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Cotas: o atestado do fracasso

Ao dizer que alunos de escolas publicas precisam de cotas para entrar na universidade, o Estado está atestando o fracasso dessas escolas e, consequentemente, de seus alunos.

Mediante a constatação da precariedade das escolas públicas no Brasil e os baixos índices de aprovação no vestibular, o que os governos fazem? Ao invés de aperfeiçoá-las – investir em sua qualidade, no aprimoramento dos professores e de suas condições de trabalho, na boa estrutura dos estabelecimentos -, criam cotas como forma de encobrir e remediar o problema lá adiante – no Ensino Superior -, sem combater sua causa, que é a calamidade no ensino desde a Educação Infantil.

Em bom português, as cotas servem para “tapar o sol com a peneira”: colocam na marra os estudantes na universidade independentemente da qualidade do ensino que receberam durante toda sua formação desde crianças.

Ao dizer que o aluno de escola pública, negro, índio ou com deficiência precisa de cotas para concorrer a vagas públicas – abertas por vestibular as quais, portanto, qualquer cidadão pode candidatar-se -, estamos admitindo que essas “minorias” são incapazes de concorrer com os demais.

As provas que os candidatos enquadrados em cotas realizam são as mesmas, mas se a concorrência é menor. Para entrar em um curso de Medicina, por exemplo, se ao invés de concorrer com 50 candidatos o aluno concorrer com apenas três convenhamos que se trata de uma diferença gritante.

Assumir que esses segmentos precisam de um “empurrãozinho” para entrar na universidade é entregar-lhes um atestado de incompetência e fracasso.  Tal distinção me parece mais preconceituosa e discriminatória do que benéfica aos próprios estudantes supostamente beneficiados – e que se tornam vitimas do descaso do governo com sua educação.

 

Sobre as cotas para deficientes

Pensando especificamente nas cotas para deficientes – seja em universidades, no mercado de trabalho ou em concursos públicos -, me intriga ver que ainda há pessoas que defendem esse sistema.

Em meu ver tais cotas reforçam uma imagem negativa e pejorativa da pessoa com deficiência como alguém inferiorizado ou diminuído na sociedade.

Trago o exemplo de um cadeirante, que não tem mobilidade nas pernas para ilustrar a situação. Esse individuo apresenta condições intelectuais perfeitas, bem como de raciocínio e de aprendizagem. Em uma prova ou concurso, ele pode se sair melhor ou pior em determinadas matérias – como qualquer estudante.

Fazê-lo disputar uma prova em regime de cotas nada mais é do que uma concessão, uma brecha da lei que facilita sua aprovação no concurso. Mas será que o deficiente deseja uma concessão? Será que ele quer uma “brechinha”, uma “ajudinha”, uma facilidade mediante cotas para estar inserido socialmente?

A pessoa com deficiência, em geral, já é estigmatizada e sofre preconceitos de toda ordem. Entrar em alguma instituição através de cotas contribui para reforçar o preconceito e a exclusão. O que ela precisa é ser percebida em sua plenitude de condições e capacidades.

Se ao invés do cadeirante, houvesse outra pessoa mais capacitada para a vaga, será justo que o deficiente – devido ao seu problema especificamente motor – passe na frente?

Quando começamos a inverter a lógica do mérito, do esforço e do desempenho pessoal e colocar as cotas em primeiro plano, estamos corrompendo o sentido de justiça e igualdade em qualquer concurso ou seleção pública – que seria, justamente, a de dar direitos iguais a todos e selecionar, por ordem de classificação, os mais preparados.

Não ter movimento nas pernas, até onde eu sei, não é sinônimo de mais ou menos Inteligência. O problema é que o preconceito e desconhecimento das pessoas são tão absurdos que, infelizmente, muitas ainda pensam que pelo fato de alguém não caminhar, não enxergar ou não escutar significa que essa pessoa seja menos capaz que os demais. Alguém já parou para perceber todas as inúmeras potencialidades e capacidades das pessoas com deficiência?

