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Acessibilidade na praia

Desde criança sempre gostei muito de ir à praia. A sensação de estar na areia, sentir a brisa, entrar na água, relaxar é muito boa. Mas para quem tem baixa visão, como é o meu caso, ou qualquer outro tipo de deficiência, a praia reserva algumas armadilhas.

Sempre senti dificuldade ára ir até a beira da praia sozinha, pois geralmente não há um caminho livre e desobstruído. Às vezes temos que fazer trilhas no meio das dunas para chegar à ´praia. Ou temos que passar por desníveis e caminhos irregulares, em que encontramos cacos de vidro, lixo, galhos de árvore, calçadas quebradas. Várias vezes já cai e torci o pé nesses percursos.

Em alguns casos, há escadas e degraus sem nenhuma sinalização. São degraus na cor cinza, a mesma cor da calçada, que levam até a areia. Uma simples listra branca poderia ajudar muito na visualização de quem tem baixa visão. Ou ainda, o piso tátil pode fazer a diferença para pessoas cegas e com baixa visão, pois pode ser identificado com a bengala.

Quem tem deficiência visual acaba criando alguns “artifícios” para se locomover com mais autonomia e segurança. Eu sempre costumo fazer o mesmo caminho por onde ando. Na praia não é diferente: faço o mesmo trajeto para chegar até a areia. Assim me acostumo a driblar os obstáculos, que se tornam conhecidos.

Somos surpreendidos, porém, quando surge uma obra ou obstáculo repentino. E muitoas pessoas nao se dão conta que deixar um obstáculo no caminho pode levar a um acidente.

Quando eu era criança lembro de cometer algumas “gafes”. Ia brincar na água e depois não conseguia voltar para o guarda-sol certo onde estava minha família. Olhando à distância, os guarda-sóis são todos iguais. Algumas vezes chegava a me dirigir ao grupo de pessoas errado. Ficava com muita vergonha.

Quem tem baixa visão, só consegue reconhecer as pessoas a uma distância de um ou dois metros de distância. Minha estratégia, nesse caso, era caminhar rente à linha de guarda-sóis e esperar que alguém me chamasse, sem que eu precisasse me dirigir até alguém sem ter certeza de quem era.

Já na adolescência, minhas amigas queriam ficar na areia olhar os surfistas na praia. Sempre as acompanhava, mas digamos que nessa parte eu ficava um pouco “prejudicada”. Acabava esperando pelo momento certo em que eles tivessem entrando ou saindo do mar. Nesse momento eu tentava chegar o mais próximo possível para conseguir vê-los. As amigas acabavam fazendo então, mesmo sem saber, uma audiodescrição improvisada dos surfistas.

Atualmente essas dificuldades continuam, mas acho que fui aprendendo a conviver melhor com elas. Ainda sinto dificuldade em relação aos prestadores de serviços. As lojas no litoral, os restaurantes, o comércio, os hoteis e pousadas não estão bem preparados para atender a pessoa com deficiência com qualidade. Falta infraestrutura física e capacitação dos atendentes.

Como não gosto de simplesmente fazer críticas (sem apontar nenhuma solução) trago aqui algumas sugestões que podem fazer a diferença nos estabelecimentos comerciais. A disponibilização de um cardápio em fontes ampliadas e em braille pode ser fator decisivo para conquistar um cliente com deficiência visual ou idoso (com algum comprometimento visual mais acentuado). Nesse sentido, a boa iluminação do ambiente também é importante.

Manter o caminho livre entre as mesas, de modo que a pessoa cadeirante, com mobilidade reduzida, que esteja empurrando um carrinho de bebê, com deficiência visual ou idosa possa circular sem encontrar barreiras. Outra medida simples (que pode auxiliar e muito) é colocar caixas e balcões na altura de uma pessoa sentada. Assim, o cadeirante ou pessoa de baixa estatura não fica impossibilitado de chegar ao caixa, efetuar o pagamento ou escolher um produto com autonomia.

Não existem fórmulas mágicas de como tornar um local acessível. Pensar no público consumidor e nas diferenças entre as pessoas no momento de planejar um espaço, de fazer uma obra ou reforma deveria ser óbvio e banal – mas ainda não é. Creio, porém, que se a regra do bom senso e do respeito ao próximo for seguida estaremos no caminho certo.

Entrevista: Mariana Baierle, jornalista

Abaixo entrevista que dei para os alunos do curso de Jornalismo da UFRGS, na disciplina Seminário de Tecnologia.

