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Pelo eco das nossas vozes

Ao longo de quatro anos e sete meses trabalho na Fundação Piratini (TVE e Rádio FM Cultura), que está em fase de extinção pelo governo do Estado do RS. Primeiro como contratada em regime emergencial e depois como concursada efetiva, posso dizer que se houve algo que guiou meu trabalho ao longo desse tempo todo foi o AMOR. Sim, AMOR!!! AMOR pelo Jornalismo (profissão que escrevo, propositalmente, de letra maiúscula), AMOR pelas causas que acredito, AMOR pela Comunicação Pública, AMOR pelas pessoas, AMOR pela Acessibilidade e pelos Direitos Humanos, AMOR ao mundo – que nos abriga e anda tão conturbado…

Aprendi com os colegas e acredito que eles tenham aprendido comigo também. Pude ensinar e aprender muito com a convivência diária. Cheguei em uma Fundação em que pouco – ou nada – se falava sobre Acessibilidade. Hoje, o tema é pauta recorrente na programação do rádio e do telejornalismo, assim como dos diversos programas. Tenho certeza que minha energia e trabalho concentrados nessa área contribuiram, de alguma forma, com esse processo. Tenho orgulho de ver que, se em outras emissoras muitas vezes o tema é tratado com sensacionalismo e sem o respeito que merece, eu e meus colegas conseguimos fazer um trabalho sério e diferenciado.

Cheguei na Fundação de um jeito e tenho certeza que – se for sair de lá de fato – sairei completamente diferente e muito melhor do que entrei. Plantei sementes e muitas delas já se tornaram árvores, criando raízes profundas e dando bonitos frutos. São comportamentos, ideias e atitudes que mudaram ao meu redor. Às vezes a gente tem a vontade de mudar o mundo, mas vê que não é possível e fica feliz se consegue transformar um pouquinho o ambiente ao nosso redor. Sim, acredito que o espaço ao meu redor tenha sido transformado positivamente.

É a energia, o trabalho e o empenho de todos sendo utilizado para produzir conteúdos de fundamental relevância social. Não falo aqui apenas sobre os direitos das pessoas com deficiência – causa na qual me identifico e me considero uma ativista -, mas também sobre os direitos das mulheres, população LGBT, idosos, negros, quilombolas, indígenas, imigrantes e minorias em geral. Falo em pautas relacionadas ao trabalho, educação, conscientização, empoderamento, luta contra a discriminação, igualdade de oportunidades etc. Falo aqui em uma TV e uma Rádio que vi fazerem isso com toda a inteligência, intensidade e pulsação que estiveram ao seu alcance.

Não queria escrever esse texto com um tom de despedida – até porque o destino é incerto e há muita coisa ainda para rolar pela frente. Queria escrever esse texto com um tom de homenagem e agradecimento aos colegas por tudo que vivi com eles até hoje. Manifesto aqui o meu AMOR por tudo isso. Tenho orgulho de ter ajudado a escrever a história da FM Cultura e da TVE. Escrevo esse texto também para dizer que nós – funcionários públicos, concursados, de carreira – não somos um bando de vagabundos, como já fomos chamados inúmeras vezes pelo próprio governo. Escrevo para dizer que se – de fato – formos embora NINGUÉM IRÁ NOS CALAR. A história da TVE e da Rádio FM Cultura estarão sempre presentes na nossa sociedade, na história da cultura, das artes, dos movimentos sociais, das pessoas com deficiência e da população do nosso Estado como um todo. E falo aqui das LEGÍTIMAS TVE e Rádio FM Cultura, veículos da Fundação Piratini. Qualquer veículo – ou projeto – que venha a se utilizar dos nomes dessas emissoras não podem sequer ser considerados pela opinião pública, ouvintes e espectadores – que são o público-alvo do nosso incessante e verdadeiro trabalho.

