Arquivo da categoria: Uncategorized

O perfil das pessoas evidenciado nos ônibus

Os ônibus públicos de Porto Alegre são um reflexo da sociedade. Em um coletivo, lotado em horário de pico, no inicio ou fim do dia, vivenciam-se as mais diversas, inusitadas e até decepcionantes situações.

 

Há todo tipo de passageiro, de cobrador e de motorista no transporte público. Em suas diferentes funções, constituem-se de sujeitos com todo tipo de humor, caráter, educação, postura e valores.

Em uma breve permanência no confinamento de um ônibus lotado – único meio de transporte de grande parte da população -, as características intrínsecas de cada um inevitavelmente vem à tona.

 

A forma como as pessoas se portam em um ônibus pode revelar muito sobre ela. Saber conviver em um ônibus é uma questão de cidadaniaa e de relacionamento em sociedade. A conduta idônea ou desonesta de cada um pode ser observada através de simples gestos.

Os motoras
Começando pelos motoras, existem aqueles do tipo Apressadinho. São aqueles que não param quando você está correndo em direção à parada – geralmente num dia importante, em que você não poderia se atrasar, mas o despertador não tocou,

 

Nesses dias, o passageiro carrega sacolas, casacos, guarda-chuva e todo tipo de objeto que lhe dificulte de correr. São nesses dias em que as mulheres estão com seus saltos mais altos.

 

A solução é gritar ou bater no ônibus quando ele já está arrancando: “Por favor, pelo amor de Deus, espere!”. Tudo em vão porque o Apressadinho não irá esperar nem um segundo a mais.

 

“Filho da puta”, você pensa, mas não há mais nada que possa ser feito. A solução é esperar mais vinte minutos até que o próximo ônibus chegue lotado e você consiga se espremer na porta.

 

Além disso, o Apressadinho não pode ver uma velhinha subir os degraus da frente para rapidamente (mais do que das outras vezes) arrancar o veículo em um solavanco, fazendo com que a pobre senhora quase (ou de fato) despenque no chão.

Mas não sejamos injustos com os motoristas. Entre eles, há também o tipo Prestativo.

 

Ao contrário do Apressadinho, Prestativo é aquele que espera quando você está do outro lado da rua, tentando atravessar. Acaba deixando todos os passageiros dentro do ônibus incomodados com a demora para arrancar, mas Prestativo não se preocupa com isso. Está sempre tentando agradar.

 

Prestativo espera as velhinhas entrarem e sentarem no banco para só depois arrancar. Prestativo te reconhece quando você pega a mesma linha pela segunda vez na vida. Abre um sorrido diz: “Você de novo? Hora de voltar pra casa né? Que coisa boa”.

 

Pela manhã, Prestativo te diz “bom-dia” com um entusiasmo que você não sabe de onde ele tira, pois você sequer acordou direito. Para não ser mal educado, você murmura, ainda sonolento: “bom dia”, pensando consigo mesmo: “O que há de bom? Queria dormir mais um pouquinho…”.

 

Em suma, Prestativo é um motorista simpático, sorridente, de bem com a vida, que causa inveja e ódio ao Apressadinho.

Os cobradores

Passando ao perfil dos cobradores, o mais comum (depois que inventaram o cartão do Tri) é o Quietão. O cara fica ali enquanto as pessoas passam o cartãozinho automático. Só “gerenciando” a roleta. Profissão bacana essa! (Será que tem vaga?).

 

Quietão não incomoda ninguém. Faz o seu serviço discretamente, sem ser muito percebido. Só fala com quem lhe dirigem a palavra. Dá as informações sobre itinerário quando lhe pedem. Se não, fica lá Quietão.

 

O cobrador desse tipo é bem localizado na cidade e conhece os bairros por onde circula a linha. O Quietão é tão na dele que sequer reclama ou te olha de cara feia se você pagar a passagem com uma nota cinquenta.

 

Cumpre com dignidade sua função. Trabalhinho honesto o seu, sem sobressaltos.

O mais irritante, entre cobradores de ônibus, eu digo com absoluta certeza, é o Passinho a Frente. Ele repete incessantemente, mais de uma vez a cada parada, de forma mecânica e repugnante, a mesma sentença: “Passinho a frente, por favor”, “Passinho a frente, por favor”.

