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“As pessoas pensam que eu não posso exercer o jornalismo plenamente por ter baixa visão”, diz apresentadora da TVE

Por: Nathália Carvalho

O dia acaba. Já é quase noite e, neste momento, encerra o expediente da maioria dos brasileiros. Na contramão, este era o horário em que a jornalista Mariana Baierle se preparava, em 2007, para enfrentar o caminho até a redação do Correio do Povo, em Porto Alegre. Com pouca luz e muitos obstáculos, o trajeto tratava-se de um desafio. “Tenho cerca de 10% de visão. Para ir até o trabalho já estava anoitecendo – ou era noite fechada no inverno. Tive muitas dificuldades, pois não estava preparada para andar pelas ruas de noite com segurança”.

Era o primeiro emprego de Mariana – em redação e noturno. À época, ela ainda não usava bengala e tinha objeção para assumir a deficiência. Foram alguns tombos e machucados, até que ela percebeu que as coisas precisavam mudar. E mudaram. A jornalista, que hoje comanda e apresenta um quadro sobre acessibilidade na TVE, reaprendeu a andar e a lidar com o preconceito das pessoas e do mercado de trabalho. “Fico muito chateada quando me deparo com pessoas que pensam que não posso exercer o jornalismo plenamente por ter baixa visão”, diz.

Não foi nada fácil. Mariana conta que, no começo, a maior resistência era dela, pois tinha vergonha de tirar a bengala da bolsa. “Não queria que as pessoas me vissem usando aquele instrumento e viessem me perguntar sobre isso. Para completar, escutava muitos comentários preconceituosos e desagradáveis feitos nas ruas e nos ônibus por pessoas desconhecidas, como por exemplo: ‘É ceguinha, mas é tão bonita!’, ‘Você é tão nova e já é deficiente?’, ‘Que lindos olhos, nem parece que não funcionam’, entre uma infinidade de coisas”, conta.

Formada pela PUC-RS e mestre em Letras pela UFRGS, Mariana não encontrou preconceito somente na rua. Conseguir uma vaga na área representava, para o mercado, apenas cumprir cotas, independentemente da capacidade e formação. “Mesmo formada, com graduação, mestrado e experiência, as empresas me ofereciam vagas de auxiliar de escritório, telefonista ou operadora de telemarketing – cargos que exigiam apenas o nível médio (ou nem isso)”. Segundo ela, ainda há pessoas que acreditam que ela não pode trabalhar na área como os outros profissionais. “Posso não enxergar os detalhes de algumas coisas (da forma como outras pessoas veem), em compensação, tenho maior sensibilidade para sentir o ambiente, avaliar situações e compreender o que está acontecendo”.

Na época do vestibular, a apresentadora fazia parte do pequeno grupo que já sabia o que queria estudar: Jornalismo e Letras. Foi exatamente nessa ordem que ela realizou os dois sonhos. “Entrei em Comunicação pensando em seguir na área de texto, seja em jornal impresso, online, revista ou produção de conteúdos diversos”. Em Porto Alegre, Mariana fez estágio em jornais de bairro, ocasião em que aprendeu a fazer reportagens, entrevistas e resgates históricos sobre a cidade. A jornalista também passou pela Comunicação e Marketing da Copesul, o que trouxe experiência empresarial. A oportunidade na TVE, onde está atualmente, significa conquista após tanto tempo recebendo propostas para funções fora do Jornalismo. “Surgiu um concurso emergencial para a emissora, o qual eu fiz e posso dizer, com orgulho, que fui aprovada na classificação geral, independentemente das cotas”.

Desde setembro passado, Mariana é repórter da emissora e apresenta o quadro dento do programa ‘Cidadania’, comandado por Lena Ruduit. “Acho que se as pessoas com deficiência tivessem as condições adequadas para se desenvolver, desde a educação básica até o mercado de trabalho, o fato de ocuparem diversos espaços e tipos de emprego não seria tão espetacular – seria visto com maior naturalidade. Quero que um dia eu e as pessoas com deficiência sejam reconhecidas primeiro pelo talento e capacidade, e depois pela deficiência. Esse ainda é um sonho distante”.

Para a jornalista, a presença de pessoa com deficiência no mercado de trabalho e no ambiente corporativo ensina os demais a lidar com a diferença. “Minha experiência no mercado mostra que, no início, as pessoas têm muita resistência e desconhecimento quanto ao potencial das pessoas com deficiência. Depois de um tempo, felizmente essa ‘barreira’ e o distanciamento podem ser quebrados”, diz. No Jornalismo, falar sobre o trabalho da fotógrafa americana Amy Hildenbrand foi a reportagem mais marcante de Mariana. Ela conta que a artista também tem baixa visão, aproximadamente 20%, e tirou mil fotos em mil dias, registrando momentos cotidianos e sua forma de perceber o mundo. A matéria foi exibida no ano passado nos programas ‘Estação Cultura’ e ‘Cidadania’.

