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Acessibilidade está se formando nas séries iniciais

Essa semana estive em um evento histórico no Rio Grande do Sul – e talvez no Brasil – no que diz respeito à acessibilidade. Minha irmã Julia Baierle Soares se formou em Administração de Empresas na UFRGS. A formatura contou com audiodescrição e intérprete de Libras. Outras formaturas da UFRGS já haviam contado com intérprete de Libras, mas foi a primeira vez que um evento como esse foi audiodescrito no Estado.

Preciso registrar aqui que as audiodescritoras da Tagarellas Audiodescrição Marcia Caspary e Mimi Aragon realizaram um trabalho fantástico. Posso dizer que foi a primeira vez que “vi” todos os detalhes da cerimônia. Geralmente essas solenidades são longas, com muitos discursos e também muitos elementos visuais, que para quem tem baixa visão como eu passam despercebidos, tornando o evento cansativo e entediante.

Dessa vez, porém, foi possível ter acesso a informações fundamentais como a entrega e a assinatura dos diplomas, a reação de cada formando, a forma de comemoração de cada um deles, as vibrações, as emoções da plateia, os sorrisos, os abraços, as lágrimas etc.

Marcia e Mimi, em um clima descontraído (mas com a seriedade e o profissionalismo de sempre) narraram aspectos visuais de toda a solenidade, desde o cenário, o ambiente do Salão de Atos, a distribuição das pessoas no palco, as cortinas, as cadeiras, a iluminação, os jogos de luz durante a cerimônia, os banners, os vídeos exibidos nos telões e as vestimentas dos formandos.

Foi tocante saber que alguns formandos iam receber os diplomas dançando ou sambando – o que pra mim foi uma grande surpresa, pois nunca consegui ver esses detalhes. Outros acenavam pra plateia. Alguns cumprimentavam toda a turma antes de receber o diploma. Outros davam um abraço coletivo nos colegas, formando um circulo e pulando. Fiquei emocionada quando Marcia narrou que um homem e uma moça deram um longo abraço, mas não um abraço qualquer, um abraço comovido e vibrante que balançavam o corpo todo.

Alguns formandos deixaram o capelo cair no chão na hora da foto. Sim, o “capelo”! Eis uma palavra nova que aprendi graças à AD. Capelo é o nome daquele chapéu dos formandos, que para mim não tinha nome ou chamava-se mesmo “chapéu de formatura” (ahahahha). Mais uma prova de como a AD amplia o vocabulário e a cultura das pessoas!

Outros formandos esqueciam de tirar a foto e tinham que voltar. Havia um funcionário no palco ajudando a arrumar os capelos na cabeça dos formandos na hora da foto. Além disso, a AD possibilite eu rir quando o capelo não encaixa na cabeça de uma formanda que está com um coque ou penteado diferente.

Foi emocionante em todos os aspectos. Me senti como em uma cerimônia de entrega do Oscar, com direito a informações sobre todos os detalhes e comentários sobre o significado daquela cerimônia. Foi emocionante para mim primeiro porque minha irmã estava se formando (aliás, ela também entrou fazendo dancinha no palco! Ehehehhe). Segundo porque eu sabia que aquele era um evento histórico, digno do meu maior respeito e admiração à UFRGS e à Tagarellas por proporcionar iniciativas como essa. Ao todo doze pessoas usaram fones de ouvido no evento, o que eu considero um número muito bom. Outras pessoas com deficiência visual além de mim também puderam compartilhar todas essas informações e emoções.

Tive a alegria de visitar as narradoras e amigas na cabine antes do evento começar. Elas disseram que eu estava linda com meu novo cabelo, que tinha cortado na altura do ombro especialmente para o evento! A emoção foi imensa.

Essa colação de grau me faz refletir que muitas coisas que eu imaginava que talvez levassem um século já estão ocorrendo agora. Tenho orgulho de vivenciar essas iniciativas. Tenho orgulho e satisfação em fazer parte dessa história e dessa mudança. Sei que essa foi apenas a primeira formatura audiodescrita no Estado. Sei que a acessibilidade ainda está longe de ser da forma como eu e tantas outras pessoas que sonham comigo gostaríamos.

