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Acessibilidade na web

Há pouco tempo conversei por telefone com Juliana Fernandes, uma das palestrantes do Fórum Interncional do Software Livre, que ocorreu em Porto Alegre, na PUCRS. Fiz um comentário sobre isso no programa Cidadania da TVE. Quero compartilhar com os leitores do Três Gotinhas alguns dos pontos destacados por ela.
Juliana Fernandes, arquiteta da informação, estuda a questão da acessibilidade na internet para todos os públicos: pessoas com diferentes níveis de visão, pessoas com braço quebrado, com dificuldade motora para usar o mouse, idosos, crianças etc. Para ela, ensar na acessibilidade não é pensar apenas na pessoa com alguma deficiência, mas pensar em todos os públicos.

Segundo ela, se os códigos HTML fossem pensados e organizados corretamente pelos designers e desenvolvedores de sites, grande parte dos problemas de acessibilidade e navegação na web não existiriam. Criar sites acessíveis não é difícil, mas ainda há muito desconhecimento sobre o tema.

É preciso que código HTML especifique o que é o cabeçalho, o conteúdo principal, o conteúdo secundário, as listas, as tabelas, as imagens, as legendas entre outros. Se esses elementos não forem identificados, a navegação fica dificultada para qualquer pessoa. Essa organização deixa os sites menos confusos e com menor dificuldade de navegação e acesso a todos os links.

No caso das pessoas com deficiência visual que utilizam leitor de tela esses problemas ficam ainda mais evidentes. Os leitores de tela são sintetizadores de voz, que leem todo o conteúdo para pessoas com deficiência visual. O NVDA, por exemplo, é um software livre, leitor de tela e pode ser baixado gratuitamente em qualquer computador. O link para baixar é o http://nvda.doftonic.com .

Na prática, existem teclas de atalho para conteúdo principal, secundário, cebeçalho etc. Então a pessoa cega navega utilizando essas teclas. Por isso a importância so site ser contruído de forma que especifique o que é o quê dentro do site. Se a página não estiver bem construída e organizada, a navegação fica quase impossível.

Outro ponto salientado por Juliana Fernandes é que sejam utilizandos os recursos para inserção de uma descrição das fotos e imagens. Assim o leitor de tela não irá “travar” nesses pontos e o usuário terá acesso a todo o conteúdo da tela.

Essa descrição das imagens pode beneficiar nao comente a pessoa com deficiência visual. Se você está acessando a internet pelo celular ou em uma conexao lenta, as imagens podem não abrir, mas aparecerá a descrição e você não perderá o conteúdo.

Vale lembrar que um dos maiores desenvolvedores de sites acessíveis no país foi Marco Antônio de Queiroz, o MAQ, que faleceu esse mês no Rio de Janeiro. Deixo aqui minha singela homenagem a ele, que foi o criador do site Bengala Legal – uma referência para o público com deficiência visual no Brasil. Se não fosse pelo MAQ, grande parte dos sites não teriam acessibilidade mínima. O MAQ deixa muita saudades e um legado imenso. Vale acessar o site criado por ele: http://www.bengalalegal.com

Acessibilidade nos supermercados

Conheci a Carlise Kronbauer há pouco tempo e ela me contou coisas muito interessantes sobre sua experiência emquanto consumidora nos supermercados. Ela e o noivo preferem fazer compras pela Internet em função da falta de acessibilidade nos supermercados. Ela escreveu um depoimento bem legal sobre isso. Segue o texto dela:

“Comprar no supermercado online é muito bom, pois temos acesso a todos os produtos e marcas disponíveis sem depender de ninguém que enxerga para nos dizer.

Comprar no supermercado físico é frustrante, pois somos mal atendidos por funcionários despreparados para auxiliar pessoas cegas.

Comprando no supermercado online reduzimos a metade o tempo fazendo compras, pois uma realidade que enfrentamos quando vamos ao supermercado físico é que os atendentes não sabem onde os produtos estão, não entendem de marcas, não sabem distinguir couve flor de brócolis e também muitas vezes não sabem ler ou não demonstram interesse em ajudar.