 

Às vezes, para quebrar a monotonia, intercala a frase com “Subindo e passando, por favor”, “Subindo e passando, por favor”.

 

Passinho a frente é um tipo sério, que não sorri, não conversa com os passageiros sobre qualquer outra coisa a não ser para lhes pedir que passem a roleta ou deem mais um “passinho a frente”.

 

Trata-se de uma pessoa obsessiva. Talvez, antes de se tornar cobrador, Passinho a Frente tenha sido radialista ou vendedor ambulante no Centro (daqueles que ficam gritando na Rua da Praia). Sua voz tem uma boa entonação, talvez pudesse concorrer no show de Calouros se souber cantar.

No fundo, todo Passinho a Frente gostaria de um dia se tornar um Quietão. Mas sua ansiedade por organizar a fila, por falar o tempo todo tempo a mesma frase e por ver as pessoas passarem a roleta é tanta que ele jamais atingirá esse sonho.
Os passageiros

Chegamos, finalmente, ao perfil dos passageiros. Eis o grupo onde há a maior variedade de tipos. O estilo Apressadinho, já apresentado entre os motoristas, repete-se entre os passageiros, com algumas peculiaridades.

 

O passageiro Apressadinho já na parada joga-se na frente de todos para entrar primeiro no ônibus. Após, Apressadinho segue rápido para passar a roleta e chegar ao fundo do coletivo o quanto antes. Fica o mais próximo da porta possível para ser o primeiro a descer na sua parada.

 

Custe o que custar, sempre cumpre suas metas de ser o primeiro em todos os seus percursos na cidade.

 

Os demais passageiros não têm sequer agilidade para qualquer reação. Quando percebem, lá na frente está Apressadinho, fazendo jus ao título.
O próximo passageiro é o tipo Educado. Espécie em extinção (mas não perca as esperanças!), encontrado de vez em quando. Por representar um tipo rara, precisa ser valorizado.

 

A vantagem é que, por ser tão raro, é rapidamente identificável em qualquer trajeto de ônibus. Não há como confundi-lo.

 

Já na porta, Educado espera todos entrarem, sobe calmamente depois, cumprimenta o motorista e o cobrador. Ainda por cima, dá assunto para as velhinhas que logo o interpelam quando notam sua presença.

 

Sempre disposto a ceder o lugar a idosos, mulheres e crianças. Ao esbarrar em alguém (pasmem!), ele pede desculpas. Diz também “com licença” ao sentar do lado de alguém e na hora de levantar e passar por entre as pessoas.

Educado é exatamente o contraste do De Mal Com a Vida. Esse, por sua vez, entra no ônibus brabo, sempre carrancudo.

 

Não suporta piadinhas, pessoas conversando alto ou ouvindo música. Não gosta de crianças, não gosta de gente alegre, não gosta de gente triste. Não gosta de ninguém. Nada o satisfaz.

 

De Mal Com a Vida não deveria sair da cama jamais. Sua simples presença perturba todo o ambiente.

Em sua fase mais avançada, De Mal com a Vida torna-se um Espertinho. Esse último é o símbolo da malandragem e do “jeitinho brasileiro”.

 

Espertinho adota estratégias diversas na tentativa de driblar o cobrador para não pagar a passagem ou pagar menos que o valor devido.

 

Entra no ônibus e simula que esqueceu o dinheiro ou o cartão do Tri. Às vezes inventa uma história de que foi assaltado só para ficar na frente e andar de graça.

 

Mas o que ele quer mesmo é tirar vantagem do cobrador na hora de receber o troco. Pode lhe dar dinheiro a menos, lhe pagar com uma nota falsa, dizer que pagou quando não pagou – são inúmeras as táticas adotadas.

 

Espertinho está constantemente em busca de uma brecha onde possa agir. Suas técnicas de esperteza são constantemente aprimoradas.
O tipo mais pacato dentro de um coletivo público hoje em dia, não há como negar, é o Na Dele. Esse, sim, não incomoda ninguém, não ofere riscos ou ameaças (ao contrário do Espertinho que está sempre na espreita para tirar proveito de alguém).

 

Na Dele entra no ônibus em silêncio, sai em silêncio. Senta se tiver lugar. Se não tiver, fica de pé sem pestanejar.

 

Na Dele é o modelo ideal, o sonho dos motoristas e cobradores. Para satisfação dos que estão ao seu redor, é não dá conversa para as Típicas Senhoras.