Fonte:
http://portal.comunique-se.com.br/index.php/editorias/3-imprensa-a-comunicacao-/71192-as-pessoas-pensam-que-eu-nao-posso-exercer-o-jornalismo-plenamente-por-ter-baixa-visao-diz-apresentadora-da-tve.html

Audiodescritor em foco – Entrevista com Mariana Baierle

Mariana Baierle é jornalista pela PUCRS e mestre em Letras pela UFRGS. Professora e palestrante em cursos sobre acessibilidade cultural e formação de profissionais para atendimento de pessoas com deficiência. Consultora em Acessibilidade e audiodescritora consultora. Repórter e apresentadora do quadro Acessibilidade dentro do programa Cidadania da TVE-RS. Diretora do documentário “Olhares” (em parceria com Felipe Mianes). Editora do Blog Três Gotinhas (www.tresgotinhas.com.br).

1 – Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?

Mariana: Através de curso de formação específica, além de assistir a muitos filmes com audiodescrição, analisar roteiros, ler artigos, pesquisar e discutir com outros profissionais da área. O audiodescritor não é formado na noite para o dia. É um processo longo, trabalhoso, que exige dedicação e esforço pessoal. É preciso uma sensibilidade incrível por parte do audiodescritor, que tem em suas mãos um desafio e uma grande responsabilidade. É preciso formação teórica e prática, talento, riqueza vocabular e treinamento. Mais do que um campo de trabalho e um mercado em plena expansão, a AD tem um significado mágico na minha vida. Representa minha autonomia, minha independência, liberdade, oportunidade de lazer e entretenimento, acesso à arte, à cultura e à informação. É um mundo visual ao meu alcance através de palavras.

Palavras que significam mais que imagens. Palavras repletas de significado e de sentimento. Sempre amei literatura e a AD nada mais é senão uma tradução – e, porque não dizer, uma criação – artística e literária. Por isso, ouvir a AD de uma exposição, filme, fotografia, obra de arte pode ser algo belo e prazeroso, que coloca a pessoa cega ou com baixa visão em posição de igualdade em relação às demais.

2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?

Mariana: A AD representa uma mudança de cultura, de consciência e de valores por parte da sociedade. O mundo passa a preocupar-se – ainda que de forma tímida – com os direitos humanos, com o respeito às diferenças e às especificidades de cada um. Os espaços públicos e privados, os ambientes culturais e sociais, começam a ser preparados e projetados para receber e atender bem a todos, não apenas àqueles enquadrados dentro de certos padrões de normalidade.

Sempre consegui realizar todas as minhas atividades tendo baixa visão (como trabalhar, estudar, ter amigos, me relacionar com as pessoas etc). A maior dificuldade sempre foi no acesso a determinados produtos e eventos culturais, em que as imagens eram imprescindíveis.

A partir da AD isso mudou, não há mais esse impedimento. Agora a luta é para que mais espaços coloquem a AD em sua programação regular, não apenas em alguns momentos pontuais. Por isso, acredito que a AD representa mais autonomia, mais liberdade, mais satisfação na vida de pessoas com deficiência visual e dos demais beneficiados.

3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?

Mariana: Uma das grandes e sérias dificuldades ainda é fazer com que as pessoas se deem conta que qualquer produto ou serviço relacionado à acessibilidade não precisa necessariamente feito de forma gratuita. Ainda existe a ideia de que qualquer ação relacionada à acessibilidade é uma obra social ou de “caridade”, de cunho assistencialista, para com aqueles que não enxergam. E isso não é verdade. As pessoas com deficiência visual querem ser tratadas com respeito, como consumidoras, como clientes e apreciadoras de arte e entretenimento.

No caso da AD, existem profissionais capacitados, empresas preparadas e com experiência para prestar um serviço de qualidade. Algumas podem realizar seu trabalho melhor do que outras. É a lei do mercado, o público irá decidir e escolher aquela AD que lhe agrada mais.
Nesse sentido, tratar as pessoas com deficiência visual como consumidores, como clientes, e não como “coitadinhos” ou “vítimas” de alguma coisa ainda é o mais difícil. Isso envolve uma mudança de postura e de pensamento. As pessoas com deficiência visual podem acompanhar os mesmos filmes, os mesmos espetáculos, desde que tenham as condições adequadas.