Certa vez compramos shampoo e nos venderam condicionador. Percebi que nos venderam errado quando fui tomar banho e senti que meu cabelo ficou um sebo em vez de fazer espuma como shampoo. Outra vez compramos patê de frango e percebi quando fui comer o pão que era de fígado.

Comprando pela internet podemos escolher os produtos que queremos, sem se estressar porque o atendente não acha a marca que desejamos, podendo comprar até aquilo que indo ao supermercado físico não compraríamos, devido ao atendente não nos oferecer.

Recomendo a compra no supermercado online, pois os produtos recebidos em casa como frutas e verduras sempre são bons, pois o estabelecimento não sabe que somos cegos e envia produtos de qualidade.

Portanto, o supermercado online facilita a vida dos cegos, pois não precisamos nem sair de casa para fazer as compras apenas esperar elas chegar em casa.”

(Carlise Kronbauer)

A partir desse depoimento fico me perguntando se não está mais do que na hora dos supermercados se preocuparem com a questão da acessibilidade. Capacitar funcionários a atender as pessoas com qualidade é fundamental.

Imagino que alguns proprietários de redes de supermercados achem que isso não é vantajoso, pois nunca veem pessoas com deficiência visual fazendo compras Mas o relato da Carlise é bastante eloquente. Ela prefere comprar pela internet do que ir até uma loja física porque sabe que será mal atendida, que não vai encontrar os produtos que deseja e, ainda por cima, vai levar muito tempo.

Acredito que vale lembrar que 23,9% da população brasileira tem alguma deficiência. Acho que as lojas, supermercados e comércio em geral não deveriam desprezar este público consumidor.

Não tenho nada contra as lojas virtuais, mas sim ao fato dessa ser a única alternativa para que pessoas cegas ou com baixa visão consigam fazer compras. No momento em que esses estabelecimentos forem acessíveis e oferecerem condições adequadas, a Carlise e tantos outros tantos milhões de brasileiros poderão frequentá-los com maior autonomia e segurança. A pessoa com deficiência tem – ou deveria ter – o direito de escolher onde quer fazer compras, sem ficar restrita a determinados ambientes ou lojas virtuais.

Acessibilidade em hotéis

Sempre gostei muito de viajar, conhecer novos lugares e pessoas. Mas confesso que não me sinto segura em ir sozinha para um hotel que eu não conheça. Infelizmente a estrutura dos hotéis, pousadas e das próprias cidades brasileiras ainda não favorece a autonomia de turistas com qualquer tipo de deficiência.

Há alguns anos atrás estive em um hotel no Nordeste, onde passei por uma situação, no mínimo, desagradável. Estava na área das piscinas do hotel, mas não com roupa de banho. Estava com roupa comum e minha bolsa, pois ia sair. Sabia onde ficava a piscina adulta (pois já tinha entrado nela), mas não me dei conta de que estava próximo à piscina infantil e… Sim, cai nela de roupa e tudo.

Como a piscina infantil é bem rasa, acabei esfolando os joelhos e quase bati com a cabeça na beira, o que poderia ter levar a um acidente mais grave. Tirando o susto e o transtorno de ter que voltar para o quarto, trocar de roupa, secar a bolsa e as coisas que estavam dentro (as mulheres sabem como uma situação dessas é delicada), sobrevivi a tal situação.

Mas muito além da queda na água e dos joelhos esfolados – que por si só não foi tão grave -, fiquei muito constrangida com a situação. Havia outros hospedes em volta, ficaram todos me olhando, comentando e perguntando como eu estava. É muito chato cair na piscina de roupa e tudo quando isso não é feito de forma proposital. Fiquei muito envergonhada e constrangida com a situação.

Creio que deveria obrigatório um sinal de alerta no piso no entorno das piscinas (assim como existe próximo à linha do metrô para evitar que as pessoa caiam). Isso é uma questão de segurança e poderia evitar muitos outros acidentes.

Além disso, outra coisa que me incomoda muito é a iluminação difusa nos quartos. Os hotéis insistem em projetar lâmpadas laterais ou luminárias fraquinhas nos cantos do quarto. Parece que deixar o ambiente na penumbra é algo “chique”. Para mim isso não é chique. Isso é um transtorno, uma dificuldade, pois a baixa iluminação me atrapalha muito.