Por: Bruna Linhares, 03 de Dezembro de 2012

A porto-alegrense Mariana Baierle tem 27 anos, é jornalista, formada pela PUCRS e mestre em Letras, pela UFRGS. Desde setembro, ela apresenta um quadro sobre acessibilidade no programa Cidadania, da TVE. Mariana, que possui baixa visão desde que nasceu, tornou-se a primeira jornalista com essa característica a apresentar um quadro fixo em uma emissora de televisão aberta. Além do trabalho na TVE, a jornalista também é editora do blog Três Gotinhas, professora no curso de extensão “Educação, Cultura e Acessibilidade” da Faculdade de Educação da UFRGS, além de prestar consultoria de audiodescrição e acessibilidade. Na entrevista a seguir, concedida ao Cultura para Ver, Mariana Baierle fala um pouco sobre a sua trajetória acadêmica, suas atividades profissionais e sobre acessibilidade.

CULTURA PARA VER – És graduada em Jornalismo e mestre em Letras. Enfrentaste alguma dificuldade com relação à falta de acessibilidade ao longo da tua formação? E como avalia os currículos dos cursos com relação à inclusão?

MARIANA BAIERLE – Eu enfrentei, sim, diversas dificuldades ao longo da minha formação. Mas essas dificuldades não foram apenas em função de ter uma deficiência visual. Eu diria que, em primeiro lugar, enfrentei as mesmas dificuldades ou exigências que meus colegas sem deficiência: conciliar faculdade e estágio ou emprego, cumprir prazos, fazer provas, entregar trabalhos, fazer diversas disciplinas ao mesmo tempo etc.

A questão da deficiência esteve, sim, presente e, em alguns momentos, eu senti muitas dificuldades. Os professores e os próprios currículos dos cursos não estão preparados para alunos com qualquer tipo de deficiência. Na Comunicação, a questão da imagem é muito forte e muito cobrada pelos professores. Não há nenhuma disciplina sobre audiodescrição ou acessibilidade na mídia, pelo menos dentro dos cursos de Jornalismo que conheço. É algo que as instituições de ensino precisam aprimorar com urgência.

Na área de Letras é a mesma coisa. No mestrado não tive nenhuma disciplina voltada para essas questões de acessibilidade e inclusão de alunos com deficiência. E esse é um curso que forma professores, que irão trabalhar com alunos com e sem deficiência. Algo realmente preocupante.

CV – Tu és uma das responsáveis pelo documentário Olhares, tem o blog Três Gotinhas, e apresenta um quadro sobre acessibilidade na TVE. Como e por que começastes com estes trabalhos voltados para a inclusão?

MARIANA – Todo o meu interesse por estudar e trabalhar com questões de acessibilidade começou na UFRGS, quando entrei em contato com o pessoal do Programa Incluir. Comecei a ser atendida por esse programa, que adapta materiais didáticos para alunos com algum tipo de deficiência. Comecei a me interessar por esse tipo de trabalho, não só como aluna atendida, mas também sob o ponto de vista profissional. Lá conheci pessoas maravilhosas que me deram força, até para assumir mais minha deficiência visual e aprender como lidar da melhor forma possível com isso. Aos poucos fui fazendo cursos, escrevendo no meu blog Três Gotinhas sobre esses temas, participando de grupos de estudo e projetos de pesquisa envolvendo audiodescrição e acessibilidade num plano mais amplo, além de dirigir o documentário Olhares em parceria com meu amigo Felipe Mianes.

Hoje já ministro um curso de extensão na Faculdade de Educação da Ufrgs e me orgulho muito de todos esses trabalhos. Essas atividades podem atingir e beneficiar outras pessoas com e sem deficiência. Muitas pessoas com as quais converso sobre as dificuldades enfrentadas por aqueles com deficiência acabam se tornando multiplicadoras desse ideal de um mundo mais acessível para todos e levando essa consciência adiante. Ver que essas questões estão se multiplicando não tem preço, pois sinto que aos poucos a realidade começa a melhorar.

CV – Achas que ainda existe muito preconceito ou falta de informação das pessoas com relação àqueles que possuem cegueira ou baixa visão?

MARIANA – Sim, a falta de informação está por toda a parte. E isso acaba levando ao preconceito e a atitudes que, muitas vezes, podem ofender a pessoa com deficiência. Acredito que, aos poucos (ainda de forma mais lenta do que o esperado), essa realidade está mudando. O convívio maior com as pessoas com deficiência através de sua inserção em diversos ambientes (escola, universidade, mercado de trabalho, centros culturais) ajuda bastante na quebra de paradigmas e de estereótipos. Gradativamente estamos modificando aquelas ideias antigas de que a pessoa com deficiência não pode fazer nada, não pode trabalhar, ter amigos, frequentar a escola, sair de casa, interagir com as pessoas, constituir uma família etc.

