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Meu nome não é Johnny; Meu nome é Mariana

Essa semana assisti a meu primeiro filme nacional com audiodescrição: “Meu nome não é Johnny”. A experiência foi fantástica. Sempre pensei que filmes nacionais eram mais acessíveis para mim – e de fato são – porque não tenho que ler as legendas (tentar lê-las) ou compreender o inglês.

Percebi a riqueza de informações adicionais trazidas com a audiodescrição. Tendo baixa visão, tais detalhes realmente teriam escapado à minha percepção. Troca de imagens e ambientes muito rápida, passagem do tempo, situações intercaladas do mesmo personagem quando criança e quando adulto etc. Esses são momentos críticos, essenciais para a compreensão de um filme, em que de fato não consigo acompanhar o enredo.

A sensibilidade do roteirista da audiodescrição Alexandre Leal me chamou muita atenção. Seu senso crítico para perceber exatamente o que é relevante (e o que não é) são fundamentais nesse trabalho. A audiodescrição precisa proporcionar ao espectador a compreensão da obra em sua plenitude e grandiosidade, sem perder sua profundidade.

É um trabalho riquíssimo e que tem ainda a dificuldade de que a voz do audiodescritor pode ser inserida apenas nos momentos em que não há diálogos entre os personagens. Ou seja, não pode haver concorrência entre a voz da a voz dos personagens e do audiodescritor. São nesses preciosos segundos de silêncio na trama em que a audiodescrição é inserida.

Uma das descrições, que pode parecer simples para um espectador sem deficiência visual, me pareceu genial. É o momento em que o audiodescritor afirma: “Sequência de imagens de João vendendo drogas”. Não havia tempo hábil para o detalhamento de cada imagem, mas a ideia fundamental (que era importante para a compreensão da história) foi transmitida ao espectador – que, mesmo sendo uma pessoa com baixa visão, talvez não percebesse seu significado devido à velocidade com que as cenas passam na tela.

A udiodescrição representa um trabalho aguçado de tradução: tradução de imagens em palavras. Mais do que isso, a audiodescrição torna viável ao deficiente visual algo que antes era impossível, algo que era um universo a parte e inacessível – esse fantasioso e inexplorável mundo do cinema e do audiovisual.

“Meu nome não é Johnny” (2008), sob direção de Mauro Lima, conta a trajetória (baseada em fatos reais) de João Guilherme Estrella, um jovem de classe média que se envolve com o tráfico e todas as dificuldades que o mundo das drogas podem trazer. O protagonista (interpretado por Selton Mello) vive um romance conturbado com Sofia (interpretada por Cléo Pires). É preso por tráfico internacional de drogas, acaba internado em um hospital psiquiátrico, mas consegue se recuperar.

Assim como João Guilherme Estrella se recupera das drogas, o filme trouxe, para mim, um significado de recuperação muito grande. Recuperação no sentido de resgatar meu direito e minha vontade de ir ao cinema, conhecer, discutir e repercutir filmes. Recuperei meu desejo de entender sobre cinema, participar e vivenciar suas histórias.

Recuperei, através de “Meu nome não é Johnny”, minha vontade de ser protagonista de uma vida com acesso à cultura do cinema para todos. Digo agora: “Meu nome não é Johnny; Meu nome é Mariana e quero audiodescrição em todos os filmes daqui pra frente.”

 

Onde está a sinaleira?

Sempre que preciso atravessar a avenida Protásio Alves – uma das maiores e mais movimentadas vias da capital -, na altura da rua João Abott, bairro Petrópolis, fico revoltada com a situação que me deparo. Existe uma sinaleira para a travessia de pedestres na Protásio Alves, quase em frente à loja Kandiero, que faz parar o trânsito apenas nas pistas em que passam carros. No corredor de ônibus, que fica no meio da Protásio Alves (onde passam ônibus nos dois sentidos), não existe sinaleira!

Ou seja, eu espero os carros pararem na sinaleira e vou até o meio da rua, onde fica o corredor de ônibus. La chegando, posso ficar esperando eternamente, mas os ônibus não param porque não há sinaleira. Existe faixa de segurança, mas nunca vi nenhum ônibus parar para mim ou qualquer outro pedestre. O trecho é uma descida, então eles passam em alta velocidade, o que aumenta ainda mais o risco em atravessar ali.

Isso que nem estou entrando na questão das sinaleiras sonoras, praticamente uma peça de museu em Porto Alegre, algo realmente muito raro, quase coisa de outro mundo. Estou falando em coerência no trânsito. Não entendo como a prefeitura e os técnicos de trânsito colocam uma sinaleira para pedestres passarem apenas nas pistas dos carros e não no corredor de ônibus. O pedestre não tem o direito de atravessar a Protásio Alves por completo? Pode ir apenas até o meio?