Assim como os ditos “normais” (sem deficiência) têm seus pontos fortes e fracos, características pessoais, dificuldades seja de relacionamento ou de aproveitamento de alguma disciplina, as pessoas com deficiência são, antes de tudo, humanas, e passam pelas mesmas situações em suas vidas.

O problema é que, além da dificuldade física (que em si geralmente é o fato menos grave em sua vida, pois ela já sabe como conviver com isso), a pessoa precisa deparar-se com situações de ignorância e preconceitos da sociedade (esses sim, lastimáveis e os mais difíceis de serem contornados).

Um cadeirante, um cego ou um surdo não precisa ser menos exigido e sofrer menos concorrência que os demais alunos. Colocá-lo em tal situação é um desfavor, uma humilhação. É reduzir seus talentos, impedir-lhe de ser uma pessoa autônoma e capaz como as outras, é rotulá-la como inferior.

Aliás, nenhum deficiente quer que a sociedade sinta pena ou compaixão. Todos querem apenas ter seu valor reconhecido. Ao enquadrarmos alguém em cotas estamos, em outras palavras, lhe dizendo: “não acredito em você”, “você não tem potencial, mas vou admitir sua presença aqui, vou lhe dar uma forcinha”.

Se um cego tiver ao longo de toda sua vida escolar as condições que precisa para aprender, não há necessidade alguma de concorrer no vestibular com cotas, pois sua deficiência é visual e não intelectual. O mesmo vale para surdos, pessoas com baixa visão, cadeirantes etc. Defendo o acesso e as condições adequadas de estudo, acesso ao conhecimento, à cultura e ao material didático por todos – em todos os níveis de escolarização, não apenas no Ensino Superior.

A verdadeira inclusão passa por condições de acessibilidade em todos os ambientes, desde a escola básica, passando pela adequação urbana e arquitetônica e, principalmente – acima de tudo – a eliminação do preconceito da mente das pessoas.

Tratar a pessoa com deficiência com respeito e igualdade vale mais do que qualquer cota.

Precisamos, mais uma vez, chegar na origem da questão: quebrar o paradigma de que deficiência é sinônimo de incapacidade. Muitas e muitas pessoas com deficiência estão ai para comprovar isso.

Antes de beneficiar o próprio deficiente, creio que as cotas vem a sustentar interesses de partidos e políticos que passam a se vangloriar e auto-promover através da suposta “inclusão”. Isso sem nenhuma preocupação com as condições de ensino e se, de fato, essa inclusão está acontecendo, se o aluno tem suas necessidades atendidas, se ele sente-se incluído no ambiente escolar, se ele consegue – mais do que ingressar no curso- concluí-lo satisfatoriamente. Questões como essa jamais chegam a ser discutidas.

É fácil mascarar um problema grave do país – a falência das instituições de ensino – com cotas e as ditas “medidas afirmativas”. Mas no momento de viabilizar livros em braille, intérpretes de libras, acessibilidade a todas as escolas, material didático adaptado, professores bem preparados para trabalhar com alunos com e sem deficiência desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, o governo se esquiva e recorre às cotas.

Cotas são o atestado do fracasso da educação básica. Infelizmente a única coisa que o governo consegue fazer pela educação no país é implementar cotas no Ensino Superior – “tapando o sol com a peneira”. Querer resolver o problema lá na ponta, sem combater sua origem, é, no mínimo, incompetência.

Não investindo na formação de nossas crianças, cada vez mais são necessárias cotas para nossos adultos (mau formados, mau preparados e fruto desse desleixo do governo com a educação). Onde isso vai parar?

E a cota do bom senso?

Atualmente falar em cotas virou assunto da moda. Existem cotas para tudo. A UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), por exemplo, instituiu cotas para quatro grupos – negros, indígenas, estudantes de escola pública e pessoas com deficiência.

Olho perplexa para esse quadro e fico me perguntando: com tantas cotas assim, quem são aqueles ditos “normais” ou “comuns”? Quem são os sujeitos que não se incluem em cotas?