Contudo, creio que os primeiros passos já foram dados. A semente está plantada. Algumas mudas já brotaram. Fazendo uma analogia ouso dizer que a Acessibilidade talvez esteja se formando, não na graduação, mas nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Talvez ainda demore para a Acessibilidade estar se formando na graduação, mestrado ou doutorado e estar presente por toda parte, sem precisarmos cobrar o tempo todo, sem precisarmos enaltecer cada vez que isso ocorre. Talvez ainda demore para isso ser algo corriqueiro e comum. Mas eu também imaginava que não veria filmes com audiodescrição no shopping e isso já vem acontecendo em Porto Alegre – de forma pontual, é verdade, mas o importante é que já ocorre.

O mais difícil – que é dar os primeiros passos – já aconteceu. Agora é preciso alargar os passos, seguir em frente para disseminar essa atitude por toda a parte e preparar as próximas formaturas!

Tagarellas realiza primeira formatura audiodescrita do RS

A Tagarellas Audiodescrição realiza, na próxima quarta-feira (7), a primeira formatura audiodescrita do Rio Grande do Sul. A solenidade de colação de grau do curso de Administração de Empresas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS) contará com o recurso audiodescrição, que torna a cerimônia acessível a pessoas cegas ou com baixa visão. O recurso pode beneficiar ainda idosos, pessoas com deficiência intelectual, dificuldade de memorização e problemas neurológicos.

Essa é a primeira vez em que uma cerimônia de formatura conta com audiodescrição na história das universidades gaúchas. Ao entrar no Salão de Atos da UFRGS as pessoas que desejarem poderão retirar os fones para acompanhar a descrição das informações visuais e dos vídeos que serão exibidos durante a cerimônia. O aparelho utilizado para audiodescrição é o mesmo de eventos com tradução simultânea.

Além da audiodescrição, a cerimônia contará com intérprete de Libras. A disponibilização de recursos de acessibilidade surgiu a partir da demanda dos próprios familiares dos formandos. A irmã de uma das formandas tem baixa visão e a irmã de outro formando é surda.

A audiodescrição deve começar 10 minutos antes da colação de grau, já trazendo as informações sobre o espaço em que acontece o evento. Os interessados devem retirar os fones logo na entrada do Salão de Atos. Não há custo algum para os usuários, basta apresentar documento de identidade.

Serviço:
Primeira formatura com audiodescrição no RS: colação de grau do curso de Administração de Empresas da UFRGS

Data: 7 de agosto (quarta-feira), às 18h30

Horário: 18h30

Local: Salão de Atos da UFRGS – Porto Alegre/ RS

Realização: Tagarellas Audiodescrição (www.tagasblog.wordpress.com)

O Programa Incluir da UFRGS na minha vida

A pedido da aluna Adriana Dias, que está fazendo uma pesquisan envolvendo acessibilidade na UFRGS, escrevi um relato sobre a minha relação com o Programa Incluir na Universidade. Confesso que demorei um pouco para entregar o texto a ela, pois escrever sobre o Programa Incluir é algo emocionante e desafiador para mim. Depois de enviar o relato a ela, me dei conta que gostaria de compartilhar essa experiência também com os leitores do Três Gotinhas. Então, boa leitura a todos!

As primeiras pessoas que conheci do Programa Incluir da Ufrgs foram a professora Adriana Thoma, o Rafael Giguer e a Liliane Birnfield. Mais adiante conheci a Fabiana Flores Guedes, a Karine Biguelini e, mais recentemente, a Liliane Giordani. Alguns bolsistas foram muito próximos e tiveram papel fundamental como a Bianca Peixoto, a Thayse Benedet, o João Pedro, o João Paulo e tantos outros (que peço desculpas aqui por não citar todos).

