finalmente conseguiram me cadastrar como deficiente visual, disseram que o sistema demoraria 24 horas para reconhecer essa característica e autorizar o uso do caixa com os fones. Acabei tendo que retornar outro dia à agência para finalizar o processo.

Apesar do transtorno, posso dizer que valeu a pena o esforço. Foi uma experiência fantástica. Ao inserir os fones no caixa, a máquina começa a dar todas as opções de saldo da conta corrente, saldo da poupança, transferência, pagamentos, aplicações, saque, enfim, todas as operações que podem ser realizadas normalmente num caixa eletrônico. É preciso digitar apenas no teclado numérico a senha do cartão e os dígitos correspondentes aos comandos desejados.

Para segurança do usuário, a tela fica escura para que outras pessoas em volta não fiquem olhando suas operações. É preciso lembrar de sempre carregar o próprio fone na bolsa, pois os bancos não os disponibilizam.

Foi fantástica a experiência. Para quem sempre se incomodou com os bancos e a falta de acessibilidade nesses locais, isso representa um grande avanço na minha vida enquanto cliente. Me senti muito feliz e realizada.

Retirei dez reais apenas para testar e, de fato, deu certo. Foram os dez reais mais emocionantes e satisfatórios de toda minha vida. Não terei mais que entrar na agência, depender de horário do banco ou de outras pessoas para retirarem dinheiro e outras operações. A autonomia e a liberdade nas pequenas coisas do dia a dia têm um sabor especial.

Só gostaria que nas próximas vezes eu tenha mais saldo para retirar mais dinheiro…

A difícil busca por um emprego

Alguém já viu um anúncio de jornal procurando um jornalista ou professor com deficiência? Se encontrarem, por favor me avisem! Ou um anúncio procurando um advogado, um medico, um arquiteto com deficiência? Infelizmente, não há oferta de vagas para pessoas com deficiência com curso superior. É como se a pessoa com deficiência não pudesse estudar e ter uma boa formação.

Mas vagas como auxiliar de cozinha, auxiliar administrativo, serviços gerais, recepcionista, telemarketing, vendedor, entre outras, surgem aos montes. Não que não devam existir essas vagas – é ótimo que existam! O problema é que existam somente essas vagas.

Eu, que tenho minhas ressalvas quanto ao sistema de cotas em sua essência (como já comentei em postagens anteriores), estou nesse momento me deparando com as dificuldades e armadilhas na busca por um emprego tendo deficiência visual.

Desde o final do ano passado, com o fim do mestrado se aproximando, comecei a enviar currículo e a me cadastrar em algumas agências de emprego focadas na contratação de pessoas com deficiência.

Sou formada em Jornalismo pela PUCRS e tenho Mestrado em Letras pela UFRGS. Tenho deficiência visual parcial (baixa visão) – o que me traz algumas dificuldades -, mas que não me impediu até hoje de trabalhar, de estudar e de buscar o meu espaço.

Com a Lei de Cotas, as empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas a destinar entre 2 e 5% de suas vagas para pessoas com deficiência (PCDs), além de investir em tecnologia e adaptações para o ambiente de trabalho. Os concursos públicos também destinam 5% de suas vagas para pessoas com deficiência.

É uma pena, mas as leis brasileiras chegam a ser hilárias. São muito bonitas e interessantes na teoria. Contudo, muito difíceis de serem cumpridas na prática.

Já ouvi muitos empresários comentarem sobre a dificuldade do preenchimento dessas cotas por falta de pessoas qualificadas. Antes de começar a procurar emprego, pensei – erroneamente – que, diante desse cenário, não seria tão difícil encontrar uma vaga.

Fui surpreendida, entretanto, com a realidade que se apresentou diante de mim (e que eu já observara anteriormente nos classificados de jornais). Há vagas para pessoas com deficiência, sim. Há inúmeras vagas. A maioria delas, porém, para pessoas com Ensino Fundamental completo (ou incompleto), uma pequena parte para pessoas com Ensino Médio e nenhuma parcela para pessoas com Ensino Superior ou pós-graduação. A busca por um emprego na minha área de formação já dura quase cinco meses.