A chance da mesma pessoa pertencer a um ou mais desses grupos é imensa, pois eles abrangem um espectro bastante representativo da sociedade.

Segundo aqueles que defendem as cotas em universidades, a intenção é suprir uma demanda de supostas “minorias” que não seriam contempladas pela forma de seleção e ingresso tradicional na universidade.

Fico pensando na quantidade de grupos e segmentos sociais existem e que também se dizem minoritários, mas não estão contemplados nessas quatro categorias estipuladas pela UFSM. Mulheres, pessoas com baixa renda, homossexuais, pertencentes a determinadas religiões e crenças, integrantes de movimentos sociais, sindicatos ou partidos políticos, pessoas de diferentes etnias e origens raciais etc etc.

Há uma infinidade de grupos e subgrupos que poderiam ser listados e reivindicar igualmente o direito a cotas por se considerarem excluídos.

Já cheguei a escutar lamentavelmente alguns estudantes defendendo cotas para mulheres grávidas ou com filhos de até três anos. Na minha opinião, um absurdo.

Até onde vamos continuar segmentando a sociedade? A cada dia e momento de nossas vidas pertencemos a determinados grupos e contextos dentro da sociedade.

Daqui a pouco não sobrarão os “comuns” – aqueles que não se encaixam em cotas. Na medida em que elencamos tantas “minorias”, falta perguntar: afinal, então quem são as “maiorias”?

Que tal cotas para gremistas e colorados? Ou para amantes de gatos, de cachorros, de peixes, de passarinhos e para os que não toleram animais? Ou ainda, para quem gosta de filmes de comédia, ficção científica e drama (e, no meu caso, para os amantes de filmes com audiodescrição)?

Estou levando a situação ao extremo, mas no meu entendimento é uma falta de bom senso esse processo de segmentação constante. Garantir cotas para determinados grupos abre precedente – e com razão – para que outros reivindiquem também o direito a cotas.

Tal situação me parece esquizofrênica. Às vezes penso que estamos perdendo o limite da racionalidade. Nesse ritmo vamos continuar segmentando a sociedade rumo ao infinito, jamais haverá um fim.

Não sobrarão aqueles cidadãos “comuns”, que não entram em cotas. Todos pertencerão a alguma “minoria”. Eis ai, mais uma esquizofrenia da nossa sociedade: minorias que rapidamente se transformarão em maioria. Aliás, na minha visão, com tantas “minorias” que temos hoje, elas já representam a maioria.

Quem sabe não está na hora de parar de segmentar o mundo – visto que é uma tarefa que tende ao infinito – e instituirmos a cota para o bom senso?