Quero salientar o quanto essas pessoas tiveram papel fundamental na minha vida. E não apenas o Programa num nível institucional, mas as pessoas em si, pelo seu caráter humano, pela amizade e pela receptividade e pelo sorriso no rosto que me receberam sempre.

Todos tiveram papel essencial, inclusive no sentido de proporcionar uma maior aeitação da minha própria deficiência. No Programa Incluir nunca me senti um número (como ocorria dentro da maioria das salas de aula). Pude me sentir, sim, a Mariana, com minhas características. Isso é algo único e mágico, pois resgatou a minha identidade.

O Rafael Giguer foi a primeira pessoa que eu conheci com deficiência visual (antes ainda dele trabalhar no Incluir). Ele foi comigo comprar a bengala, me falou sobre como sua vida havia mudado para melhor desde que começou a usá-la e me incentivou muito.

Tive muita resistência em começar a usá-la e a ela ficou guardada no armário de casa por uns dois anos, até eu me sentir apta a buscar um curso de orientação e mobilidade e assumir de vez essa questão, parando de escondê-la dos outros de mim mesma. Hoje fico alegre em ter ajudado meu amigo Felipe Mianes também nesse processo e ter o acompnhado até o mesmo lugar para comprar sua primeira bengala, assim como o Rafael Giguer fez comigo anos atrás.

No Programa Incluir foi a primeira vez em que recebi material adaptado em fontes ampliadas. Foi maravilhoso, pois em toda minha escolarização sempre tive que “me virar”, sem nenhum apoio por parte da escola ou professores. No começo eu achava aquelas adaptações todas em fonte ampliada um “luxo”.

Eu estranhava tantas pessoas empenhadas em adaptar materiais para mim. Aquilo era algo que eu nunca tinha imaginado. Depois, com o tempo e com o maior contato com essas pessoas especiais que me ensinaram tanto, percebi que aquilo não se tratava de um “luxo”, mas sim de um direito. Aos poucos fui mudando minha visão sobre as pessoas com deficiência e sobre mim mesma, aceitando melhor minha condição e aprendendo muito com o convívio com o Incluir. Percebi como minha vida podia ser bem mais tranquila se eu aceitasse ajuda e demandasse material adaptado em todas as aulas e ambientes que fosse necessário.

Hoje tenho orgulho de ser professora, de trabalhar com essas questões de acessibilidade, de lutar por essa causa e de poder ajudar outras pessoas. Tenho isso como um causa maior. Não busco é só para melhorar a acessibilidade para mim, mas para tantas, mas para tantas outras pessoas com deficiência.

O Programa Incluir prima pelo plano ideal de acessibilidade dentro da UFRGS. Infelizmente esse ideal ainda colide com barreiras burocráticas e com a falta de entendimento de muitos servidores, professores e estudantes. Há ainda falta de vontade por parte de muitos e quebrar essa resistência é o maior desafio. A acessibilidade passa por várias esferas, não é apenas uma questão arquitetônica, mas principalmente comportamental.

As dificuldades que tive na Ufrgs, apesar do esforço do Incluir, foram inúmeras. Aulas todas ministradas no quadro negro, sem eu receber o material impresso. Quase sempre eu recebia material em fonte pequena. Não encontrava a sala de aula correta, o prédio, o laboratório (principalmente no campus do Vale, onde o caos é maior). Tinha dificuldade na biblioteca para localizar os livros, para pesquisar no computador, para encontrar banheiro, para ler o cardápio no bar. Os laboratórios, aliás, nunca tinham computador adaptado para mim.

Os laboratórios eram como salas inúteis, que jamais tinham utilidade e não acrescentaram nada em meu aprendizado. Aulas em laboratórios eram as piores, eu sabia que estava lá apenas de corpo presente para responder à chamada, pois não conseguia acompanhar. E ficava assim mesmo, acho que os professores não percebiam e/ou não estavam muito preocupados.