AS AGÊNCIAS DE EMPREGO

As agências de emprego foram unânimes ao me dizer: “Você tem um excelente currículo, és muito bem preparada, mas não temos vaga na tua área”. Todas me ofereciam vagas como auxiliar administrativo, telemarketing ou outros cargos.

Não teria problema nenhum em assumir uma vaga em qualquer outra função. Contudo, tenho experiência na área de Jornalismo, estudei e me preparei durante muito tempo para isso. Não estou iniciando na profissão agora.

Creio que tenho um potencial enorme para ser explorado na minha área de conhecimento, a qual – sinceramente – é a única em que me sinto segura e preparada para atuar. Para falar a verdade, é a profissão que escolhi por realmente me identificar com ela, é onde me imagino feliz e realizada profissionalmente e como pessoa.

Uma das agências chegou a me dizer que, por eu ter um ótimo currículo, tentaria fazer a “inclusão ao contrário”. Eu, perplexa, pensei: “Que bicho é esse?”. E o psicólogo que me entrevistou disse que eles iriam oferecer meu perfil para as empresas na tentativa delas me “encaixarem” no quadro funcional. Ou seja, o pessoal da agência tentaria “criar” uma vaga para mim – uma vaga que não existe –,exclusivamente pelo fato de eu ser uma PCD com boa qualificação.

Fiquei incrédula com a situação – acho que, principalmente, por eu não me sentir confortável em “usufruir” desse sistema de cotas. Sistema com o qual não concordo, mas, ao mesmo tempo, não tenho outra alternativa senão conviver com ele e com as armadilhas inerentes à essa Lei de Cotas.

Como assim “criar” uma vaga para mim? Isso não faz sentido. Se não está aberta é porque a empresa não tem demanda por esse profissional. Ou seja, não há necessidade de uma jornalista ou assessora de comunicação. Por que insistir?

Se estamos buscando a igualdade de condições e de oportunidades (será que é isso mesmo?), a criação de uma vaga artificialmente específica para mim (ou para qualquer pessoa) – mesmo que bem preparada – não é razoável.

AS OFERTAS DAS EMPRESAS

Além das agências de emprego, perdi as contas do número de empresas que me chamaram para uma entrevista pessoalmente apenas para me “conhecer” e “fazer meu perfil” por eu ser PCD. De modo geral, todas disseram que eu era bem qualificada, tinha experiência e tal, mas que não tinham vaga na minha área.

Todas me ofereceram cargos de auxiliar administrativo – tanto a vaga quanto o salário incompatíveis com as minhas expectativas. Fico pensando: Por que me chamaram se não havia a vaga? Por que me chamaram se eu especifiquei no currículo a minha área de interesse? Não seria isso uma perda de tempo (tanto para a empresa quanto para mim)?

Como qualquer pessoa, eu criei uma expectativa para cada uma dessas entrevistas. Entretanto, fui desapontada em todas. Foram consecutivas entrevistas frustrantes, pois em nenhuma havia uma vaga na minha área – eram sequer vagas para pessoa com curso superior.

Como eu recusei as vagas de nível médio, alguns de meus entrevistadores ainda tiveram a coragem (e a cara de pau) de me perguntar se eu não conhecia algum outro PCD que se interessasse por aquelas vagas.

O ESTEREÓTIPO

Eis uma tentativa desesperada das empresas na busca para o cumprimento da Lei de Cotas – lei que impõe inclusive multa às empresas que não a cumprem. Dessa forma, as pessoas passam a ser classificadas apenas como PCDs ou não-PCDs. Se forem, PCDs, há uma lista de vagas preestabelecidas que esses indivíduos podem desempenhar.

A Lei de Cotas que, teoricamente, deveria me beneficiar. Na prática, não sei se é isso que está acontecendo.