Circulo por aquela região cerca de duas vezes por semana e a dificuldade é imensa. Não apenas para quem não enxerga bem, mas para qualquer pedestre. De que adianta ir ate o meio da rua se não é possível seguir até o outro lado?

Cansei de esperar. Quero um resultado. Quero uma sinaleira. Quero meus direitos respeitados!

Faço um apelo aos meus amigos e leitores para que me ajudem a divulgar essa reivindicação por uma sinaleira no corredor de ônibus na Protásio Alves, na altura da João Abott. Peço, por favor, para que me ajudem a mandar essa mensagem por email para seus contatos.  Vamos mobilizar os meios de comunicação e a sociedade. Isso pode parecer uma reivindicação pequena para alguns, mas é uma questão fundamental para quem tem deficiência visual e precisa lidar diariamente com essa e outras situações lamentáveis.

Um dia de sol

Caminho na rua, sinto o vento e o sol no rosto. Caminho devagar, observo o espaço que me cerca e o horizonte. O mundo nesse momento é a quadra da minha casa. Escuto o barulho das folhas das árvores, o canto dos pássaros. Sinto o vento que carrega o cheiro das flores de um jardim. Não penso em nada, só observo a interação entre a cidade e a natureza que me cercam.

Vento forte, sol vibrante, frio intenso. Carros, buzinas, pressa. A cidade emite suas vozes e reclames de costume. A vida segue automática diante dos meus olhos.

Meus pés, a cada passo, fazem um ruído no chão da calçada esburacada. Passeio livremente pelo trajeto que antes julgava conhecido e comum.

Mas as coisas de sempre, o caminho de sempre, de alguma forma, não estão mais tão iguais e obvios assim. Descobri como um dia de sol e um momento de calma podem servir para re-conhecer o mundo em que me insiro, a cidade que vivo, a rua onde moro, os espaços que frequento e, quem sabe, re-conhecer a mim mesma.

´Quando se pensa em deficiência visual ninguém lembra das pessoas com baixa visão. Que bom que existem exceções!

Semana na passada estive no evento Mídia e Deficiência, que ocorreu em Porto Alegre, na Assembleia Legislativa. Foi um acontecimento marcante na minha vida, pois foi a primeira vez que recebi material em fontes ampliadas fora do âmbito acadêmico (onde, não posso negar, em geral tenho acesso ao material solicitado). É muito difícil perceber qualquer iniciativa ou preocupação com as pessoas com baixa visão – até porque quando se fala em deficiência visual o senso comum remete à imagem de uma pessoa cega e usuária de braille.

Em primeiro lugar, nem toda pessoa com deficiência visual é cega. A maioria, aliás, possui baixa visão. Em segundo lugar, cegos ou pessoas com baixa visão não necessariamente utilizam o código braille. Pessoas com baixa visão em geral leem textos em fontes ampliadas. Mesmo pessoas cegas, em muitos casos, podem não utilizar o braille.

No evento que participei semana passada fiquei muito surpresa e gratificada em realmente receber o material em fontes ampliadas (tamanho 20, conforme solicitado no ato da inscrição). O mesmo material que foi entregue aos demais participantes estava à minha disposição em tamanho maior na recepção do teatro Dante Barone. Uma pequena adaptação como essa pode parecer simples para os outros, mas representa muito para mim e para os usuários de material ampliado.

Tal iniciativa, que deve ter custado um pouco mais de tinta da impressora e dedicação dos funcionários da organização, transformou o meu dia e renovou minhas esperanças de que isso possa se tornar uma realidade em outros lugares. Me senti realmente acolhida e bem recebida naquele local, onde alguém havia pensado nas minhas reais necessidades. Necessidades, aliás, que não são só minhas, mas de um imenso grupo de pessoas com baixa visão (que são a maioria dentre a população com deficiência visual).

O acesso à cultura e à informação é um direito de todos e está previsto em lei. Contudo, infelizmente ainda estamos muito longe de atingirmos um padrão mínimo desejável em termos de acessibilidade. Esse evento foi uma surpresa muito positiva – uma exceção, é verdade, mas uma iniciativa que deve ser valorizada e multiplicada.

Não sou contrária ao material em braille em eventos, estabelecimentos comerciais, prédios públicos ou privados. O braille, porém, deve estar presente simultaneamente ao material ampliado para que o usuário escolha a forma de leitura que lhe seja mais conveniente. Parabéns à organização do evento Mídia e Deficiência. Espero que em breve eu possa postar aqui novos exemplos positivos e que esses exemplos um dia não sejam mais uma exceção e sim uma realidade comum.