Escrevo para relembrar, com alegria e carinho, as coberturas que fizemos na praia, na serra, em Porto Alegre e no interior. Escrevo para lembrar o frio na barriga das entradas ao vivo. Escrevo para lembrar a adrenalina das transmissões diretamente da Expointer, do Festival de Cinema de Gramado, da Feira do Livro, no litoral, dos estúdios, entre tantos outros eventos. Escrevo para lembrar o entusiasmo e o envolvimento de todos para que tudo desse certo. Sim, e tudo deu certo para a Fundação Piratini – por um tempo. Nada nessa vida é eterno, eu sei. E muitos amigos e familiares nos relembram isso para tentar nos acalmar. Nada pode ser para sempre… Mas, mesmo que tudo fuja ao nosso controle e acabe antes do desejado, a memória, a história, a alegria e os nossos sonhos – ah, esse sim! -, serão para sempre.

Antes de finalizar quero compartilhar com vocês um trabalho que fiz recentemente na FM Cultura. É uma série de reportagens sobre APLICATIVOS DE CELULAR E TECNOLOGIAS QUE MELHORAM O COTIDIANO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. Sem entrar em detalhes do conteúdo (que vocês poderão conferir pelo link da rádio que disponibilizo no final desse texto) gostaria de dizer que esse foi um trabalho especialmente difícil em virtude do aperto no peito que me deu falar sobre esse tema – tão significativo para mim e para outras pessoas com deficiência. Quando escutei a primeira reportagem da série indo ao ar, não pude conter uma lágrima. Foi uma espécie de alegria e orgulho pelo trabalho realizado, junto com sofrimento e angústia. Alegria indiscutível por poder apresentar as possibilidades tecnológicas no que tange à acessibilidade aos nossos ouvintes. Mas simultaneamente foi um momento de dor, tristeza e pesar de que essa pode ser a última – ou uma das últimas – série que faço na Rádio.

Apesar de tantos pesares, tenho a certeza de que MINHA VOZ NÃO SERÁ CALADA. Isso me faz lembrar um texto que fiz na oitava série e que ganhou primeiro lugar no concurso de redação do colégio. O título era “A VOZ, JÓIA PRECIOSA”. Ele falava sobre um rapaz que teve um problema de saúde, perdeu a voz e, mesmo com inúmeros tratamentos, não conseguiu recuperar a fala. Naquela época que escrevi o texto talvez eu não soubesse a profissão que seguiria depois, mas já sabia que a voz é, de fato, “preciosa”. Hoje aprendi que a pessoa pode não ter a fala, ser surda, cega, não ter algum dos membros, não caminhar ou ter qualquer outro comprometimento. E seja como for, seja com cordas vocais funcionando ou não, nada pode calar a expressão e a manifestação das pessoas.

Tenho certeza que, onde quer que eu esteja no futuro, vou continuar me posicionando e seguindo os caminhos que acredito. Nada substitui a sensação de viver com a consciência tranquila, fazendo aquilo que acreditamos. Alguém pode tentar nos calar, apagar o nosso canal, desligar a nossa rádio, mas ninguém poderá nos calar! Nossas vozes seguirão produzindo ecos, seja na Fundação Piratini, seja em outros veículos, nas ruas, nas avenidas, nas praças… Nossa voz terá eco por toda a parte! Basta você procurar e vai nos ouvir! Resta a esperança de que possamos ser ouvidos nos mesmos canais que até hoje estivemos. Resta a nossa resistência. Resta pedirmos o apoio de toda a população.

Confira o link da série que comentei:
http://www.fmcultura.com.br/conteudo/3576/tecnologia-facilita-deslocamento-de-pessoas-com-deficiencia-no-brasil-inteiro

Outros abusos no mesmo concurso: relato de Rafael Braz

Desde que publiquei aqui no Três Gotinhas meu relato contando o que aconteceu no concurso da Secretaria da Saúde do RS tenho recebido diversos relatos de outras pessoas que também sofrem com a falta de acessibilidade em concursos públicos. Segue abaixo o relato de Rafael Braz, que também tem deficiência visual e prestou o mesmo concurso. Ao contrário de mim, ele solicitou justamente fazer a prova com um ledor. E vejam tudo o que aconteceu durante a prova dele!