Procurar emprego é uma situação tensa para qualquer pessoa. No meu caso, tem sido ainda mais estressante por ter de lidar com esses absurdos e distorções do real objetivo desse sistema de cotas.

As empresas parecem sequer ter lido meu currículo com atenção. Parecem ler apenas a parte em que digo que tenho deficiência visual e nada mais. E o resto do currículo, de nada importa?

Parecem apenas interessadas em “encaixar” o PCD em vagas-padrão, preestabelecidas. Ou seja, o maior dos preconceitos que qualquer pessoa com deficiência pode sofrer é esse pelo qual estou passando atualmente: ser julgada previamente como incompetente ou incapaz de galgar postos mais altos.

Tal configuração do mercado ajuda a reforçar um estereótipo de que o deficiente não pode se desenvolver, vencer na vida, batalhar e ter uma graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado – enfim, rumo ao infinito, dentro de suas capacidades.

Entendo que, até pouco tempo atrás, as empresas não contratavam PCDs e que o simples fato de estarem contratando agora – mesmo que ainda somente para funções pouco qualificadas – já seja um avanço. Percebo os reais benefícios que a Lei de Cotas promove, mas creio que ainda é pouco. Estamos diante de um sistema que não entende o deficiente em suas qualificações, especificidades e características, seja como pessoa, seja como profissional.

Onde estão os empregos para jornalista, mestre em Letras, com deficiência? Ah, desculpe, emprego para deficiente só até o nível médio…

Exposição com audioguia

Ocorre no próximo sábado (dia 24), às 17h, a abertura da exposição “O Solar que Virou Museu”, no Museu Joaquim Felizardo, em Porto Alegre.

A exposição conta com audioguia com a leitura dos textos dos paineis e a descrição de todas as imagens (fotografias, documentos, reportagens de época, linhas de tempo e objetos arqueológicos).

A abertura da exposição faz parte das comemorações dos 240 anos de Porto Alegre. A mostra integrará a exposição permanente do Museu, que conta também com elevador e banheiro acessível.

A entrada é franca e as visitações podem ser feitas de terças-feiras a sextas-feiras, das 9h às 11h30 e das 14h às 17h30 e aos sábados, das 13h30 às 17h30.

Endereço: Rua João Alfredo, 582 – Cidade Baixa – Porto Alegre/RS

Para mais informações, incluindo a descrição do convite oficial e um trechinho do audioguia em primeira mão clique aqui.

A bengala da sorte

Não estou muito acostumada a furar filas por ter deficiência visual. São vários os motivos. Primeiro porque fico meio constrangida em pensar que estou tirando algum tipo de “proveito” ou vantagem disso. Depois porque as pessoas não entendem o que é baixa visão e às vezes pensam que estou “fingindo” e querendo me aproveitar de uma situação. O meu problema não é muito aparente (para quem olhar os meus olhos), o que dificulta ainda mais a minha identificação como tendo uma deficiência visual.

Contudo, ter a preferência nas filas é um direito que eu tenho – e que não pode ser contestado. Essa lei existe na constituição nacional e está ai para ser cumprida.

Já furei muitas filas em ambientes que julgo “justificável” minha preferência, como, por exemplo, em fila de banco ou em fila de lojas. No banco, entendo que eu tenha preferência, visto que preciso entrar em uma agência toda vez que quero tirar dinheiro. Não consigo usar o caixa eletrônico por falta de acessibilidade nos terminais. Nesse caso, furo a fila sem “culpa”. Isso ocorre também em uma loja em que eu precise de ajuda por não encontrar sozinha um determinado produto. Ou ainda, para pegar o ônibus também exerço meu direito à preferência na fila por ser realmente uma situação complicada para mim – visto que não identifico qual o meu ônibus e tenho que perguntar para os motoristas.