Quanto às alegrias, são imensas. Sou apaixonada pela arte da audiodescrição e por tudo que ela representa. Gosto das imensas possibilidades artísticas e literárias que ela propicia. É maravilhoso exercer a atividade de audiodescritora consultora, revisar roteiros, trocar ideias com os demais colegas da área, além de fazer parte de uma equipe maravilhosa na Tagarellas Audiodescrição (mais do que colegas, amigos para a vida toda). Enfim, é uma atividade que me realiza como pessoa e como profissional. Tenho alegrias constantes desde que me aproximei da audiodescrição enquanto espectadora e depois enquanto profissional.

4 – Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito?Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?

Mariana: Com certeza, não há dúvidas de que a audiodescrição é, acima de tudo, uma produção cultural e artística. Além de ampliar o conhecimento e o acesso do público aos produtos audiodescritos, amplia também o vocabulário, o entendimento do mundo, a apreciação e percepção cultural. A AD permite que as pessoas com deficiência visual vivam e sintam os espetáculos, filmes, teatros etc de forma intensa, autônoma e completa.

5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?

Mariana: Em primeiro lugar é preciso que as leis sobre acessibilidade que existem no Brasil sejam cumpridas. Já está determinada a inserção de duas horas semanais de AD na TV aberta, mas nem todas as emissoras estão cumprindo. E, mesmo aquelas que cumprem, às vezes disponibilizam uma AD de péssima qualidade, feita por pessoas desqualificadas e sem experiência na área.

Falta pressão por parte do público com deficiência visual, intelectual e todos os demais interessados. É importante lembrar que quase um quarto da população brasileira tem alguma deficiência, conforme dados do último Censo do IBGE. São pessoas que, como todas as outras, pagam seus impostos, fazem parte do mercado consumidor de cultural, arte, lazer e entretenimento. São pessoas que precisam ser contempladas em todo planejamento de qualquer evento, programação cultural, televisiva, cinematográfica etc. Não é mais espaço para pensamos apenas em um modelo de “consumidor-padrão”. A sociedade não comporta mais esse tipo de pensamento e atitude. Não existe mais um padrão de “normalidade”. Cada pessoa deve ser respeitada e atendida em suas necessidades.

Entrevista: Felipe Leão Mianes

Fonte: http://www.arteficienciavisual.blogspot.com.br/2013/02/audiodescritor-em-foco-p-entrevista-com.html

TVE é a primeira emissora brasileira a transmitir quadro fixo apresentado por jornalista com baixa visão

O Cidadania, transmitido ao vivo pela TVE nas segundas, quartas e sextas, às 19h, é o primeiro programa da televisão brasileira aberta a ter um quadro comandado por apresentadora com baixa visão. Com novo formato e abordagem ampla de conteúdos, o Cidadania reestreou em setembro, incluindo em sua pauta a acessibilidade, tema abordado pela jornalista e mestre em Letras Mariana Baierle. “Quero que as pessoas me enxerguem além da minha deficiência visual, pois ela é apenas uma das minhas características. Acima de tudo sou amiga, jornalista, colega, como qualquer outra pessoa. A baixa visão não sou eu inteira”, declara Mariana.

Para o presidente da Fundação Cultural Piratini, Pedro Luiz da Silveira Osório, “a radiodifusão pública não pode ficar alheia à realidade das pessoas com deficiência. Temos obrigação de abordar o assunto e promover o acesso à informação e a discussão sobre essa temática.” De acordo com dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge), no Rio Grande do Sul existem 1.900.134 milhão de pessoas com deficiência visual (17% da população), 617.244 mil pessoas com deficiência auditiva (5,7% da população), 818.450 mil pessoas com deficiência motora (7,6% da população), e 162.792 mil pessoas com deficiência intelectual (1,52% da população), totalizando 3.799.120 milhões de pessoas com deficiência (35,5% da população no RS).

A TVE vem tomando iniciativas que promovam a acessibilidade a partir da assinatura de um termo de cooperação técnica com a Federação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para PPDs e PPAHs no RS (Faders) em 2011. Desde lá, a emissora passou a ter intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) no programa Viva Bem, transmite o programa Faça a Diferença, da TV Assembleia, e apresenta o Jornal Visual, em rede com a TV Brasil.

Estas ações visam garantir o cumprimento das diretrizes preconizadas na Convenção da ONU que trata dos direitos da pessoa com deficiência e na Lei 13.320 de 21 de dezembro de 2009. Também é diretriz das emissoras públicas do Rio Grande do Sul contribuir para que os temas relacionados à acessibilidade entrem na pauta e na agenda do público.

Fonte:
http://www.tve.com.br/?model=conteudo&menu=83&id=1164

Crédito das fotos: Giovanni Rocha