“Mariana, assim como aconteceu contigo no concurso público para a Secretaria Estadual da Saúde, organizado e realizado pela Fundatec, também tive uma série de problemas para fazer a prova. Primeiramente, fiz a minha inscrição para o cargo de Assistente em Saúde – Nível Médio, com a entrega do laudo fornecido pelo meu oftalmologista, com todas as informações solicitadas no edital. Anexos IV e V também preenchidos pelo mesmo médico, com todos os dados requeridos para concorrer pelas vagas para pessoas com deficiência e para solicitar condições especiais para fazer a prova, no meu caso, o auxílio de um profissional que me leia os conteúdos e preencha as respostas que eu vou informando ao longo da prova.

Quando a Fundatec divulgou a homologação das inscrições, verifiquei que somente estava concorrendo pelas vagas reservadas, mas que a minha solicitação de ledor havia sido indeferida, com a informação de que determinados itens do edital não tinham sido preenchidos. A partir disso, eu e minha esposa conferimos todos os itens, pois antes de entregar na Fundatec, guardamos cópias de todos os documentos entregues, e constatamos que não havia erros ou faltas na inscrição e na solicitação de condição especial para a realização da prova.

O próprio site da Fundatec disponibilizou um link para recursos contra esses indeferimentos, no campo indicado, elaborei meu recurso, explicando a situação, com minhas palavras, informando que sequer adiantaria eu comparecer no dia e local da prova sem a disponibilização do ledor, pois não teria como ler a prova. Nesse momento, estava certo de que eles concederiam, pois há mais de cinco anos, fiz concurso público com eles e obtive todo o atendimento solicitado corretamente.

Na semana anterior à prova, vi que o recurso também havia sido indeferido, e nesse momento, contatei meu advogado, que obteve na Justiça o auxílio de ledor para mim. No domingo, quando cheguei para fazer a prova, procurei a coordenadora responsável no prédio indicado no site da Fundatec. Ela me encaminhou juntamente com a ledora para a sala de aula original da homologação, conforme a ordem alfabética do meu nome (coletiva). Eu e a ledora não estávamos acreditando. O fiscal da sala, totalmente despreparado, nos encaminhou para o fundo da sala de aula, me perguntando se durante a prova eu iria precisar conversar algo com a ledora (será que ele pensou que ela faria a prova sozinha para mim? Ou será que ele pensou que ela apenas iria me ver fazer a prova sozinho?), respondi a ele que sim, que falaria com ela a todo momento, durante toda a prova.

Enquanto eu e ela estávamos no fundo da sala, conversando sobre o quanto todos nós, eu e os demais candidatos sentados ali ao lado, seríamos prejudicados por fazermos a prova no mesmo ambiente, a ledora foi ao fiscal e à coordenadora para reclamar por uma sala exclusiva para nós, como sempre faço os concursos públicos. Após alguns instantes, a coordenadora veio até mim e informou que eu deveria aguardar a leitura das regras do concurso que é feita antes da prova e, depois do sinal sonoro avisando o início, ela viria nos acompanhar, eu e a ledora, até a nova sala de aula.

Então, até o momento, estávamos nessa sala, no fundo do corredor do quinto andar do prédio, e, após o sinal de aviso do início, veio a coordenadora e nos guiou até a última sala do final do corredor do andar seguinte (sexto andar). Ao chegarmos lá, a sala estava ocupada e ela então me pediu desculpas, dizendo que errou o andar, que a sala correta era no sétimo andar. Lá fomos nós, tudo de novo, Finalmente, no final do corredor, a última sala estava vazia, e lá começamos a fazer a prova.

A partir desse momento, consegui desenvolver a prova de Língua Portuguesa, porém, após cerca de uma hora e meia ou duas horas do início, chegou o lanche da ledora. Ela não quis parar para comer, para não me prejudicar no tempo para fazer a prova, com isso, um fiscal disse que iria solucionar e, após alguns minutos, apareceu na sala com outro rapaz, que me pareceu ser outro fiscal, para ler a prova pra mim enquanto a ledora fazia o lanche. O rapaz estava super bem intencionado, mas o coitado não tinha nenhuma prática necessária para me auxiliar, pude perceber que ele estava muito inseguro e tenso. Consegui apenas fazer duas questões com ele. A ledora comeu o mais rápido que pode para voltar logo. Continuamos a prova e fomos interrompidos mais umas 3 ou 4 vezes, em razão de um documento que fiscais e coordenadores levavam para ler para mim, e para que eu assinasse. O documento se referia à mudança de sala. Como na divulgação oficial dos locais, eu fui designado para determinada sala e, no dia da prova, mudei para outra, era necessário um documento registrando a transferência, assinado por mim, pela ledora, por testemunhas, fiscais e coordenadores. Assim, fui interrompido para a leitura do mesmo, para assinaturas, conferências, etc.