O meu lado Mozart

Recentemente assisti a dois filmes com audiodescrição, que me marcaram muito – por motivos diferentes, mas que se relacionam entre si. Assisti a “Tropa de Elite” (um) e “Orquestra dos Meninos”.
O primeiro traz um enredo bastante conhecido pela maioria. Contudo, até então era um enredo desconhecido por mim. Eu já tinha tentado assistir a Tropa de Elite 1 no cinema (quando foi lançado em 2007) e depois em DVD, mas confesso que não tinha entendido o filme. Uma história de ação, com muitos personagens (a maioria do sexo masculino, o que dificulta sua identificação pelas vozes), com cenas escuras e que passam muito rápido. Eis um conjunto de dificuldades para quem tem baixa visão, motivo pelo qual a obra era até então uma incógnita para mim.
É difícil admitir isso (pois o filme foi lançado há muitos anos), mas finalmente, através da audiodescrição, posso dizer que assisti e entendi “Tropa de Elite”. Compreendi o significado, pela primeira vez, da frase “pede pra sair, pede pra sair” – frase que, por muitas vezes, me incomodou e deixou desconfortável por eu não saber seu significado. Foi uma frase recorrente após o lançamento do filme seja em uma roda de amigos, conversa de bar, uma piada na televisão ou em diferentes situações em que as pessoas repetiam isso e eu não entendia.
O segundo filme, baseado e fatos reais, é um drama, que conta a história de um menino pobre que sonha em ser maestro. Mozart Vieira é apaixonado pela música desde criança. Cresce no agreste nordestino, torna-se professor e consegue constituir uma orquestra que reúne 12 meninos pobres do município de São Caetano.
Uma série de acontecimentos, contudo, faz com que esse sonho do maestro seja várias vezes adiado. A trajetória de Mozart é permeada por dificuldades, problemas e até ameaças. O sequestro de uma das crianças do grupo, a ambição de políticos da região (que tentam se aproveitar da orquestra para arrecadar votos) e até a acusação de pedofilia e abuso sexual de menores são algumas das circunstâncias as quais Mozart se depara.
Ainda assim, ele persegue seus ideais. Mozart, sem um espaço para ensaiar com o grupo de alunos, cria a Fundação Música e Vida, que atende atualmente a 200 crianças da região, proporcionando a elas um futuro melhor através da música.
Fiz, a partir de “Tropa de Elite” e “Orquestra dos Meninos”, uma relação com minha própria vida. Às vezes, assim como Mozart, também passo por inúmeros problemas, obstáculos e episódios lamentáveis, que me cansam, desanimam e parecem me tirar as energias.
Às vezes acontecem coisas que me fazem pensar comigo mesma: “Pede pra sair, pede pra sair”. É como se algo dentro de mim quisesse me dizer para desistir – desistir de sonhar e de acreditar em coisas que insistem em dar errado. Acreditar em mundo que insiste em ter tantos problemas, corrupção e bandidagem às vezes parece uma mera ilusão.
São dois lados que lutam e se confrontam dentro de mim. Um diz “pede pra sair, pede pra sair” (como se dissesse: “desista” de tantos sonhos e ideais) e outro relembra o maestro Mozart Vieira e sua perseverança.
Duas faces de como podemos enxergar a realidade. Cabe a mim e a cada um optar por qual delas prefere ver o mundo e a própria vida.
Apesar de não saber música, tenho a convicção de que quero constituir minha própria orquestra – a orquestra da minha vida -, que irá semear, florescer e multiplicar sonhos e conquistas para mim e os outros.
O simples fato de estar assistindo a esses filmes com audiodescrição – o que, aliás, para mim não é nada simples, é um acontecimento incrível – me mostra que é possível sonhar com um futuro melhor e, mais do que isso, perceber mudanças e melhorias já no presente. É possível sonhar, sem ser tola ou ingênua. É possível sonhar e, de fato, alcançar nossos objetivos.
Sonho, entre tantas outras coisas, com o dia em que todos os cinemas do Brasil – em qualquer shopping, em qualquer lugar, em qualquer cidade – terão audiodescrição. Sonho, entre tantas outras coisas, que as pessoas irão se permitir sonhar, acreditar em si mesmas, em seus ideais e realizá-los.

Adivinhação

Vamos ver se você acerta essa!
Uma pessoa que não se importa se você é alto ou baixo; negro, branco ou mulato; gordo ou magro; loiro, moreno, careca… Alguém que não se interessa se a sua roupa está na moda ou não; se você usa um tênis de marca ou um chinelo de dedo. Alguém que não enxerga você pelo que você tem ou aparenta ter, mas pela pessoa que você é.

Alguém interessado em te conhecer, em entender teus valores, crenças e opiniões. Alguém que não te julga com um olhar superficial, mas desenvolve relações com sentimento e grandeza. Alguém que não te avalia em um minuto de convivência, mas através de uma conversa e da construção de uma convivência.

Alguém que não vê o que todos veem. Alguém que vê além do óbvio e banal, além do trivial e ingênuo. Uma pessoa que vê além do exterior. Alguém que não vê obstáculos físicos, mas é capaz de atingir o infinito.

Uma pessoa que vê o que ninguém mais vê.

Essa pessoa existe?

Sim. Cegos e deficientes visuais comprovam isso ao mundo. Se você pensou que essa pessoa não existia, tente – ao menos uma vez – enxergar a vida da forma como os cegos enxergam e verás que ela pode ser bem diferente.