Lembro da disciplina de Latim, dentro do curso de Letras, que eu comecei e tranquei umas três vezes. Jamais consegui conclui-la porque a professora dava toda aula no quadro, tinha que usar dicionário com a letra minúscula, era terrível. Latim já é difícil para qualquer aluno, para mim então era pior. Não porque eu não tivesse capacidade, mas porque eu não tinha acesso adequado às aulas.

Foi durante o mestrado que mais utilizei o Programa Incluir, entre 2010 e 2012. Mas antes eu já cursava algumas disciplinas da Letras, desde 2005. Durante o mestrado a quantidade de leitura era imensa. Muitos livros por semana, mais centenas de revistas para mapear para minha dissertação. Foi um período muito exaustivo em termos de carga de leitura. O Incluir nem sempre conseguia adaptar tudo em tempo, mas eles faziam o melhor possível. Ainda faltam funcionários e o número de bolsistas nem sempre é suficiente.

O Incluir me ajudou imensamente no mestrado, do início ao fim. Na seleção já recebi a prova ampliada, o que era essencial para que eu conseguisse realizá-la em plenas condições. Todos os bolsistas e funcionários estão nos agradecimentos da minha dissertação. Fico muito orgulhosa por ver toda essa trajetória, de crescimento acadêmico e principalmente pessoal. Gostaria de salientar o quanto o Incluir teve esse papel importante na minha própria aceitação da deficiência.

Aprendi a pensar mais sobre a minha deficiência e, ao mesmo tempo, a pensar menos sobre isso nos momentos em que não importa tanto. Afinal, o ser humano é vai muito além de suas limitações físicas. Agradeço ao Incluir por me apontar esse caminho e por seguir dando superte na trajetória de vida de tantas pessoas. Quero deixar um abraço especial aos amigos que conquistei e conheci através do Programa, em especial ao Felipe Mianes e à Ariane Bernardes.

Curso “Audiodescrição e suas intersecções com a Educação” tem inscrições abertas

Estão abertas as inscrições para o curso de extensão “Audiodescrição e suas intersecções com a Educação”, da Faculdade de Educação da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110 – Centro Histórico – Porto Alegre/ RS). As aulas ocorrem de 16 de março a 29 de junho, sempre aos sábados pela manhã.

O curso destina-se a professores de todas as áreas do conhecimento, pedagogos, profissionais que atuam em museus, bibliotecas, teatros e centros culturais, produtores culturais, comunicadores e gestores culturais (alunos da UFRGS ou da comunidade externa).

As atividades são oferecidas pela equipe da Tagarellas Audiodescrição, tendo como coordenadores Felipe Mianes (historiador e doutorando em Educação pela UFRGS) e Mariana Baierle (jornalista e mestre em Letras pela UFRGS) – ambos com baixa visão e Audiodescritores Consultores. Como professoras convidadas estão Mimi Aragon (publicitária e Roteirista de Audiodescrição) e Marcia Caspary (locutora, Roteirista e Narradora de Audiodescrição). Toda equipe da Tagarellas Audiodescrição tem formação específica na área e experiência em audiodescrição de livros, materiais didáticos, exposições de arte, peças de teatro, cinema, espetáculos de dança, seminários e eventos.

Este curso tem o objetivo de instrumentalizar profissionais da área da Educação – não somente da Educação restrita à sala de aula, mas da Educação como um todo, envolvendo diversos ambientes culturais – para que conheçam o recurso e possam aplicá-lo de modo a tornar os espaços culturais acessíveis a todos. Tendo em vista que a formação de um audiodescritor profissional não caberia em apenas um semestre de extensão universitária, busca-se, neste curso, proporcionar uma formação inicial acerca do recurso, da legislação brasileira e da discussão acerca da ampliação de sua aplicabilidade e das intersecções com o campo da Educação.

A carga horária é de 60 horas, com valor único de R$ 350,00, com certificação pela Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS. Todas as informações referentes às inscrições, cronograma, ementa e bibliografia estão no blog do curso: http://educadfaced.blogspot.com.br.