 

Ah, as Típicas Senhoras são velhinhas que pegam ônibus o tempo todo para ir “passear” no Centro. Vão ao Mercado Público comprar condimentos, temperos e chás medicinais (para todas as suas doenças). Gostam de olhar lojas de antiguidades (com produtos, muitas vezes, mais velhos que elas próprias).

 

As Típicas Senhoras não querem passar a roleta. Ficam disputando os únicos três lugares existentes na frente.

 

Têm de cair enquanto o ônibus arranca. Preferem ficar de pé se acotovelando na frente, mesmo que atrás tenha lugar livre.

 

Estão sempre alugando os ouvidos do cobrador e do motorista, que geralmente não estão nem um pouco interessados em escutar as histórias a respeito de todas as gerações de suas famílias.

Diante de tantos tipos humanos presentes nos ônibus da capital gaúcha, creio que talvez um possível teste para conhecer a personalidade de uma pessoa e medir seu nível de estresse seja avaliar seu comportamento no transporte público.

 

Diante de tudo isso, fica uma dúvida: o que será que se passa na mente do passageiro Na Dele e do cobrador Quietão? Não sei, mas vou me cuidar ao entrar no ônibus, pois sempre podemos estar sendo observados…

A audiodescrição precisa dominar o mundo!

Existe algo de extraordinário acontecendo. A audiodescrição (AD) está ganhando força e invadindo novos espaços!

Ainda estou incrédula diante do grupo Tholl que assisti essa semana no Salão de Atos da UFRGS com audiodescrição.

Um espetáculo circense (http://www.grupotholl.com) – com acrobacias, dança, jogo de luzes, malabarismos, números com fogo – foi acessível também a pessoas cegas e com baixa visão.

A experiência foi, para mim, uma quebra de paradigmas. Eu já havia deixado de assistir ao Tholl anos atrás quando minha prima Andjara, de Minas Gerais, veio visitar Porto Alegre.

Na época, toda minha família foi ao evento no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Embora tivesse vontade de ir, não fui por saber que se tratava de algo essencialmente visual. O ingresso era caro e eu não iria pagar caro por algo que eu sabia que não iria “aproveitar”.

Sabia que havia muitas informações e elementos visuais para serem apreciados, o que iria dificultar minha compreensão.

Hoje, cerca de quatro anos depois, tenho o prazer de contar que finalmente assisti ao espetáculo, contando com um excelente trabalho de AD. Algo realmente profissional feito pela Letícia Schwartz, da empresa Mil Palavras.

Para o bom trabalho de AD a sensibilidade é essencial. E isso a Letícia tem de sobra. É por isso que o trabalho dela é tão impressionante. Ela conseguiu, ao vivo (assistindo ao espetáculo de dentro da cabine onde se faz a tradução simultânea – mas que prefiro chamar de cabine da AD), passar emoção e vivacidade às cenas que descrevia.

Eu e algumas outras pessoas com deficiência visual pudemos entrar mais cedo no Salão de Atos da UFRGS, conhecer os atores, as fantasias e acessórios usados por eles bem de pertinho. Pudemos tocar as fantasias, enfeites, sapatos, botas, chapéus, perucas usados pelos atores, além de conversar com eles. Me apaixonei pela menininha de sete anos, uma das estrelas do evento.

Pudemos nos sentir situados no ambiente, antes mesmo do espetáculo começar.

Depois, sentados na terceira fila, com fones de ouvido (o mesmo aparelho usado para tradução simultânea de palestras em outro idioma) escutamos à AD feita pela Letícia.

Em que momentos a AD foi importante no Tholl?

Através da AD percebi exatamente quais eram os pontos em que eu teria me perdido. Muitas vezes eu via os personagens no palco e os movimentos que faziam, mas não conseguia ver suas feições e expressões de rosto.

A AD é perfeita também para pessoas com baixa visão, pois preenche justamente as lacunas na minha percepção.

Ao colocar, por exemplo, que a menina faz “expressão de triste” pude entender o sentido da cena. Se eu não soubesse a feição de seu rosto, não teria entendido a cena em sua plenitude.

Quando o personagem principal chama duas pessoas da plateia ao palco e se comunica com elas através de mímicas e gestos a AD também foi essencial.