Mas esse final de semana foi a primeira vez em que furei a fila para entrar em uma festa. Fui em um bar irlandês aqui em Porto Alegre. Era uma festa de Patrick’s Day (Dia de São Patrício), uma data sem tradição no Brasil, mas comemorada em países de língua inglesa no dia 17 de março. A data marca a celebração de um dia de sorte, em que as pessoas usam roupas verdes e as figuras de trevos são a decoração principal.

Confesso que eu e minha amiga Renata Lontra só fomos lá por dois motivos: primeiro porque quem estivesse vestindo roupa verde ganhavam um chope grátis (hehehehe) e segundo porque era uma festa muito comentada e sempre com muito público.

Chegamos no local super cedo e nos deparamos com uma fila gigantesca quase dobrava a esquina. A Renata disse que não iríamos conseguir entrar, que estava impossível e teríamos que ir para outro lugar. Apontei para a bengala e disse para não desistirmos, que aquilo iria “abrir caminhos”. E, de fato, foi o que aconteceu.

Fomos até a porta, no início da fila. O recepcionista olhou para nós – eu com a minha bengala elegantemente aberta – e disse que poderíamos entrar. Naquele momento senti que a sorte – celebrada nessa data – estava do meu lado.

A fila era tanta que tinha gente comprando inclusive uma camiseta por 50 reais que dava direito a entrada preferencial no bar. Algumas pessoas disseram que ficaram na fila por mais de duas horas. Simplesmente inacreditável. E eu tinha furado a fila enorme. Que maravilha!

Entrei sem culpa nenhuma por estar furando a fila, sem constrangimento ou vergonha – ao contrário do que provavelmente ocorreria tempos atrás. Minha amiga e eu comemoramos muito, pois realmente não iríamos conseguir entrar se não fosse pela minha bengala, que estava me trazendo sorte! Aliás, eu não teria paciência para esperar por mais de meia hora do lado de fora. E quando formos embora do bar, a fila continuava grande, com muita gente aguardando para entrar.

Mais do que simplesmente entrar no local, furar a fila naquele momento representou um marco importante na minha vida. Representou eu poder me divertir com essa situação. Ir em um local descontraído, com o objetivo de puramente me divertir, ouvir música, conversar, tomar um chope, falar bobagens. Pude fazer tudo isso usando minha bengala, sem achar que ela fosse um problema ou que fosse “errado” eu estar usufruindo de um direito que eu tenho.

A bengala foi uma solução real e imediata para o problema que se apresentou diante de nós (a interminável fila). Em outras situações a bengala era um motivo de estresse. E nesse momento foi motivo de alívio e felicidade.

Consegui finalmente inverter minha própria visão dos fatos. A lógica que até então eu vinha acostumada era a de só usar a bengala em situações críticas e de risco ou em momentos tensos e difíceis. Pude, dessa vez, usá-la para em minha descontração e lazer.

Às vezes ainda é muito difícil “aproveitar” os benefícios, as facilidades e as coisas boas da deficiência. Poder me divertir com ela, ter isso como algo leve, ainda é algo muito difícil.

Mas estou feliz e orgulhosa em concretizar esse desafio. Tenho uma bengala da sorte, que me trouxe sorte no Patrick’s Day e tenho certeza que vai trazer sorte em outros diversos momentos.

Ganhei um chope verde gratuitamente (sim, o chope era verde!), furei a fila e me diverti na festa ao lado de uma grande amiga. Tenho muitos motivos para comemorar. Uma bela experiência para uma nova fase da vida.

Não apenas o fato do chope ser verde foi inusitado e quebrou paradigmas, mas o meu próprio posicionamento diante dessa situação. Viva minha bengala da sorte! Só faltava ela ser verde também (mas é amarela)… ehehehehe.

Na foto, eu sorrindo, vestida de blusa verde e lenço verde no pescoço. Estou sentada na mesa do bar, segurando o copo de chope verde para frente. O copo é bem grande e está quase cheio. Há algumas pessoas ao fundo, em um ambiente escuro.