CV – Como está sendo a experiência na televisão? Estás tendo retorno do público?

MARIANA – É a primeira vez que estou trabalhando em uma TV. Foi algo totalmente por acaso, jamais havia pensado ou planejado trabalhar em uma TV. Sempre pensei em seguir no jornalismo impresso ou online por gostar muito de escrever e entrevistar pessoas. Estou gostando da experiência e do aprendizado. Acho que estou me saindo bem, apesar de ser tudo muito novo para mim. Muitas pessoas comentam sobre a importância de uma jornalista com deficiência estar ocupando esse espaço para falar sobre acessibilidade. Creio que realmente seja importante para mostrarmos à sociedade que o fato de eu – ou de outra pessoa – ter uma deficiência não é um impeditivo para que exerça minhas atividades profissionais. Tenho pequenas adaptações no ambiente de trabalho, mas isso ocorre para qualquer pessoa – cada profissional tem perfil para uma função, para um estilo de trabalho, um ritmo próprio. E o mesmo acontece comigo e com outras pessoas com deficiência.

CV – Quais medidas simples tu achas que poderiam ser implementadas em ambientes públicos, culturais, etc., para melhorar a acessibilidade e a inclusão de pessoas com cegueira e baixa visão?

MARIANA – Em primeiro lugar a desobstrução dos caminhos e calçadas. As calçadas de Porto Alegre são terríveis, totalmente esburacadas, quebradas, irregulares. Há sacos de lixo no caminho, entulho de obras, fios de aço atravessados, orelhões sem sinalização, postes, placas etc. A população e os órgãos públicos deveriam cuidar e preservar as calçadas, mas ninguém parece estar preocupado com isso.

Nos espaços culturais, mesmo que em ambientes fechados, também ocorre de termos corredores obstruídos com diversos obstáculos. As pessoas precisam se dar conta que uma cadeira no meio do caminho pode não ser nada grave para quem enxerga, mas para quem tem deficiência visual isso já representa um risco para acidentes. Medidas simples como essas – desobstruir calçadas, corredores e caminhos por onde as pessoas circulem. Isso irá ajudar a pessoa com deficiência visual, mobilidade reduzida, cadeirante, a mãe que empurra um carrinho de bebe,etc.

Fonte:
http://projetotransmidia.wix.com/culturaparaver#!posts/cmr

Cliente Oculto – Restaurante BALANCEADO no shopping Iguatemi

A partir de agora de tempos em tempos vou publicar postagens avaliando a acessibilidade em locais que frequento, tanto sob o ponto de vista do espaço físico quanto do comportamento e do preparo dos atendentes. Vou postar nessa coluna “Cliente Oculto” minhas experiências e impressões sobre o atendimento em lojas, restaurantes, bares, teatros ou qualquer outro espaço.

Espero, com isso, poder elogiar os locais que prestem um bom serviço e também cobrar melhorias dos que deixem a desejar. Quero muito contar com a participação dos leitores para comentários e sugestões!!! E se você tiver algum relato nesse sentido, pode escrever pra mim. Terei o maior prazer em publicar!

Vamos ao comentário de hoje…

Pouca gente imagina, mas sempre evitei os restaurantes estilo buffet ou esses em que as pessoas te servem e tu vais dizendo o quer. Esses locais são complicados porque geralmente tu tens que te servir ou ir pedindo as coisas com pressa (pois tem pessoas atrás na fila). Além disso, tu tens que identificar sozinho quais são as comidas (na maioria das vezes sem nenhuma plaquinha de identificação e em um ambiente pouco iluminado), encontrar o prato, o guardanapo, os talheres, pesar na balança e depois te dirigir para uma mesa equilibrando tudo e procurando lugar pra sentar. Uma tarefa bem complexa. Uma aventura para quem tem baixa visão ou qualquer outro tipo de dificuldade.

As praças de alimentação de shoppings, cada vez mais lotadas, geralmente funcionam assim: tu te serves no buffet e depois torce pra encontrar uma mesa no meio da multidão. É por isso que sempre dei preferência por locais em que posso fazer o pedido e aguardar tranquilamente na na mesa.

Mas enfim, hoje era domingo e eu queria algo rápido e simples para comer. Fui com minha irmã ao shopping Iguatemi aqui em Porto Alegre. Almocei, quase às três da tarde, no Balanceado – um local novo que abriu nos shoppings Iguatemi e Moinhos de Vento.

O restaurante é especializado em saladas e comidas saudáveis. Tem uma modalidade bem interessante de prato de salada personalizada. É como se fosse um Subway, em que o atendente vai servindo as coisas que tu pedes. Mas no Balanceado não tem sanduiche, e sim uma cumbuca que tu montas, cheia de saladas, molhos e temperos. Bem interessante a proposta. Um prato desses sai por R$ 13,90.