O ator brinca com o cabelo cheio de trancinhas de um dos homens que subiu ao palco, puxa uma das trancinhas e finge que coloca no próprio cabelo. Nesse momento, o público todo riu. Ao mesmo tempo, a AD narrou o que estava acotnecendo e eu pude rir da cena. Seria algo engraçado que passaria batido, sem que eu pudesse me divertir.

É mágica essa sensação de rir, ao mesmo tempo, sem precisar perguntar sussurrando para pessoa do lado por que as pessoas riram.

Cenas muito escuras igualmente eram complicadas. Houve vários momentos em que a iluminação diminuía e os atores dançavam com tochas de fogo. A AD me “salvou” em vários momentos.

São detalhes que não são somente detalhes. Detalhes que, somados, são a essência da peça. O que seria do espetáculo sem as piadas, as coisas engraçadas, as acrobacias, as danças, a beleza dos atores, das cores, das luzes?

Como poderia uma pessoa com deficiência visual apreciar esse espetáculo? Por que a pessoa com deficiência tem que ficar em casa enquanto todos saem para assistir a um evento tão fantástico?

Um espetáculo essencialmente visual, não pensado para pessoas cegas ou com baixa visão. Contudo, nesse momento, tornou-se acessível a mais pessoas.

O Tholl se atingiu um público jamais pensado como seu público-alvo. Pessoas que, muitas vezes, não são lembradas, mas que querem consumir cultura, sair de casa, rir, se divertir, aproveitar a vida.

Hoje penso que fico triste de não ter compartilhado daquele momento com minha família no Theatro São Pedro. Porém, fico feliz em perceber que essa realidade está mudando.

Na saída do evento, os atores vieram conversar conosco. Eu fiz questão de ressaltar a importância da AD e sugeri que o espetáculo a incorpore em todas as suas apresentações.

Num passo adiante, almejo que esse recurso seja algo comum e rotineiro em todos os lugares. Que eu e outras pessoas com deficiência visual não sejamos “exceções” nesses espaços.

Que a nossa presença chame menos atenção do restante do público (por estarmos ali com fones de ouvido e isso gerar curiosidade nos demais). Que todos saibam do que se trata a AD, conheçam, respeitem e incentivem sua ampliação.

É por isso que brinco (mas estou falando sério), que a audiodescrição precisa dominar o mundo!

Vídeo inclusivo

“De Boca em Boca: um filme para todo mundo”, curta-metragem produzido pela ONG Vez da Voz. Possui áudio, legenda, tradução em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e audiodescrição.

Além de trazer linguagens e comunicação acessível, o filme mostra situações cotidianas na vida de pessoas com deficiência.

Tocar a campainha de um prédio com interfone pode ser simples para muita gente. E se a pessoa for surda?

O trânsito em calçadas esburacadas por cadeirantes ou deficientes visuais também não é fácil. A ausência de rebaixamentos, obstáculos no caminho como sacos de lixo, pedras, galhos de árvores, orelhões, fios caídos e até carros estacionados na calçada atrapalham ou até inviabilizam a passagem.

Mas vale lembrar que não são apenas barreiras físicas e de estrutura arquitetônica que dificultam a vida da pessoa com deficiência.

Eu diria que, muitas vezes, a educação e a disponibilidade dos outros em ajudar é tão ou mais importante do que propriamente os ambientes adaptados.

O vídeo mostra ainda que não sair de perto de uma pessoa com deficiência visual sem avisá-la ou não sentar-se à mesa sem comunicá-la são pequenas atitudes que dependem apenas do bom senso das pessoas que a cercam. Simples comportamentos dos demais contribuem muito para a melhor orientação e relacionamento interpessoal do deficiente visual.

Ir ao dentista é outra atividade que pode não ser tão fácil assim quando a pessoa não enxerga ou não escuta. Nesse sentido, um dentista que saiba Libras é essencial para viabilizar a comunicação sobre questões de saúde (de extrema importância) e atender com qualidade e respeito o paciente.

O mesmo vale para outras situações de prestação de serviços, como, por exemplo, ir ao salão de beleza, restaurante, cinema, teatro, loja, supermercado, transporte.

Profissionais preparados para atender com qualidade e respeito devem existir em todas as áreas.

Vale a pena conferir o vídeo!!!

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=zJgkUFmsFWU]