O local do café da manhã é sempre outro desafio. Geralmente o café da manhã é um Buffet e eu preciso de ajuda para me servir, pois identificar as comidas é uma dificuldade grande. Geralmente também são espaços escuros ou com pouca luz e muitos obstáculos pelo caminho.

O cardápio tem sempre uma letra pequena. Alguns locais chegam a disponibilizar cardápio em braile, mas poucos hotéis ou restaurantes lembram de imprimi-los também em fontes ampliadas para o público com baixa visão e os idosos (que também são super fãs das fontes grandes).

Seriam inúmeras as minhas considerações sobre a falta de acesssibilidade em hotéis. Mas se eu pudesse dar um conselho para seus administradores e proprietários, diria que consultem hospedes com deficiência antes de projetar seus espaços.

Perguntem e se informem sobre as necessidades das pessoas. O design, a decoração e a funcionalidade de qualquer ambiente devem ser aliados – e não inimigos – da acessibilidade.

Minha experiência enquanto jornalista com baixa visão

O fato de eu ter me tornado jornalista com baixa visão está causando curiosidade e interesse aos leitores do Três Gotinhas. Esse mês recebi dois emails do público leitor me questionando sobre isso. Um foi de uma estudante de São Paulo, que tem 18 anos e está decidindo o curso que vai fazer no vestibular, Ela se interessa muito pela área do Jornalismo e quer saber quais as facilidades e dificuldades da profissão para quem tem alguma deficiência visual.

O outro email foi de uma leitora, que já é jornalista formada e, assim como eu, tem baixa visão. Ela escreveu perguntando como é possível trabalhar em televisão e como eu faço já que não consigo ler o teleprompter. Fiquei muito feliz em receber esses emails, pois realmente gosto de compartilhar experiências com as pessoas. E gosto também quando as pessoas compartilham suas histórias comigo. (Aliás, vocês sabem que contribuições para o blog são sempre super bem-vindas!!!),

Contando então um pouco sobre minha experiência… Me formei em Jornalismo pela PUC-RS em 2007 e fiz mestrado em Letras pela UFRGS (que conclui em 2012). Na minha opinião nenhuma profissão é fácil para ninguém. Para quem tem qualquer deficiência física, terá invariavelmente maiores dificuldades, seja no curso de formação, no mercado de trabalho ou na forma como a sociedade lida com as pessoas com deficiência.

Na graduação tive disciplinas complexas para quem tem deficiência visual, como jornalismo online, tv, fotojornalismo, edição de imagem, diagramação, entre outras. Jamais me senti privilegiada nas avaliações, sempre tive que fazer os mesmos trabalhos e provas que os colegas.

Na verdade, pelo fato de eu ainda não usar bengala na faculdade, acho que os professores não chegavam a ter a real dimensão da minha deficiência visual. Então sempre me trataram como qualquer aluno, me ajudando ou fazendo alguma adaptação apenas em casos extremos, onde eu realmente não conseguia resolver a situação por conta própria. Acabava eu mesma me adaptando às situações que surgiam. Contei com o apoio de muitos professores mais compreensivos, mas nem sempre isso ocorria.

No último ano de faculdade, fiz um estágio na Assessoria de Comunicação de uma empresa, no Polo Petroquímico, em Triunfo/RS, há mais de uma hora de ônibus de Porto Alegre. Trabalhava lá o dia todo, saía de casa às 6h30 da manhã, voltava direto para a faculdade (que tive de transferir para o turno da noite) e chegava em casa pelas 23h, Foi um ano puxado, mas bastante intenso, com muitos aprendizados.

O maior desafio foi estudar à noite. Minha dificuldade visual aumenta muito a noite. Durante o dia ou em ambientes com mais iluminação não tenho tanta dificuldade, mas estudar a noite era algo que eu realmente não tinha imaginado. Tive de quebrar esse e outros tantos medos e receios. Solicitei à faculdade maior iluminação no entorno do prédio.

Percebi que estava superando aquela dificuldade quando, aos poucos, fui me preocupando mais com o estágio, com o trabalho de conclusão e com a formatura do que com as dificuldades práticas de estudar a noite. A vida precisava seguir de qualquer jeito, independentemente de eu ter de fazer o curso no turno da manhã ou da noite ou de ter de me locomover pelo campus sozinha em um horário de iluminação escassa.