O local é composto por um buffet, em que o cliente escolhe oito tipos de saladas, dois tipos de molhos, mais o tempero e coberturas. A comida fica em um balcão na altura da minha cintura. Há um vidro por cima, quase até a altura do rosto de uma pessoa adulta em pé.

Algo completamente inacessível para um cadeirante. O cadeirante poderia até visualizar as comidas, mas ficaria inviável conversar com a atendente, dizer o que vai querer e efetuar o pagamento em um balcão super alto.

As saladas estão dentro desse balcão de vidro transparente sem nenhuma identificação. Ou seja, a pessoa deve enxergar e saber o que são as coisas. Se tivesse o nome das coisas ali em fontes grandes ajudaria qualquer cliente, não apenas aqueles com alguma deficiência visual.

Percebi aquelas dificuldades todas na fila, já apreensiva com a falta de acessibilidade do local, e me dirigi à atendente. Disse que ela deveria me explicar quais eram as comidas etc. A moça (Manuela, subgetente) foi bem simpática e educada. Foi me explicando tudo e, provavelmente sem se dar conta, fazendo uma audiodescrição improvisada das coisas.

Na hora de pagar, fui atendida por outra moça, que perguntou se eu queria que alguém levasse a bandeja até minha mesa – sem eu nem ter que pedir! Respondi, satisfeita com a proatividade, que sim. Então ela chamou um outro rapaz que, segurando minha bandeja, perguntou onde eu queria sentar. Disse que em qualquer lugar desde que estivesse livre (risos).

O atendimento foi rápido e objetivo. As pessoas me ajudaram exatamente naquilo que eu precisava. O local não tinha nenhuma acessibilidade arquitetônica, nenhum tipo de adaptação para mim ou para outra pessoa com deficiência. Mesmo assim, os atendentes foram educados e bem dispostos para ajudar.

Apesar de eu estar no caos que é a praça de alimentação de um shopping, consegui almoçar uma comidinha saudável sem me estressar. Além do mais, comi uma bela salada – que, com tantos molhos e coisas gordas que coloquei, nem parece salada e fica com um sabor muito bom!

TVE é a primeira emissora brasileira a transmitir quadro fixo apresentado por jornalista com baixa visão

O Cidadania, transmitido ao vivo pela TVE nas segundas, quartas e sextas, às 19h, é o primeiro programa da televisão brasileira aberta a ter um quadro comandado por apresentadora com baixa visão. Com novo formato e abordagem ampla de conteúdos, o Cidadania reestreou em setembro, incluindo em sua pauta a acessibilidade, tema abordado pela jornalista e mestre em Letras Mariana Baierle. “Quero que as pessoas me enxerguem além da minha deficiência visual, pois ela é apenas uma das minhas características. Acima de tudo sou amiga, jornalista, colega, como qualquer outra pessoa. A baixa visão não sou eu inteira”, declara Mariana.

Para o presidente da Fundação Cultural Piratini, Pedro Luiz da Silveira Osório, “a radiodifusão pública não pode ficar alheia à realidade das pessoas com deficiência. Temos obrigação de abordar o assunto e promover o acesso à informação e a discussão sobre essa temática.” De acordo com dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge), no Rio Grande do Sul existem 1.900.134 milhão de pessoas com deficiência visual (17% da população), 617.244 mil pessoas com deficiência auditiva (5,7% da população), 818.450 mil pessoas com deficiência motora (7,6% da população), e 162.792 mil pessoas com deficiência intelectual (1,52% da população), totalizando 3.799.120 milhões de pessoas com deficiência (35,5% da população no RS).

A TVE vem tomando iniciativas que promovam a acessibilidade a partir da assinatura de um termo de cooperação técnica com a Federação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para PPDs e PPAHs no RS (Faders) em 2011. Desde lá, a emissora passou a ter intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) no programa Viva Bem, transmite o programa Faça a Diferença, da TV Assembleia, e apresenta o Jornal Visual, em rede com a TV Brasil.

Estas ações visam garantir o cumprimento das diretrizes preconizadas na Convenção da ONU que trata dos direitos da pessoa com deficiência e na Lei 13.320 de 21 de dezembro de 2009. Também é diretriz das emissoras públicas do Rio Grande do Sul contribuir para que os temas relacionados à acessibilidade entrem na pauta e na agenda do público.

Fonte:
http://www.tve.com.br/?model=conteudo&menu=83&id=1164

Crédito das fotos: Giovanni Rocha