A prova também contava com questões de Informática e de Raciocínio Lógico. No entanto, nenhuma das duas provas tinha material de apoio com a descrição de imagens e símbolos para que a ledora pudesse me auxiliar adequadamente durante a leitura das questões e alternativas das respostas. Ou seja, ela tinha de me descrever conforme o seu próprio conhecimento ou não das referidas imagens e símbolos, e, desse modo, eu não tinha informações suficientes para responder precisamente as questões, pois faltavam dados e os mesmos passavam pela subjetividade da ledora, que me relatava o que podia, se sentindo bastante constrangida e indignada. Aliás, dessa profissional, não tenho do que reclamar, ela fez o que estava ao seu alcance para não me prejudicar.

Enfim, o concurso foi muito mal organizado, houve muito desrespeito e desconsideração para com as pessoas com deficiência, com o não atendimento das solicitações de condições específicas para a realização da prova, de maneira digna e adequada, além da presença de coordenadores e fiscais despreparados e, nós, pessoas com deficiência, percebendo o despreparo, a falta de estrutura e tudo mais, durante a aplicação da prova. Algo precisa ser feito, esse tipo de situação não pode se repetir, é um absurdo!!!”

(Rafael Braz)

Relato de Diele Santo

É com grande alegria que compartilho com os leitores do Três Gotinhas as palavras de Diele Pedrozo Santo, coordenadora do Projeto Ver com as Mãos, escritas logo após ao II Seminário sobre Acessibilidade do Projeto Ver com as Mãos. Diele, muito obrigada pela oportunidade de estar com vocês nesses momentos tão especiais!


“Confesso que ainda estou tentando absorver todos os acontecimentos da última semana… Quando hoje consegui sentar e respirar, refleti sobre tudo que aconteceu na minha vida, desde o dia 05 de dezembro de 2005 (a primeira vez que estive no IPC).
Naquela ocasião, quando resolvi me aventurar, muito curiosa e ainda bastante insegura no “mundo da deficiência visual”, nunca mesmo imaginava que hoje, os sonhos distantes que eu projetei, pudessem se tornar realidade.

Não pensem vocês que esse caminho foi fácil! Chorei muito nos meus primeiros dias como professora quando me deparei com alunos que desafiavam os meus conhecimentos e meu entendimento sobre a deficiência. Sofri muito por muitas vezes não saber o que fazer e não ter uma fórmula mágica para tentar ensinar o que queria aos meus alunos. Senti-me muito sozinha por muito tempo, ganhando pouco, fazendo muito, e tomando muito na cabeça por isso! Demorou para eu realmente conseguir entrar pra dentro da sala de aula e perceber que maior do que aquilo que as pessoas “achavam” que eu era, era pequeno demais diante do que eu queria fazer.

Meus alunos tiveram um papel fundamental nesse processo, primeiro porque, se eles não existissem eu jamais poderia sentir a satisfação que sinto quando estou com eles, seja ensinando em sala de aula, ou indo a um jogo de futebol ou uma lanchonete. Hoje sei como foi importante nesse processo observá-los, ouvi-los, compreendê-los. Eu ainda tenho tanto a aprender, mas quando olho pra eles, e percebo em pequenos detalhes e atitudes um pouquinho do que eu pude ensinar, não tem como não encher o peito de orgulho a ponto de transbordar o coração. Quem diria que aqueles meninos que não sabiam sequer desenhar um círculo no papel, hoje estariam discutindo sobre arte contemporânea, e brigando pelos seus direitos de ter acesso a arte e a cultura.

Não canso de contar para as pessoas como tudo que aprendo com eles é fantástico, e as vezes, pode ser até que me torne meio chata por falar tanto sobre isso, mas a vontade de que outras pessoas possam compreender melhor como as coisas podem ser muito mais simples do que imaginamos, para que eles possam realmente fazer parte desse “mundo visual”, que torno meu discurso muitas vezes exaustivo. Perdi as contas de quantas pessoas já me ouviram contar minhas histórias. É, um dia acho que ainda terei de escrever um livro, rs!