Devo dizer, porém, que nem tudo foram dificuldades. Sempre tive facilidade para ouvir e gravar informações, seja fazendo uma entrevista jornalística ou escutando os professores em aula. Não copiava do quadro, mas conseguia anotar ou simplesmente memorizar tudo o que eles falavam. Na verdade, sempre fiz isso desde a época do Ensino Fundamental e Médio. Era algo meio intuitivo e muito natural, que eu acabava fazendo em função da deficiência visual, sem nem mesmo me dar conta.

Hoje vejo o quanto foi importante fazer o curso de Jornalismo sem grandes “adaptações”, pois isso me deu uma boa base curricular. Sempre pensei que, até pelo fato de eu ter uma dificuldade a mais (que meus colegas não tinham), deveria ir muito bem no curso, tirar boas notas e ser bem eficiente naquilo que eu me propusesse a fazer. Sabia que o mercado não seria nada fácil, que a concorrência é grande em qualquer profissão e que, para mim, talvez as dificuldades fossem maiores.

Jamais imaginei trabalhar em uma emissora de televisão, até pelas dificuldades práticas que eu sabia que existiriam. Sempre me interessei mais pela produção de conteúdo editorial para revistas, jornal impresso ou online. Ou ainda, pela área de assessoria de imprensa, divulgação de eventos, comunicação empresarial.

Estou surpresa comigo mesma, nesse momento, por estar trabalhando agora em uma emissora de TV, a TVE do Rio Grande do Sul. Vejo que isso é possível – algo que eu não imaginava -, com pequenas adaptações. O fato de eu não ler o teleprompter não é um problema, pois sempre falei de improviso desde a escola nas apresentações de trabalhos. Então isso é algo que já estava, de alguma forma, “treinada” a fazer desde sempre.

Para eu focar a câmera certa, meus colegas do estúdio, levantam um papel branco para que eu saiba para onde devo olhar. As câmeras são pretas e ficam em um local mais escuro do estudio, o que não gera contraste. Então uma simples folha branca já resolve a situação. O meu computador, que fica na Redação, também é adaptado, com fontes ampliadas e as configurações corretas para mim.

Nas reportagens de rua, sempre conto com o auxílio dos colegas cinegrafistas, que ajudam muito, dão dicas e orientações sobre melhores locais para gravar e forma de me posicionar adequadamente. No momento de gravar os boletins para as reportagens, o fato de eu ter baixa visão acho que ate facilita as coisas. pois sei que muitas pessoas ficam curiosas em volta, querendo ver o que o repórter está fazendo ou mesmo tentando aparecer na TV. Como eu não vejo o que está acontecendo em volta, consigo me concentrar e focar somente na câmera e no trabalho que devo fazer. Consigo “desligar” a mente das interferências externas. É como se eu usasse a baixa visão a meu favor: vejo apenas a câmera na minha frente e aquilo que é necessário ser visto naquele momento.

Mas as maiores barreiras que eu encontrei até hoje não foram em relação à falta de acessibilidade arquitetônica ou em relação a adaptações necessárias no meu dia a dia. As maiores dificuldade foram – e ainda são – em relação ao comportamento e à falta de compreensao das pessoas. Infelizmente as empresas e até colegas de trabalho muitas vezes subestimam a pessoa com deficiência e pensam que não somos capazes de desempenhar funções básicas da profissão.

Além disso, no currículo das faculdades de Comunicação sinto que faltam disciplinas sobre acessibilidade na mídia. Disciplinas sobre audiodescrição, legendagem, libras, construção de sites acessíveis simplesmente não existem. Não fazem parte da grade curricular, nem mesmo como eletivas. Os estudantes precisam buscar esse conhecimento por conta própria, o que acaba formando profissionais despreparados para pensar os meios de comunicação acessíveis a todos.

Enfim, muito ainda temos o que evoluir, não apenas na área da Comunicação Social, mas na sociedade em geral. Apesar da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a qual o Brasil é signatário, garantir o acesso pleno da pessoa com deficiência às comunicações, ao lazer e ao entretenimento, muito ainda temos a avançar nesse sentido.