Depois de 8 anos, tive a oportunidade de colher os primeiros frutos concretos de que tudo, tudo, tudo mesmo valeu e vale muito a pena. Tudo pode parecer muito lindo quando vocês conhecem o Projeto Ver com as Mãos, mas, não pensem que tudo isso aconteceu porque EU fiz tudo isso sozinha. Contei no início com a paciência dos meus colegas professores que já trabalham com eles para pegar todas as dicas possíveis, fiz muitas perguntas “idiotas” até entender realmente o que era “ser cego”, quando criava algo para fazer em sala de aula, saia correndo pros meus colegas professores cegos que foram literalmente cobaias. Mas, quando estava eu, sozinha em sala de aula, era pros meus alunos que eu perguntava se a forma com que eu estava os ensinando estava correta.

Se hoje eu sou “mestra”, ah! Com toda certeza foi porque esses alunos me ensinaram tudo que sei! Esse “aval” dos meus colegas com deficiência visual e dos alunos, sempre me deixou muito segura para poder repassar para as pessoas o que aprendi com eles. Confesso que uma das coisas que mais me deixa feliz é ver uma sala cheia de gente para poder dividir todas as histórias fantásticas e descobertas que fiz nesse tempo. Adoro trabalhar com capacitação de professores, mesmo sabendo que talvez meia dúzia deles realmente tenham mudado a forma de pensar depois de me ouvir, pois se 1 deles me ouvir, pode fazer toda a diferença para um aluno com deficiência visual.

Uma das coisas que mais me orgulha hoje, é ter na equipe do projeto pessoas de todas áreas da Arte e da Cultura, que depois de conhecer meu trabalho decidiram pesquisar, criar, testar, conhecer, descobrir, aplicar, ensinar, aprender e AMAR o que fazem! Meus alunos estão em boas mãos, com professores, voluntários, oficineiros, que muito em breve, se tornarão uma referência em sua área! Pessoas que amam o que fazem e dão todo seu melhor para ensinar tudo que puderem aos alunos! TODOS começaram a trabalhar com os alunos sem nenhuma experiência, e hoje tem domínio total do que fazem, e já estão prontos para ensinar outras pessoas… multiplicando o conhecimento!
Nosso trabalho é de formiguinha, mas nosso formigueiro está gigante, e crescendo cada dia mais!

Sabe, as vezes eu acho que devo estar sendo uma menina muito boazinha, porque no ano de 2012, Papai Noel nos deu de presente o Projeto Ver com as Mãos, com direito a apoio do Criança Esperança, e continuidade garantida pelo Instituto HSBC em 2013/2014… e nesse ano, um dia depois do meu aniversário (depois da clássica surpresa maravilhosa dos meus alunos com direito a festa surpresa organizada por eles), realizamos o II Seminário do Projeto com mais de 100 pessoas inscritas, apresentações e exposição lindas dos alunos do projeto, palestras encantadores e desafiadoras, e muita gente engajada no debate.

Amei ver meus amigos e parceiros de trabalho palestrando, e tantas carinhas conhecidas na plateia, desde meus familiares, meus alunos, professores, estudantes, fotógrafos, gestores… gente do bem! E até uma do mal, que sabe-se-lá o que foi fazer em um lugar onde o respeito pelas pessoas está em primeiro lugar, e não o currículo Lattes hahahaha!

Piadas a parte, e para concluir, (não, ainda não acabou! 🙂 …. No dia seguinte ao seminário, mesmo com todos os membros da equipe do projeto exaustos, ainda tivemos um dia memorável, daqueles para ficar para a história: a nossa professora de música do projeto realizou sua primeira sessão de teatro com audiodescrição: plateia cheia, tudo lindo, peça maravilhosa, e a honra de receber a maior referência em audiodescrição para assistir e nos dar a “benção”. A noite ainda terminou no NYC, com comida boa, muitas risadas e a certeza de que TODO E QUALQUER ESFORÇO VALE A PENA QUANDO ACREDITAMOS E FAZEMOS AS COISAS COM AMOR!

(Você, que não teve preguiça e leu esse “pequeno” relato até o fim e se identificou…. o meu mais sincero: MUITO OBRIGADA, porque se não fosse por vocês nada disso seria possível!).”

´Baixa visão e cegueira

A leitora Carlise Kronbauer enviou ao Três Gotinhas um depoimento bem interessante sobre sua experiência com baixa visão e depois coma cegueira. O relato é bem eloquente e evidenciai a dificuldade de compreensão e o desconhhecimento dos professores com relação à baixa visão.

Carlise é natural de Santa Rosa/ RS, mas foi morar em Giruá aos três anos de idade, onde cursou todo o Ensino Fundamental e Médio. É graduada em História pela Unijuí. Vale a pena conferir o texto dela! E se você também tiver algum depoismento, escreva para mim. Terei o maior prazer em compartilhá-lo!

“Nasci com baixa visão e fiquei cega aos 16 anos. Quando era estudante da Educação Básica tinha baixa visão. Vivenciei constrangimentos causados por práticas pedagogicamente incorretas, como, por exemplo, ser orientada a localizar informações em mapas expostos no mural da sala de aula. Essa situação veio acompanhada pela repreensão da professora por eu não atender à sua expectativa, além de chacotas de colegas insensíveis à minha deficiência.

Acredito que ter baixa visão é mais complicado que ser cego, pois muitas vezes não conseguia ler as provas que, mesmo solicitando letra ampliada, eram minúsculas. Os professores raramente lembravam da minha solicitação, trazendo frustração no momento da realização. Depois de ter ficado cega comecei a realizar as provas oralmente.

Devido a baixa visão não conseguia realizar os trabalhos de Educação Artística como os outros. Nenhuma alternativa era apresentada, bem como nas aulas de Matemática e Educação Física. Depois da perda da visão, não praticava quase nada nas aulas de Educação Artística e não realizava Educação Física.

Nas aulas de Matemática meu irmão adaptava os gráficos com lã e grãos de feijão, conseguindo fazer eu aprender também Física e Química. O que deveria ser proporcionado pelos professores era negligenciado, sendo suprido por meu irmão.

Com a baixa visão não realizava muita leitura de livros, devido a letra dos mesmos ser pequena. Já com a perda da visão minha família realizava a leitura de livros e materiais, pois a escola não possuía livros em braille e somente tive acesso a computador adaptado em casa em 2007. Dessa forma, realizei todo Ensino Médio e Superior com a utilização do braille.

Havia ainda as ocasiões em que, já com a perda total da visão, os professores, sem aviso prévio, apresentavam materiais em vídeo legendado, sem a devida tradução oral dos mesmos. Na época sentia-me entristecida, mas, por não saber me defender e propor alternativas ou exigir meus direitos, mantinha-me passiva.

Em 2001 meus pais mobilizaram os pais de outros cegos e foram a luta para a criação da sala de recursos para atender as necessidades dos cegos em Giruá onde morava, pois para aprender a escrita braille tive que me deslocar a Ijuí. Conseguimos criar em Giruá também a Associação dos Deficientes Visuais.

Atualmente, Giruá possui o centro de reabilitação de baixa visão e cegueira, com profissionais qualificados para ensinar braille, orientação e mobilidade, técnicas da vida diária e estimulação precóce, oferecendo atendimento a todos os cegos da região.

Durante a graduação consegui que fosse criada na Unijuí a sala de apoio aos deficientes visuais a qual oferecia auxílio através de monitoras que faziam a leitura de livros e materiais, pois a universidade não possuía computador adaptado, nem livros em braile.

Enfim, depois que perdi a visão me senti melhor estudando, pois não havia mais dúvida de minha deficiência. Com a baixa visão era um sofrimento: os professores não entendiam meu problema e as necessidades que tinha. Devido minha falta de experiência sofria calada com os abusos dos educadores. Posteriormente, com a cegueira, aprendi que precisamos correr atrás de nossos direitos e mostrar que temos capacidade para atingir nossos objetivos apenas utilizando materiais específicos a nossa deficiência.”

(Carlise Kronbauer)